Livro de Pearl que ensina pais a usar uma vara para disciplinar os filhos foi encontrado em casas de crianças mortas após agressão
Michael Pearl na igreja Cane Creek, em Pleasantville, Tennessee
O clima pastoral nas colinas do Tennessee oferecia um contraste alarmante com a grande tempestade que abalou todo o país sobre os ensinamentos de Pearl sobre como disciplinar crianças, que defende o uso sistemático de uma "vara" para ensinar os pequenos a se submeter à autoridade. Os métodos, vistos como normais por alguns pais e como horríveis por outros, são "modelados", Michael Pearl gosta de dizer, sobre "os mesmos princípios usados pelos Amish para treinar mulas teimosas".
O debate sobre os ensinamentos de Pearl primeiramente tomou conta de sites cirstãos, mas ganhou nova intensidade com a morte de uma terceira criança supostamente nas mãos dos pais, que tinham em suas casas o livro de Pearl: "To Train Up a Child" ("Educar uma Criança", em tradução literal). Em 29 de setembro, os pais foram acusados de homicídio por abuso e estão aguardando julgamento.
Mais de 670 mil cópias do livro autopublicado de Pearl estão em circulação e ele é especialmente popular entre os cristãos que educam seus filhos em casa e o elogiam em suas revistas e sites. Pearl "fornece instruções sobre o uso de varas, a partir dos seis meses, para desencorajar o mau comportamento e descreve como fazer uso de implementos para bater nos braços, pernas ou costas, incluindo o uso de um cano flexível que, Michael Pearl diz, “pode ser enrolado e transportado em seu bolso".
O furor em parte reflete as divergências da sociedade sobre os castigos corporais, que os cristãos conservadores dizem ser adotado na Bíblia e que muitos americanos consideram razoável até certo ponto, enquanto muitos pais e pediatras o rejeitam. A questão foi levada a outro nível recentemente, quando um vídeo de um juiz do Texas chicoteando sua filha foi publicado online.
Michael Pearl, 66, e Debi Pearl, 60, dizem que culpar seu livro pelo abuso extremo de alguns pais instáveis é absurdo e que eles explicitamente aconselham contra agir com raiva ou deixar hematomas. Eles afirmam que seus métodos, quando usados corretamente, geram adolescentes em paz e felizes.
"Se você encontrar um livro dos 12 passos na casa de um alcoólatra você não iria culpar o livro", disse Michael Pearl em uma entrevista.
Mas ele reconheceu que os métodos não são adequados para pais fora de controle ou severamente sobrecarregados.
No caso mais recente, Larry e Carri Williams, de Sedro-Woolley, Washington, educavam seus seis filhos em casa quando adotaram uma menina e um menino da Etiópia, de 7 e 11 anos, em 2008. Os dois eram vistos por seus novos pais como rebeldes, de acordo com amigos.
Tarde da noite, em maio desse ano, a menina adotada, Hana, foi encontrada de bruços, nua e anormalmente magra no quintal da casa. Sua morte foi causada por hipotermia e desnutrição, determinaram as autoridades.
Estoques do livro de Michael Pearl e de sua mulher, Debi, To Train Up A Child
Segundo o relatório do xerife, os pais a tinham privado de comida por muitos dias seguidos e a faziam dormir em um celeiro frio ou em um chuveiro externo com uma mangueira. Muitas vezes, eles a chicotearam, deixando marcas nas suas pernas. A mãe havia elogiado o livro de Pearl e dado uma cópia para uma amiga, segundo o relatório do xerife.
Hana havia sido espancada no dia de sua morte, segundo o relatório, com o tubo de plástico flexível que é recomendado por Michael Pearl. "É um bom instrumento para algumas palmadas", disse ele na entrevista, "é leve demais para causar danos ao músculo ou ao osso".
Algumas das táticas do casal Williams também pareciam envolver conselhos de Pearl levados a extremos. Os Pearls dizem que "um pouco de jejum é uma boa formação", por exemplo, e sugerem molhar uma criança com uma mangueira caso ela esqueça de usar o banheiro corretamente. Os Williams se declararam inocentes e estão aguardando julgamento.
O promotor do Condado de Skagit disse que não iria acusar os Pearls de envolvimento no crime e que o caso de homicídio não dependia das leituras dos Williams ou de sua religião.
