29 de jul. de 2012

Latinoamérica de Calle 13

Estimado leitor do blog, nesse domingo deixo com você a força e a beleza da canção da “Latinoamerica” de Calle 13 com a participação de Maria Rita.

 

“Tú no puedes comprar al viento
Tú no puedes comprar al sol
Tú no puedes comprar la lluvia…

 

Vamos caminando
Aquí se respira lucha
Vamos caminando
Yo canto porque se escucha
Vamos caminando
Aquí estamos de pie
Que viva la américa!
No puedes comprar mi vida…”

 

 

Enviado por Walderes Brito, mestre e doutorando pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Goiás, em 27 de julho de 2012.

Créditos do vídeo:
Calle 13 - Latinoamérica
Directores Jorge Carmona y Milovan Radovic
Productor Alejandro Noriega
Patria Producciones

26 de jul. de 2012

Solidariedade à primeira turma de formandos de direitos de filhos e filhas de assentados da reforma agrária e da agricultura familiar

 

Estimado leitor essa postagem visa divulgar a Carta de Solidariedade em favor da primeira turma de direito formada por filhos e filhas de assentados da reforma agrária e da agricultura familiar, que hoje correm o risco de não poder colar grau, em razão de uma absurda ação do MPF/GO que pede a extinção da Turma.

CARTA DE SOLIDARIEDADE

Excelentíssimos Senhores Desembargadores
Carlos Eduardo Moreira Alves
José Amilcar de Queiroz Machado
Jirair Aram Meguirian
Marcelo Dolzany da Costa

Julgadores do recurso de apelação nº 0013916-34.2008.4.01.3500 .


Reportamos ao recurso de Apelação em epígrafe, apresentado pela Universidade Federal de Goiás – UFG e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, que busca garantir o acesso à educação de nível superior, graduação em Direito, a filhos e filhas de assentados da reforma agrária e da agricultura familiar.

O direito à educação, reflexo constitucional do direito à dignidade da pessoa humana, não pode ser ultrajado como quer, infelizmente, o representante do Ministério Público Federal.

A ação proposta pelo MPF/GO afronta o Estado de Direito Democrático e deixou a todos estarrecidos, pois, em um País com uma dívida histórica de educação no campo, são benfazejas políticas públicas que visem amenizar injustiças sociais. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, instituído pelo Decreto de nº 7.352/2010, é política pública permanente que integra o programa de educação do campo do Ministério da Educação.

A experiência de criação da Turma Evandro Lins e Silva, na Universidade Federal de Goiás, é o exemplo de uma política pública bem articulada. Todos os 55 estudantes tiveram que se submeter ao vestibular, passaram por todas as etapas de formação que exige um curso de direito e, como resultado positivo do projeto, todos conseguiram se tornar bacharéis e muitos, inclusive, já foram aprovados no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 186, rechaçou veementemente a tese de que as políticas de cotas ferem a Constituição da República, ao negar pedido semelhante ao do processo que ora nos motiva a escrever para Vossa Excelência.

Assim, contando com a sensibilidade e serenidade de V. Exa., abaixo assinamos a presente Carta de Solidariedade, na esperança de um julgamento justo, que venha reafirmar e garantir o direito dos já bacharéis em direito da Turma de Direito Evandro Lins e Silva, filhos e filhas de trabalhadores rurais brasileiros, formados pela Universidade Federal de Goiás.

Enviado pela professora doutora Walderês Nunes Loureiro em 26 de julho de 2012.

24 de jul. de 2012

Manual de Ação: Erradicação dos Castigos Físicos e Humilhantes


Barriga coração

Pesquisadores, militantes dos direitos humanos de crianças e adolescentes, pais, professores e demais interessados acessem o texto completo do Manual de Ação: Erradicação dos Castigos Físicos e Humilhantes AQUI.

22 de jul. de 2012

José Boldt - Fotografia

 

Nesse domingo posto para você leitor a beleza escrita em preto e branco pelo fotógrafo José Boldt e versos de Cartola construídos a partir do encanto das  águas e seus reflexos de luz.

 

"O que eu gostava
verdadeiramente era de escrever,
mas não tenho esse dom,
então procuro escrever com luz"
José Boldt

 

olhos

 

Fotos Reflexo em poça d'agua 1

 

Fotod Reflexo em poça d'agua 2

 

A DEUSA DE MINHA RUA

"Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz

Na rua uma poça d'água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu
Para o chão
Tal qual o chão de minha vida
A minh'alma comovida
O meu pobre coração"

Cartola

A Deusa da Minha Rua - Geraldo Maia e Yamandu Costa

 

Foto Feira da Ladra

 

 

Foto Fardo

 

Fotod Abril_

Veja mais fotos de José Boldt nos links abaixo:

ESCREVER COM LUZ

O SÉCULO PRODIGIOSO

19 de jul. de 2012

Teatro do Oprimido comemora o dia da Mulher Negra

 

CARTAZ - Maes negras

 

 

 

 

Queridos Amig@s!!!

É com muita alegria que convido a todas para a estréia do espetáculo "Mães Negras Teatro das Oprimidas", fruto de um trabalho intenso e profundo.

Nossa estréia será no dia 24 de Julho no Teatro Goiânia Ouro, mas temos uma agenda extensa de apresentações até o dia 21 de Setembro, assim quem não puder no dia 24 poderá conferir em outra data.

 

 

24 de Julho (Em Homenagem ao Dia da Mulher Negra)

20h – Teatro Goiânia Ouro

Endereço: Rua 03, esquina com Rua 09, nº 1.016, Galeria Ouro, Centro.

Entrada Franca

Espero vê-los!! Grande abraço!

 

O espetáculo

O teatro das oprimidas é uma celebração do encontro.

