27 de dez. de 2020

Divines - Houda Benyamina, escolha a dança querida!


“Você acha estranho um cara dançar? Quando eu danço incorporo tudo que está a meu redor e não trapaceio. A dança não mente. É sagrada.”

Fala de Djigui no filme Divines





16 de dez. de 2020

O que faz a maioria das vítimas de estupro não reconhecer ou falar sobre a agressão - Christine Ro BBC Future #Arquivo2018

 


The Tale, de Jennifer Fox e com Laura Dern, é a história real do abuso sexual da realizadora e um filme sobre negação, aliciamento e sobre como a mente a protegeu, acha, do que não conseguiria aguentar. O momento MeToo deu-lhe um contexto acidental.


Pode haver demora para que as sobreviventes de agressão reconheçam o que aconteceu

Ela tinha 16 anos, ele tinha 40. Ela disse a si mesma que era um relacionamento romântico.

Mas seu corpo e mente faziam coisas estranhas quando estavam juntos. Às vezes, ela se sentia como se estivesse separada de seu corpo, que tremia sem parar depois de vê-lo. Era um tremor de corpo inteiro.

Ela nunca tinha experimentado essas sensações antes - mas também nunca tinha estado com um homem mais velho. Essa reação deveria ser normal para a situação, ela pensou. E não as levou em consideração.

Marissa Korbel demorou mais de uma década para entender aquilo não como parte do relacionamento, mas como agressão. "Eu realmente assumi toda a culpa por pelo menos nove ou dez anos", diz ela. Após anos de terapia, ela agora é mãe e advogada de uma organização no Oregon, EUA, que defende sobreviventes de agressão sexual.

Korbel não está sozinha. Uma meta-análise de 28 estudos de mulheres e meninas com 14 anos ou mais que tiveram sexo não consensual - por meio de força, ameaça ou incapacidade - revelou que 60% dessas vítimas não reconheceram que tinham sido estupradas.

As histórias por trás dos números surpreendentemente altos mostram uma das principais razões pelas quais a agressão sexual geralmente não é imediatamente denunciada: é comum que as vítimas precisem de tempo para entender o que aconteceu com elas.

Rotular as experiências sexuais indesejáveis geralmente é um processo gradual; e um dos principais sinais do transtorno de estresse pós-traumático é evitar emoções e comportamentos que lembrem o trauma. De fato, 75% das pessoas que entram em contato com os centros da organização Rape Crisis England and Wales estão buscando apoio para um episódio ocorrido, pelo menos, um ano antes.

Não existe uma relação entre a rapidez com que alguém relata um ataque e a legitimidade dessa alegação. Além disso, vários fatores sociais e psicológicos impedem os sobreviventes de agressões de processar suas experiências imediatamente.

Roteiros falhos

Um aspecto fundamental é que muitas pessoas não têm certeza se o que aconteceu com elas foi "realmente" um estupro. Legalmente, as definições variam por país ou até por estado. No Reino Unido, por exemplo, uma mulher não pode legalmente ter cometido estupro (embora ela possa ser acusada de agressão sexual).

Nos EUA, a idade de consentimento é de 14 anos no Estado do Missouri (se a outra pessoa tiver 20 anos ou menos), mas em seu vizinho Illinois, a idade de consentimento é de 17 anos.

Essas diferenças legais refletem uma compreensão cultural igualmente confusa - e em evolução - do que é estupro. E até essas narrativas podem deixar alguém ainda mais inseguro sobre o que vivenciaram.

De país para país e até de estado para estado, existem diferentes definições legais de agressão sexual

O estereótipo persistente do "estupro de verdade" envolve um homem desconhecido em um lugar público que penetra violentamente uma mulher que, por sua vez, resiste. Quando a agressão sexual não corresponde a essa narrativa, pode ser difícil até mesmo para a sobrevivente perceber que isso era, de fato, uma agressão sexual. Afinal, o cérebro categoriza as experiências de acordo com o que nos foi ensinado sobre o que elas significam.

Mas essa narrativa é um mito. Estupro não só inclui uma série de outras circunstâncias, mas geralmente é uma circunstância diferente da história de um estranho em um beco.