Mas o doutor Frances Chalmers, um pediatra que examinou o corpo de Hana para o Departamento de Serviços Sociais do Estado de Washington, disse sobre os métodos de Pearl: "Meu medo é que esse livro, embora talvez bem intencionado, possa facilmente ser mal interpretado e levar ao que eu considero um abuso físico e psicológico."
O mesmo tipo de tubo foi usado para bater na menina Lydia Schatz, de 7 anos de idade, adotada aos 4 anos da Libéria, que morreu em Paradise, na Califórnia, em 2010. Seus pais, Kevin e Elizabeth Schatz, tinham o livro de Pearl, mas ignoraram seu conselho contra a amarração prolongada ou machucados. Eles chicotearam Lydia por horas, com pausas para oração. Ela morreu de danos graves aos tecidos e sua irmã mais velha teve que ser hospitalizada, disseram as autoridades.
O Schatzes, que ensinavam seus nove filhos em casa, três dos quais adotados, estão ambos servindo longas penas de prisão depois que o pai se declarou culpado de assassinato em segundo grau e de tortura, e a mãe de homicídio voluntário e de castigos corporais. O promotor do Condado de Butte Mike Ramsey criticou publicamente o livro de Pearl como uma influência perigosa.
Os ensinamentos de Pearl também apareceram no julgamento de Lynn Paddock do Condado de Johnson, Carolina do Norte, que foi condenada por assassinato em primeiro grau de Paddock Sean, de 4 anos de idade, em 2006. Os Paddocks adotaram seis crianças americanas, algumas com problemas emocionais, e descobriram o site de Pearl na internet, disse Lynn Paddock.
Sean sufocou depois de ser enrolado em um cobertor. Seus irmãos testemunharam que eram espancados diariamente com o mesmo tubo flexível.
Alguns pais conservadores cristãos rejeitam os ensinamentos de Pearl e começaram uma petição pedindo que lojas como a Amazon não estoquem seus livros.
Crystal Lutton, repsonsável pelo Grace-Based Discipline, um dos vários blogs cristãos que se opõem à punição corporal, disse que o perigo com os métodos de Pearl é que, "se você não obtiver resultados, a única coisa a fazer é punir mais duramente".
Os pais que frequentam a igreja de Michael Pearl disseram que seguem a abordagem do casal e estão intrigados com a controvérsia. Os filhos dos Pearls também dizem que os ataques a seus pais estão equivocados. "Eu tive uma infância maravilhosa", disse sua filha Shoshanna Easling, 28, que está criando seus dois filhos da mesma maneira.
"Meus pais nunca falaram comigo com raiva e eu só consigo me lembrar de tomar uns tapas algumas vezes." Michael Pearl disse que Shoshanna apanhou provavelmente 50 vezes quando pequena, mas que isso logo se tornou desnecessário.
Por meio da venda de livro e vídeo, o Ministério da Grande Alegria dos Pearls gera US$ 1,7 milhão por ano, que eles dizem retornar para a causa.
Grande parte do seu conselho é padrão: os pais devem ser amorosos, passar muito tempo com seus filhos, ser claros e consistentes e nunca atacá-los por raiva. Mas, citando passagens bíblicas como: "Aquele que poupa a vara aborrece a seu filho", eles fornecem instruções para usar a "vara" em crianças desafiadoras para proporcionar sua "limpeza espiritual".
Eles ensinam os pais a utilizar tapas leves para ensinar as crianças a não se desenrolar de um cobertor. Conforme as crianças crescem, os pais são incentivados a responder ao desafio de bater forte o suficiente para arder, seja com um cinto, uma colher de pau ou um tubo flexível.
Michael Pearl descreve a criação dos filhos como um teste. Se um aviso verbal não funcionar, ele disse, "você tem as sementes da autodestruição."
As três mortes conhecidas envolvendo crianças adotadas preocupam Lisa Dia Veleff, de Portland, Maine, uma mãe adotiva de duas crianças da Etiópia. "Essas crianças foram arrancadas de seu país de origem, de sua família, cultura e língua", observou. "A última coisa que elas precisam é apanhar de seus novos pais."
Michael Pearl disse que se opõe à adoção de crianças mais velhas. Mas sobre a questão central, ele e sua esposa não vacilam. "Abandonar o uso da vara seria para desistir de nosso pontos de vista da natureza humana, de Deus e da eternidade", escreveram.
Fonte: The New York Times | 13/11/2011 08:02 - Erik Eckholm
Enviado pela professora Dra. Silvia Rosa da Silva Zanolla do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás em 13 de novembro de 2011.
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