A técnica é atualmente celebrada por mulheres do mundo inteiro: mulheres da Índia, de Moçambique, da Guiné-Bissau, mulheres do Brasil, da Argentina, da Alemanha, da Áustria. Todas unidas em uma pesquisa estética do corpo feminino e seu lugar no mundo. Afinal qual é o lugar da mulher no terceiro milênio? Quais são as armadilhas que seguem aprisionando-as em cotidianos opressivos?

Em nosso caso, celebramos o encontro entre costureiras, cozinheiras, jardineiras, donas de casa e babás. Celebramos o encontro com a cor negra, com a ancestralidade africana, com a capoeira, com o afoxé, com nossos sonhos de uma vida melhor, de uma infância mais tranquila, de um trabalho mais digno e valorizado, e porque não com o sonho de um casamento em que os parceiros se respeitem mutuamente e nada mais se resolva a partir de agressões?

No Teatro-Fórum “Mães Negras”, o corpo de Mariana é o espelho das muitas mulheres que se encontram ameaçadas e às quais a única opção é fugir. Elas fogem com um filho pendurado nos braços e um horizonte de incertezas diante de si. Mariana convida o público a discutir sua história, a sentir suas dores, a celebrar suas ancestrais e, sobretudo, a propor outras soluções para seus problemas, soluções que ela ainda não pôde experimentar, mas que você, que está na plateia pode nos mostrar como seria.

Somos todos espect-atores!

Mais informações AQUI

Enviado por Carolina Santos em 18 de julho de 2012.

18 de jul. de 2012

Ser firme sem agressão - Carla Regina Calderoni

 

Para os novos leitores do blog EDUCAR SEM VIOLÊNCIA, posto novamente na página principal o esclarecedor artigo de Carla Regina Calderoni, psicóloga, mestre em Psicologia Clínica, membro da Sociedade de Psicodrama de São Paulo. Informo ainda que outros artigos de especialistas de diferentes áreas do conhecimento podem ser acessados no link PL7672/2010, nas sessões MARCOS LEGAIS e OPINIÕES DE ESPECIALISTAS.

 


 

 

 

 

Uma das características do ser humano é necessitar de cuidados de outro ser humano para sobreviver em seus primeiros anos de vida. Precisamos de outro ser humano maior que nós, para que possamos sobreviver. Esse “maior que nós” permeia nossas relações por um tempo: da infância à adolescência. Na relação entre adulto e criança/adolescente, o adulto não somente é maior em tamanho físico, mas está superior, pois é ele quem está no comando.

Existem coisas que somente os adultos podem e sabem fazer. Durante um bom tempo de nossa vida infantil, é o adulto quem decide nosso destino, seja este a mãe, o pai, um irmão mais velho, um tio, a Justiça, etc. Logo, o adulto tem o poder, no sentido próprio do verbo: ele pode, o adulto pode, e esse poder é essencial para a sobrevivência do ser humano infantil. O adolescente, embora “sobreviva” sem o adulto, ainda necessita de seus cuidados até tornar-se um adulto também e guiar sua própria vida.

O adulto, além de ser aquele que toma decisões para a criança e o adolescente, é, ao mesmo tempo, aquele que lhe apresenta o mundo e suas regras sociais. Quando o adulto, em sua intenção de educar a criança/adolescente, utiliza de agressão física, por mais “inofensiva” que esta seja, está mostrando que “bater” faz parte da educação e que a criança não tem escolha, a não ser aceitar o que está sendo imposto a ela.

O que são palmadas? O que são beliscões? São tipos de agressão física. São modos de chegar ao corpo do outro de maneira intrusa. O movimento das palmadas é o de empurrar e bater repetidas vezes num corpo. Os beliscões são torções de algum corpo. Então, estamos falando de empurrar, bater repetidas vezes e torcer corpos. Mesmo que a palmada e o beliscão sejam “fracos” são esses movimentos em corpos pequenos. Pequenos não somente fisicamente, pois existem crianças e adolescentes grandes em tamanho físico, mas pequenos em possibilidades de se defender, pois a relação de poder entre esses corpos, o do adulto e o da criança/adolescente, é o que está em jogo nesse momento. E isso vale para as agressões verbais também.

Agressões verbais podem ser tão ou mais devastadoras que asagressões físicas. Mas que isso não justifique a deliberação das agressões físicas “fracas”. O contrário é igualmente lembrado: havendo proibição de “palmadas e beliscões” que não hajam “palmadas e beliscões verbais”, pois eles também machucam.

De que estamos falando? Estamos falando de relação de poder na educação. O adulto, enquanto a criança ou o adolescente está sob sua tutela, tem mais poder. Somente esse fato já seria o suficiente para que o adulto perceba que o ato agressivo, seja ele físico ou verbal, é uma covardia.


Mas o adulto, por outro lado, pode sentir-se perdido em meio à educação de seu filho, pois, afinal, precisa colocar limites na sua criança. Para o desenvolvimento sadio da criança e do adolescente é importante que haja limite sim, pois limite também é amor, é abrigo. Limite é demarcação de lugares e oferece referências para a criança e o adolescente. Através dos limites é que pode se conhecer também possibilidades e criar parâmetros para o que é bom e ruim. A falta de limites pode trazer consigo a sensação de desabrigo, de abandono.

No entanto, é possível que haja limites sem agressão física nem verbal, mas com firmeza. O que é ser firme? É conseguir estabelecer limites estando seguro daquilo que está fazendo, sem utilizar da agressão. Conversar com a criança e o adolescente, explicando os motivos das censuras, proibições, ou broncas, é um modo de educar, sendo firme. A firmeza traz a segurança que a criança e o adolescente necessitam para desenvolverem-se saudavelmente.
Quando o adulto é firme e não agressivo, ele está educando, colocando limites sem covardia.