De fato, um estudo de 2016 com todos os estupros registrados em um departamento de polícia do Reino Unido durante um período de dois anos mostrou que nenhum dos 400 incidentes se encaixava na narrativa de "estupro típico", de um homem com uma arma usando força física para penetrar uma mulher resistente, ao ar livre e à noite.

Por exemplo, é comum que as vítimas de estupro não resistam fisicamente porque estão inconscientes, aterrorizadas ou fisicamente paralisadas. Em um estudo de 2017 com mulheres que foram a uma clínica de emergência em Estocolmo, 70% relataram a chamada imobilidade tônica, uma paralisia temporária e involuntária decorrente de um medo intenso. Essas mulheres não consentiram passivamente. Seus corpos reagiram biologicamente à ameaça.

A dissociação, que Korbel experimentou pela primeira vez na adolescência, é outra resposta automática comum à ameaça. Como diz Zoe Peterson, psicóloga clínica que lidera a Iniciativa de Pesquisa de Agressão Sexual do Instituto Kinsey da Universidade de Indiana, "é comum que as pessoas escapem psicologicamente quando estão em uma experiência traumática da qual não têm meios físicos para escapar".

Ainda hoje, Korbel às vezes revive a dissociação corporal que sentiu pela primeira vez com seu agressor. Revisitar o trauma é uma maneira de tentar entendê-lo.

"Estou buscando experiências sexuais que me dominem e que me façam simplesmente deixar meu corpo", explica com naturalidade. "Mas tenho uma relação muito complicada com a dissociação porque sei que é um marcador do trauma. Sei que, quando aprendi a fazer isso, não foi uma coisa boa."

A dissociação é uma resposta comum ao trauma, mas que torna a sobrevivente menos propensa a reagir

O cérebro pode dissociar-se para ajudar uma sobrevivente a conseguir passar por aquele momento. Mas isso também as torna menos propensas a reagir. Ironicamente, deixa a experiência menos parecida com a narrativa do "estupro típico" que muitos de nós conhecemos. É provavelmente por isso que as mulheres que não revidam "têm menos chances de rotular a experiência como estupro", diz Peterson.

Outra narrativa culturalmente aceita é que apenas as mulheres e meninas podem ser agredidas sexualmente. Por isso a maioria dos homens que foram abusados sexualmente quando crianças ou estuprados como adultos não considera suas experiências como abuso ou estupro.

Um estudo conduzido por Peterson e colegas pediu a 323 homens que preenchessem um questionário online sobre suas experiências sexuais. Apenas 24% das pessoas estupradas quando adultas o denominavam como tal.

Matthew Hayes (nome fictício), que mora na Califórnia, reconhece o quão difícil é usar essa palavra. Ele sabia que o relacionamento em que ele estava, quando ele tinha pouco mais de 20 anos, não era normal. Mas sua namorada costumava ser coercitiva e não fisicamente violenta, e por isso ele resistiu em pensar na experiência como estupro.

Hayes lembra de três incidentes em particular de quando sua ex-namorada agia de maneira ameaçadora. "A primeira foi quando ela se machucou até fazermos sexo. A segunda foi quando ela pegou uma faca e ameaçou se cortar ao longo da noite, a menos que fizéssemos sexo."

"A terceira foi a única [ameaça] direcionada, na verdade, para mim, na qual ela, de alguma forma, conseguiu uma arma. Ela a trouxe e, como de costume, me disse que algo aconteceria a menos que eu fizesse sexo com ela."

As narrativas culturais de 'estupro típico' podem ser confusas para os sobreviventes que tentam resolver o que experienciaram

Somente um ano após o término do relacionamento, e depois de conversar com um amigo que ficou horrorizado com a experiência, ele percebeu que isso era mais do que manipulação - era estupro. Afinal, sua experiência não fazia parte da narrativa comum do estupro, especialmente por ele ser do gênero masculino.