Carla Regina Calderoni é psicóloga, mestre em Psicologia Clínica, membro da Sociedade de Psicodrama de São Paulo.

Fonte: Correio Popular online, 04/08/2010

15 de jul. de 2012

ANTIGUIDADES - Cora Coralina

 

No poemaANTIGUIDADESCora Coralina delata com ácida transparência a indelicadeza da vida privada, o  mal trato com os de dentro de casa, em especial com as crianças. Aos de fora, às visitas toda a elegância e bom trato são destinados, mas aos de casa, os de dentro bem... vejam o poema.

 

Bolo grosso

Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um testo de borralho em cima.

Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)

Eu era menina em crescimento.
Gulosa,
abria os olhos para aquele bolo
que me parecia tão bom
e tão gostoso.


A gente mandona lá de casa
cortava aquele bolo
com importância.
Com atenção. Seriamente.
Eu presente.
Com vontade de comer o bolo todo.

Era só olhos e boca e desejo
daquele bolo inteiro.
Minha irmã mais velha
governava. Regrava.
Me dava uma fatia,
tão fina, tão delgada...
E fatias iguais às outras manas.
E que ninguém pedisse mais !
E o bolo inteiro,
quase intangível,
se guardava bem guardado,
com cuidado,
num armário, alto, fechado,
impossível.

Era aquilo, uma coisa de respeito.
Não pra ser comido
assim, sem mais nem menos.
Destinava-se às visitas da noite,
certas ou imprevistas.
Detestadas da meninada.
Criança, no meu tempo de criança,
não valia mesmo nada.
A gente grande da casa
usava e abusava
de pretensos direitos
de educação.

Por dá-cá-aquela-palha,
ralhos e beliscão.
Palmatória e chineladas
não faltavam.
Quando não,
sentada no canto de castigo
fazendo trancinhas,
amarrando abrolhos.
"Tomando propósito".
Expressão muito corrente e pedagógica.

Aquela gente antiga,
passadiça, era assim:
severa, ralhadeira.

Não poupava as crianças.
Mas, as visitas...
- Valha-me Deus !...
As visitas...
Como eram queridas,
recebidas, estimadas,
conceituadas, agradadas !

Era gente superenjoada.
Solene, empertigada.
De velhas conversas
que davam sono.
Antiguidades...

Até os nomes, que não se percam:
D. Aninha com Seu Quinquim.
D. Milécia, sempre às voltas
com receitas de bolo, assuntos
de licores e pudins.
D. Benedita com sua filha Lili.
D. Benedita - alta, magrinha.
Lili - baixota, gordinha.
Puxava de uma perna e fazia crochê.
E, diziam dela línguas viperinas:
"- Lili é a bengala de D. Benedita".
Mestre Quina, D. Luisalves,
Saninha de Bili, Sá Mônica.
Gente do Cônego, Padre Pio.

D. Joaquina Amâncio...
Dessa então me lembro bem.
Era amiga do peito de minha bisavó.
Aparecia em nossa casa
quando o relógio dos frades
tinha já marcado 9 horas
e a corneta do quartel, tocado silêncio.
E só se ia quando o galo cantava.

O pessoal da casa,
como era de bom-tom,
se revezava fazendo sala.
Rendidos de sono, davam o fora.
No fim, só ficava mesmo, firme,
minha bisavó.

D. Joaquina era uma velha
grossa, rombuda, aparatosa.
Esquisita.
Demorona.
Cega de um olho.
Gostava de flores e de vestido novo.
Tinha seu dinheiro de contado.
Grossas contas de ouro
no pescoço.

Anéis pelos dedos.
Bichas nas orelhas.
Pitava na palha.
Cheirava rapé.
E era de Paracatu.
O sobrinho que a acompanhava,
enquanto a tia conversava
contando "causos" infindáveis,
dormia estirado
no banco da varanda.
Eu fazia força de ficar acordada
esperando a descida certa
do bolo
encerrado no armário alto.
E quando este aparecia,
vencida pelo sono já dormia.
E sonhava com o imenso armário
cheio de grandes bolos
ao meu alcance.

De manhã cedo
quando acordava,
estremunhada,
com a boca amarga,
- ai de mim -
via com tristeza,
sobre a mesa:
xícaras sujas de café,
pontas queimadas de cigarro.
O prato vazio, onde esteve o bolo,
e um cheiro enjoado de rapé.


cora-coralina-gesto

 

 

Cora Coralina nasceu em 20 de agosto de 1889, na casa que pertencia à sua família há cerca de um século, e que se tornaria o museu que hoje reconta sua história. Filha do Desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e Jacita Luiza do Couto Brandão, Cora, ou Ana Lins dos Guimarães Peixoto (seu nome de batismo), cursou apenas as primeiras letras com mestra Silvina e já aos 14 anos escreveu seus primeiros contos e poemas. "Tragédia na Roça" foi seu primeiro conto publicado.
Em 1910 casou-se com o advogado Cantídio Tolentino Bretas e foi morar em Jabuticabal, interior de São Paulo, onde nasceram e foram criados seus seis filhos. Só voltou a viver em Goiás em 1956, mais de vinte anos depois de ficar viúva e já produzindo sua obra definitiva. O reencontro de Cora com a cidade e as histórias de sua formação alavancou seu espírito criativo.


Cora Coralina faleceu em Goiânia, a 10 de abril de 1985. Logo após sua morte, seus amigos e parentes uniram-se para criar a Casa de Coralina, que mantém um museu com objetos da escritora.

13 de jul. de 2012

Os 22 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

22 de ECA

Tornar esses direitos efetivos é uma tarefa não apenas do Estado, mas da sociedade

Hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 22 anos. A data é uma oportunidade para a sociedade refletir sobre esse importante instrumento que pôs o Brasil na vanguarda do movimento mundial em defesa dessa faixa etária, sendo o primeiro país da América Latina a adequar a legislação aos princípios da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

O documento expressa que é dever do Estado, da família e da sociedade garantir o direito de crianças e adolescentes à liberdade, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e à proteção do trabalho. Refere-se, igualmente, à proteção contra qualquer forma de exploração, discriminação, violência e opressão.

Tornar esses direitos efetivos é uma tarefa não apenas do Estado, mas também da família e da sociedade. Do Estado, pela criação de instrumentos institucionais e de políticas públicas para assegurar a rede protetora necessária ao desenvolvimento desse segmento. Aí se inscrevem os conselhos tutelares que, atualmente, segundo o Governo Federal, estão estabelecidos em quase todos os municípios. Só que são ainda reconhecidamente desprovidos dos recursos materiais e humanos para cumprir sua tarefa devidamente. O status legal do conselheiro é de tal ordem que um ato seu só pode ser desfeito por um juiz. Por isso mesmo, é preciso cuidar mais da capacitação desses quadros e aperfeiçoar sua legitimação, além de assegurar-lhes direitos sociais que dignifiquem ainda mais seu exercício.

Outro papel importante é desempenhado pela escola, que é um espaço privilegiado para trabalhar a prevenção dos comportamentos antissociais e que tem nos professores elementos importantes para detectar sinais de violência contra as crianças e os adolescentes, ou problemas de saúde, cabendo-lhes a obrigação de notificá-los (o mesmo se diga dos profissionais de saúde).

Mas, sobretudo, a criança deve ser protegida em seu próprio lar, onde às vezes se abrigam ocultamente seus maiores agressores. Enfim, cabe à sociedade estar atenta para proteger esses pequenos seres, os mais vulneráveis da sociedade.

Fonte: Jornal de Hoje em 13 de julho de 2012.

11 de jul. de 2012

A Carta das Crianças para a Terra

 

Em 22 de junho, num evento no Forte de Copacabana, as crianças entregaram a “Carta das Crianças para a Terra” para a ministra de Meio Ambiente, Izabella Teixeira, onde apresentaram suas preocupações e propostas para um desenvolvimento sustentável. Dentre outros itens, a questão da violência aparece com uma preocupação das crianças:

Nós crianças queremos ter voz. Voz para dialogar com a família. Voz para cobrar
nossos direitos do poder público.


Muitas crianças sofrem com a violência e com o trabalho infantil. Quando a criança
trabalha não tem tempo para brincar.


Nós crianças queremos ouvir também. Assumir nossos deveres em casa, na escola e em todo o lugar.


Ter respeito e cuidado com o meio ambiente em que vivemos e com as pessoas com quem convivemos.

Nós queremos uma vida sem violência, mas ela começa em casa, na família. Nós seguimos o exemplo dos adultos e do que assistimos nos meios de comunicação. Quando aprendemos a violência, nós praticamos fora de casa também, como bullying.

Acessem a integra da “Carta das Crianças para a Terra” AQUI

Fonte: Boletim da Rede Não Bata Eduque, edição de abril a junho de 2012.

9 de jul. de 2012

Boletim da Rede Não Bata, Eduque - abril a junho de 2012.

Car@s Amig@s,

Estamos divulgando o boletim das ações da Rede Não Bata, Eduque nos meses de abril a junho de 2012.

Vejam AQUI

Marcia Oliveira 1 VII Gente Crescente

 

 

 

Abraços,
Marcia Oliveira
Rede Não Bata, Eduque

www.naobataeduque.org.br

6 de jul. de 2012

“NOTA - De como acabou, em Goiás, o castigo dos cacos quebrados no pescoço – Cora Coralina

 

azul-pombinho

Foi com a morte da menina Jesuína. Era minha bisavó quem contava. Eu era pequena, ouvia e chorava. Me parecia eu mesma, a pequena da história.

Havia na cidade, contemporânea de minha bisavó, uma tal de dona Jesuína, senhora apatacada, dona de Teres-Haveres. Sempre encontrada nos velórios, muito solidária com a morte e com os vivos, ali permanecia invariavelmente até que os galos amiudassem. Tinha seus escravos de serviço e de aluguel, entre estes a escrava de dentro, de nome Prudência. Está no completo. Nas medidas exigentes do tempo. Sem preço. Deu a sua sinhá vários crioulos de valor que mais enricaram a velha dona. No fim veio aquela que tomaria o nome de Rola, afilhada e alforriada na Pia, o que era legal e usado no tempo. Rola teve casamento de capela fechada dizendo sua condição de moça-virgem.

Não tardou muito por essas e tais razões e sofismas, a se representar hética. Diziam: gálico do marido. Certo que depois de várias vomitações de sangue (hemoptises) que a levaram, deixou no mundo uma menina que a madrinha batizou também com seu próprio nome-jesuína. A pequena, um fiapo de gente, veio para os braços da avó, trazida pela sinhá madrinha. Filha de mãe hética, débil, franzina, foi espigando devagarinho, imperceptivelmente, mamando no seio fecundo da negra avó que fez renascer o seu veio de leite por amor à neta. Certo, ia vivendo e crescendo dentro das regras do tempo velho. Nem escrava, nem forra. Meio a meio em boa disciplina.

Não era má, dona Jesuína, antes de boa justiça, madurona, severa, experiente.
Jesuína encostou-se afinal nos dez anos. Magrinha, grande olhos de espanto para a vida. Medrosa, obediente, agarrada a sua regalia uma boneca de pano que a madrinha teve a bondade de consentir.

Em qualquer pequena falta, a ameaça: "olha que eu tomo a boneca..." A menina apertava a bruxa no peito magro e se espiritava.

Tinha algumas obrigações. Varria a casa, apanhava o cisco. Lavava umas tantas peças de louça e aprendia a ler. Tinha, nas vagas, sua carta de a-bê-cê, sentadinha no canto, tomando propósito.

Dormia numa esteirinha nos pés da grande marquesa de sobrecéu armado, da madrinha. Velhos pedaços de forro eram a coberta.
A obrigação: de pela manhã descer os tampos da janela, apagar a lamparina de azeite, chegar as chinelas nos pés reumáticos da madrinha, apresentar o urinol para os alívios da velha. Regra certa, imutável, consolidada, sem variação. Um chamado - Jesuína, a menina de pé, pedindo a bênção, praticando a obediência.
Aconteceu que um dia a tampa da terrina escapuliu das mãos da menina e escacou. Foi um escarcéu. Dona Jesuína estremeceu em severidades visíveis, e se conteve: "que não fizesse outra..."

Teria contudo de ser castigada, exemplada: um colar de cacos quebrados no pescoço e a bruxa consumida. Proibido chorar. Assim era e assim foi. Coisas do tempo velho. A cacaria serrilhada, amarrada a espaço num cordão encerado, ficava como humilhante castigo exemplar, de que todos se riam até que num longíncuo dia santo alguém se lembrasse de punir por aquela retirada.

No caso da menina continuava. Dormia e acordava com seu colar de pedaços desiguais e serilhados de jeito a permanência. Tinha nas casas gente afeita a essas artes, elaboravam com simetria e gosto maldoso. Naqueles tempos refastados, qualquer castigo agradava e eram agravados com motes e aprovação convincentes.

Aconteceu que, naquela noite, dona Jesuína foi acordada com uns resmungos, gemidos quase, vindos da esteirinha. Ralhou: "Aquieta muleca, deixa a gente durmi..."

Tudo aquietou e a noite continuou seu giro no espaço e no tempo. Na alcova, o círculo amarelo da velha lamparina de azeite. Os quadros de santos imóveis nas paredes. Depois novo resmungo, uns gemidinhos, coisa de menor.
De novo, a velha da sua alta marquesa: "vira de banda, menina, isso é pisadeira, não vai mijá na esteira..."

O silêncio se fez. A velha voltou ao sono, acordou nas horas. "Jesuína, Jesuína." Nada de resposta. Comentou: "pois é, enche o bucho, vem pisadeira, não deixa durmi, e de manhã ferra no sono".

A lamparina, sua luz escassa e amarelada em meia claridade. Dona Jesuína desceu as pernas, os pés deram um molhado visguento e frio. _ "Pois é, enche a barriga e ainda suja na esteira..."Jesuína”, gritou forte. No silêncio da alcova os santos veneráveis, frios, hieráticos. A velha abriu a janela num repelão.

Abaixou, sacudiu a menina. Recuou. A criança estava fria, endurecida e morta. A esteirinha encharcada. Durante a noite, no sono, uma aresta mais viva de um dos cacos serrilhados tinha cortado uma veiazinha do seu pescoço, e por ali tinha no correr da noite esvaído seu pouco sangue e ela estava enrodilhada, imobilizada para sempre.

A notícia correu. As amigas de dona Jesu vieram e deram pêsames, justificando: foi a mãe que veio buscar a filha.

Foi assim, com o sacrifício da menina Jesuína, desaparecendo em Goiás o castigo exemplar do colar de cacos quebrados no pescoço. Quando chegou a minha vez já era só um caco.

 

O_PRATO_AZUL__POMBINHO_1237469099P

 

No meu sono de criança, tinha a sensação de uma sombra debruçada em mim. Era minha bisavó ajeitando o caco, tirando para fora da coberta.
Não fosse acontecer com Aninha o que acontecera com a menina Jesuína, cria da dona Jesu.”

CONTO DA ESCRITORA E POETISA CORA CORALINA – do livro POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS

5 de jul. de 2012

Fascismo potencial - Marcia Tiburi

MarciaTiburi

 

 

 

 

MARCIA TIBURI

 

 

A filósofa Marcia Tiburi aborda em seu texto a personalidade autoritária que se revela no dia-a-dia

Theodor Adorno publicou em 1950 um estudo psicossociológico com a intenção de abordar o que surgia naquela época como um novo tipo subjetivo. Hoje estamos acostumados com ele. A característica fundamental do que se chamou de “personalidade autoritária” era a combinação contraditória, num mesmo indivíduo, entre uma postura racional e idiossincrasias irracionais.

Na visão de Adorno, a pessoa marcada por esta personalidade seria um tipo individualista e independente enquanto teria, ao mesmo tempo, uma propensão fortíssima a se submeter à autoridade.

Naquele estudo, o objetivo era entender o que se chamou de tipo discriminatório. Queriam desvendar os motivos do avanço do ódio ao outro em escala social que teria levado ao nazismo alemão. Preocupavam-se com a mesma tendência nos EUA onde estavam exilados. O que chamaram de “fascismo potencial” seria uma característica de indivíduos que teriam se mimetizado às tendências antidemocráticas da sociedade.

Nessa formulação, o mais problemático seria entender o caráter antidemocrático comum em indivíduos cultos porque se conceberia a priori que a educação leva a uma compreensão não apenas racional, mas também “razoável” das condições sociais.

De onde viria a necessidade de submissão a um algoz, a um carrasco, a um líder paranóico, a uma tendência autoritária por parte de quem poderia entender estes mecanismos?

Essa questão, colocada durante os anos da Segunda Guerra Mundial e que explicou o contentamento de grande parte da população brasileira na época da ditadura militar, ainda é a nossa. Poderíamos explicar o ódio ao outro na forma do racismo, da homofobia, do machismo, do ódio ao “comunista”, pelo argumento da ignorância.

Mas não existe uma ligação direta entre o conhecimento como mera posse de informações eruditas e o senso ético. Vemos intelectuais fascistas agindo em diversos países mascarando pela pompa aristocrática do “conservadorismo”, o que muitas vezes não passa de ódio ao outro.

Poderíamos usar o estudo de Adorno para medir o nosso potencial fascista, ou seja, a nossa chance de submetermo-nos à força de uma tendência política ou moral preponderante apenas porque surge com mais força do que outras. Para entender por que tantos defendem aquilo que os oprime enquanto ao mesmo tempo são opressores. Para entender vítima que elogia o sistema, que odeia quem, parecendo mais vítima do que ela, denuncia a inverdade na qual ele se sustenta.

Ódio barato

Há um ódio barato vigente em nossa cultura. E ele é programado quando se dirige aos pobres, aos tachados de loucos, às prostitutas, aos travestis, aos grupos de adolescentes que se vestem de modo inusitado ou pertencem a uma tribo que não a das roupas de marcas sempre aceitas. Ódio barato porque é fácil de sentir e dirige-se a quem é marcado como descartável pelo sistema econômico.

Ele se refere à todos aqueles que não se encaixam no econômico sistema mental de explicações pré-estabelecidas ao qual o fascista serve. Daí que ele se realize com explicações econômicas e defenda-se com um lema bem barato, um primor do senso comum: as coisas são como são e não podem ser diferentes.

Por meio de um último exemplo relativo às ruas das grandes cidades, não será difícil entender como pessoas “de bem”, corretas pagadoras de impostos e obedientes às leis possam ser portadoras desse ódio barato. Ele aparece no mau-humor geral contra motociclistas que trabalham entregando documentos e pizzas nas cidades grandes. Quem critica este tipo de trabalhador em geral se serve dele.

Não é diferente o ódio crescente aos ciclistas por parte de uma população de “bons cidadãos” que olham o mundo no limite das carcaças de seus carros. Ao ocuparem a rua com outra alternativa do que a prescrita pela indústria da cultura automobilística, os motociclistas e ciclistas denunciam a burrice do sistema.

O fascista, que só conhece a si mesmo enquanto se confunde com o sistema, sente-se ferido narcisicamente pela imaginação dos outros que lhes denuncia a falsidade. Neste ponto, o fascista, descobrindo-se subjetivamente morto, avança em seu ódio e pode nos atropelar.

Fonte: Revista Cult, abril de 2012.

2 de jul. de 2012

70% dos brasileiros sofreram punição física na infância

 

Pesquisa examina o quanto a exposição à violência afeta as atitudes

Criança e punição

 

Uma pesquisa realizada em 11 capitais brasileiras revelou também que mais de 20% dos 4.025 entrevistados apanharam quando crianças de forma regular

Uma pesquisa realizada em 11 capitais brasileiras revelou que mais de 70% dos 4.025 entrevistados apanharam quando crianças. Para 20% deles, a punição física ocorreu de forma regular – uma vez por semana ou mais.Castigos com vara, cinto, pedaço de pau e outros objetos capazes de provocar danos graves foram mais frequentes do que a palmada, principalmente entre aqueles que disseram apanhar quase todos os dias.

O levantamento foi feito em 2010 e divulgado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.

O objetivo da pesquisa, segundo Nancy Cardia, vice-coordenadora do NEV, foi examinar como a exposição à violência afeta as atitudes, normas e valores dos cidadãos em relação à violência, aos direitos humanos e às instituições encarregadas de garantir a segurança.

“A pergunta sobre a punição corporal na infância se mostrou absolutamente vital para a pesquisa. Ao cruzar esses resultados com diversas outras questões, podemos notar que as vítimas de violência grave na infância estão mais sujeitas a serem vítimas de violência ao longo de toda a vida”, disse Cardia.

A explicação mais provável para o fenômeno é que as vítimas de punição corporal abusiva na infância têm maior probabilidade de adotar a violência como linguagem ao lidar com situações do cotidiano.

“A criança entende que a violência é uma opção legítima e vai usá-la quando tiver um conflito com colegas da escola, por exemplo. Mas, ao agredir, ele também pode sofrer agressão e se tornar vítima. E isso cresce de forma exponencial ao longo da vida”, disse Cardia.

Os entrevistados que relataram ter apanhado muito quando criança foram os que mais escolheram a opção “bater muito” em seus filhos caso esses apresentassem mau comportamento. Também foram os que mais esperariam que os filhos respondessem com violência caso fossem vítimas de agressão física na escola. Segundo os pesquisadores, os dados sugerem um ciclo perverso de uso de força física que precisa ser combatido.

Os resultados foram comparados com levantamento semelhante de 1999, realizado pelo NEV nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Porto Velho e Goiânia. No levantamento de 2010, a capital Fortaleza também foi incluída.

Embora o percentual dos que afirmam ter sofrido punição física regular tenha diminuído na última década – passando de um em cada quatro entrevistados para um em cada cinco –, ainda é considerado alto.

A pesquisa mostrou também que a percepção da população sobre crescimento da violência diminuiu, passando de 93,4% em 1999 para 72,8% em 2010. No último levantamento, porém, foi maior a quantidade de entrevistados que disse ter presenciado em seus bairros uso de drogas, prisão, assalto e agressão.

De modo geral, houve uma melhora na avaliação das instituições de segurança. O Exército apresentou um aumento expressivo de 55,2% em 1999 para 66,6% em 2010. A aprovação da Polícia Federal saltou de 42% para 60%. O índice de aceitação da Polícia Militar, a mais mal avaliada, passou de 21,2% para 38%.

Penas e prisões

Um achado considerado preocupante pelos pesquisadores foi o crescimento da tolerância ao uso de violência policial contra suspeitos em determinados casos. O número de pessoas que discorda claramente da tortura para obtenção de provas caiu de 71,2% para 52,5%, o que significa que quase a metade dos entrevistados (47%) toleraria a violência nessa situação.


Também caiu o percentual dos que discordam totalmente que a polícia possa “invadir uma casa” (de 78,4% para 63,8%), “atirar em um suspeito” (de 87,9% para 68,6%), “agredir um suspeito” (de 88,7%, para 67,9%) e “atirar em suspeito armado” (de 45,4% para 38%).

Quando questionados sobre qual seria a punição mais adequada para delitos considerados graves – entre eles sequestro, estupro, homicídio praticado por jovem, terrorismo, tráfico de drogas, marido que mata mulher e corrupção por político –, muitos entrevistados defenderam penas que não fazem parte do Código Penal brasileiro, como prisão perpétua, pena de morte e prisão com trabalhos forçados.
A pena de morte foi mais aceita em casos de estupro (39,5%) e a prisão com trabalhos forçados foi mais defendida para políticos corruptos (28,3%).

“Já esperávamos que a população apoiasse penas mais duras por causa da frustração que existe em relação à impunidade. O conjunto das respostas indica que as pessoas consideram as prisões como um depósito”, avaliou Cardia.

Para a maioria dos entrevistados, a prisão é percebida como pouco ou nada eficiente tanto para punir (60,7%) e reabilitar (65,7%) criminosos como para dissuadir (60,9%) e controlar (63%) possíveis infratores. Essa questão foi avaliada apenas na pesquisa de 2010.

Outro aspecto da pesquisa considerado negativo por Cardia foi a baixa valorização de direitos democráticos como liberdade de expressão e de oposição política.

Mais de 42% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que é justificável que o governo censure a imprensa e 40% aceitam que pessoas sejam presas por posições políticas, com a finalidade de manter a ordem social. Para 40,4%, o país tem o direito de retirar a nacionalidade de alguém por questões de segurança nacional.

“Esperávamos que, 30 anos após o fim da ditadura, os valores da democracia tivessem 70% ou 80% de aprovação, mas isso não ocorreu. Além disso há focos muito pouco democráticos que sobrevivem, como o apoio à tortura. Há resquícios do pensamento de que degredo é legítimo e pode ser aplicado no século 21. É chocante”, disse Cardia.

Colaboração de Ionara Rabelo, doutora em psicologia e técnica da Coordenação de Prevenção à Violência e Promoção da Saúde - Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia

Fonte: O Correio do Povo - Publicado em 02 de julho de 2012

1 de jul. de 2012

O prato azul-pombinho - Cora Coralina

 

No poema “O prato azul-pombinho” Cora Coralina narra o cruel costume vilaboense de castigar as crianças que quebravam uma louça amarrando um caco da “bendita preciosa” em seus pescoços pequeninos.

Minha bisavó - que Deus a tenha em glória -
sempre contava e recontava
em sentidas recordações
de outros tempos
a estória de saudade
daquele prato azul-pombinho.

Era uma estória minuciosa.
Comprida, detalhada.
Sentimental.
Puxada em suspiros saudosistas
e ais presentes.
E terminava, invariavelmente,
depois do caso esmiuçado:
“- Nem gosto de lembrar disso...”
É que a estória se prendia
aos tempos idos em que vivia
minha bisavó
que fizera deles seu presente e seu futuro.

Voltando ao prato azul-pombinho
que conheci quando menina
e que deixou em mim
lembrança imperecível.
Era um prato sozinho,
último remanescente, sobrevivente,
sobra mesmo, de uma coleção,
de um aparelho antigo
de 92 peças.
Isto contava com emoção, minha bisavó,
que Deus haja.

Era um prato original,
muito grande, fora de tamanho,
um tanto oval.
Prato de centro, de antigas mesas senhoriais
de família numerosa.
De fastos de casamento e dias de batizado.

Pesado. Com duas asas por onde segurar.
Prato de bom-bocado e de mães-bentas.
De fios-de-ovos.
De receita dobrada
de grandes pudins,
recendendo a cravo,
nadando em calda.

Era, na verdade, um enlevo.
Tinha seus desenhos
em miniaturas delicadas.
Todo azul-forte,
em fundo claro
num meio-relevo.
Galhadas de árvores e flores,
estilizadas.
Um templo enfeitado de lanternas.
Figuras rotundas de entremez.
Uma ilha. Um quiosque rendilhado.
Um braço de mar.
Um pagode e um palácio chinês.
Uma ponte.
Um barco com sua coberta de seda.
Pombos sobrevoando.

Minha bisavó
traduzia com sentimento sem igual,
a lenda oriental
estampada no fundo daquele prato.
Eu era toda ouvidos.
Ouvia com os olhos, com o nariz, com a boca,
com todos os sentidos,
aquela estória da Princesinha Lui,
lá da China - muito longe de Goiás -
que tinha fugido do palácio, um dia,
com um plebeu do seu agrado
e se refugiado num quiosque muito lindo
com aquele a quem queria,
enquanto o velho mandarim - seu pai -
concertava, com outro mandarim de nobre casta,
detalhes complicados e cerimoniosos
do seu casamento com um príncipe todo-poderoso,
chamado Li.

Então, o velho mandarim,
que aparecia também no prato,
de rabicho e de quimono,
com gestos de espavento e cercado de aparato,
decretou que os criados do palácio
incendiassem o quiosque
onde se encontravam os fugitivos namorados.

E lá estavam no fundo do prato,
- oh, encanto da minha meninice! -
pintadinhos de azul,
uns atrás dos outros - atravessando a ponte,
com seus chapeuzinhos de bateia
e suas japoninhas largas,
cinco miniaturas de chinês.
Cada qual com sua tocha acesa
- na pintura -
para pôr fogo no quiosque
- da pintura.

Mas ao largo do mar alto
balouçava um barco altivo
com sua coberta de prata,
levando longe o casal fugitivo.

Havia, como já disse,
pombos esvoaçando.
E um deles levava, numa argolinha do pé,
mensagem da boa ama,
dando aviso a sua princesa e dama,
da vingança do velho mandarim.

Os namorados então,
na calada da noite,
passaram sorrateiros para o barco,
driblando o velho, como se diz hoje.
E era aquele barco que balouçava
no mar alto da velha China,
no fundo do prato.

Eu era curiosa para saber o final da estória.
Mas o resto, por muito que pedisse,
não contava minha bisavó.
Dali para a frente a estória era omissa.
Dizia ela - que o resto não estava no prato
nem constava do relato.
Do resto, ela não sabia.
E dava o ponto final recomendado.
“- Cuidado com esse prato!
É o último de 92.”

Devo dizer - esclarecendo,
esses 92 não foram do meu tempo.
Explicava minha bisavó
que os outros - quebrados, sumidos,
talvez roubados -
traziam outros recados, outras legendas,
prebendas de um tal Confúcio
e baladas de um vate
chamado Hipeng.

Do meu tempo só foi mesmo
aquele último
que, em raros dias de cerimônia
ou festas do Divino,
figurava na mesa em grande pompa,
carregado de doces secos, variados,
muito finos,
encimados por uma coroa
alvacenta e macia
de cocadas-de-fita.

Às vezes, ia de empréstimo
à casa da boa tia Nhorita.
E era certo no centro da mesa
de aniversário, com sua montanha
de empadas, bem tostadas.
No dia seguinte, voltava,
conduzido por um portador
que era sempre o Abdênago, preto de valor,
de alta e mútua confiança.

Voltava com muito-obrigados
e, melhor - cheinho
de doces e salgados.
Tornava a relíquia para o relicário
que no caso era um grande e velho armário,
alto e bem fechado.
- “Cuidado com o prato azul-pombinho” -
dizia minha bisavó,
cada vez que o punha de lado.

Um dia, por azar,
sem se saber, sem se esperar,
antes do salta-caminho,
partes do capeta,
fora de seu lugar, apareceu quebrado,
feito em pedaços - sim senhor -
o prato azul-pombinho.
Foi um espanto. Um torvelinho.
Exclamações. Histeria coletiva.
Um deus-nos-acuda. Um rebuliço.
Quem foi, quem não foi?...

O pessoal da casa se assanhava.
Cada qual jurava por si.
Achava seus bons álibis.
Punia pelos outros.
Se defendia com energia.
Minha bisavó teve “aquela coisa”.
(Ela sempre tinha “aquela coisa” em casos tais.)
Sobreveio o flato.
Arrotando alto, por fim, até chorou...

Eu (emocionada) vendo o pranto de minha bisavó,
lembrando só
da princesinha Lui -
que já tinha passado a viver no meu inconsciente
como ser presente,
comecei a chorar
- que chorona sempre fui.

Foi o bastante para ser apontada e acusada
de ter quebrado o prato.
Chorei mais alto, na maior tristeza,
comprometendo qualquer tentativa de defesa.
De nada valeu minha fraca negativa.
Fez-se o levantamento de minha vida pregressa
de menina
e a revisão de uns tantos processos arquivados.
Tinha já quebrado - em tempos alternados,
três pratos, uma compoteira de estimação,
uma tigela, vários pires e a tampa de uma terrina.

Meus antecedentes, até,
não eram muito bons.
Com relação a coisas quebradas
nada me abonava.
E o processo se fez, pois, à revelia da ré,
e com esta agravante:
tinha colado no meu ser magricela, de menina,
vários vocativos
adesivos, pejorativos:
inzoneira, buliçosa e malina.

Por indução e conclusão,
era eu mesma que tinha quebrado o prato azul-pombinho.

Reuniu-se o conselho de família
e veio a condenação à moda do tempo:
uma boa tunda de chineladas.

Aí ponderou minha bisavó
umas tantas atenuantes a meu favor.
E o castigo foi comutado
para outro, bem lembrado, que melhor servisse a todos
de escarmento e de lição:
trazer no pescoço por tempo indeterminado,
amarrado de um cordão,
um caco do prato quebrado.

O dito, melhor feito.
Logo se torceu no fuso
um cordão de novelão.
Encerado foi. Amarrou-se a ele um caco, de bom jeito,
em forma de meia-lua.
E a modo de colar, foi posto em seu lugar,
isto é, no meu pescoço.
Ainda mais
agravada a penalidade:
proibição de chegar na porta da rua.
Era assim, antigamente.

Dizia-se aquele, um castigo atinente,
de ótima procedência. Boa coerência.
Exemplar e de alta moral.

Chorei sozinha minhas mágoas de criança.
Depois me acostumei com aquilo.
No fim, até brincava com o caco pendurado.
E foi assim que guardei
no armarinho da memória, bem guardado,
e posso contar aos meus leitores,
direitinho,
a estória, tão singela,
do prato azul-pombinho.


In: Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, 1965

 
Resultado de imagem para cora coralina


Cora Coralina, poetisa goiana.