Mas há muitas motivações pelas quais a experiência de alguém não se inscreve na definição de estupro. Peterson e sua colega Charlene Muehlenhard descobriram, em um estudo com 77 universitárias que sofreram penetração não consensual, várias razões pelas quais as mulheres não classificaram suas experiências como estupros. Estas incluíram:

  • O agressor não correspondia à imagem de um estuprador ("ele era meu amigo e todos o amavam")
  • Elas temiam que seu comportamento não correspondesse ao de uma vítima "normal" ("foi minha culpa estar sob efeito de substâncias")
  • Não houve violência física ou resistência ("ele não estava me batendo")

Algumas mulheres não classificaram sua experiência não consensual como estupro porque sentiram que foi culpa delas por estarem bêbadas ou drogadas

Algumas narrativas estereotipadas de estupro podem se aplicar a situações de conflito, deslocamento e desastres naturais, quando os relatos de estupro ao ar livre por estranhos armados se tornam mais frequentes. O estupro é bem conhecido como uma arma de guerra. Quando a ordem social é abalada, a violência sexual geralmente aumenta.

Essa prevalência pode, por si só, levar a definição cultural de "estupro" a se estreitar ainda mais.

Ranit Mishori é consultora médica na organização Médicos pelos Direitos Humanos, que coordena um programa sobre violência sexual em zonas de conflito. Uma de suas regiões é a República Democrática do Congo (RDC), onde conflitos violentos persistem há décadas.

Lá, "vemos o que chamamos de 'normalização do estupro'", diz ela. "Em um estudo, quase um terço dos homens afirmou aos pesquisadores que as mulheres querem ser estupradas e podem até gostar disso."

"Sobreviventes podem internalizar essas mensagens e simplesmente considerar tais agressões como parte da 'vida normal' ou algo com que toda mulher eventualmente tem que lidar, em vez de enxergar aquilo como um crime sério. Isso é comum em muitos países e culturas onde o direito sexual masculino é dominante", acrescenta.

Mas seja qual for o contexto, Peterson adverte que "é realmente importante deixar claro que, independentemente de se rotular uma agressão sexual ou estupro como tal, isso não muda, necessariamente, o fato de o episódio ser ou não traumático".

Em relação a Hayes, quando ele percebeu que tinha sido estuprado, ficou assustado e arrasado. Ele diz estar feliz, no entanto, por ter tido esse tempo antes de "a ficha cair". "Ajudou muito o fato de ter havido um intervalo para que as feridas pudessem ser curadas", diz.

O preço de reconhecer a agressão

Outro fator que confunde a compreensão de uma experiência como uma agressão: as sobreviventes às vezes continuam - ou até mesmo começam - as relações com seus agressores. As leis que protegem os estupradores da acusação se eles se casarem com suas vítimas ainda existem na Argélia, nas Filipinas, no Tajiquistão e em outros países.

Mesmo em lugares sem tais leis, os sobreviventes relatam terem namorado seus agressores em um esforço de neutralizar o trauma ou recuperar algum controle sobre um evento que as deixou impotentes.

Há uma lógica de proteção psicológica para isso. As respostas ao trauma variam com base na percepção do indivíduo. A agressão sexual é um golpe no entendimento sobre, por exemplo, certos homens (como um marido ou um amigo) serem confiáveis. Algumas vítimas vão rejeitar essa ameaça por conta de sua crença.

Como a agressão sexual pode ir contra a crença da vítima, o cérebro às vezes reage com a negação - como em outros casos de choque traumático

Da mesma forma que o cérebro pode neutralizar qualquer outro choque ou trauma com negação, pode ser mais reconfortante acreditar que ele não foi realmente estupro.

Como explica Katie Russell, porta-voz da organização Rape Crisis England & Wales: "as pessoas podem achar muito difícil nomear, digamos, seu parceiro, seu ex-parceiro, talvez o pai de seus filhos, como estuprador. É difícil fazer isso".

Peterson enxerga isso como uma espécie de dissonância cognitiva entre "a ideia de que estupradores são sociopatas perturbados" e a realidade mais desconfortável de que assediadores estão ao nosso redor. "De muitas maneiras, com base na pesquisa, homens que estupram mulheres não são tão diferentes dos homens que não estupram mulheres", diz ela.

Ela descobriu que as mulheres em seu estudo estavam relutantes em pensar nos ataques sofridos como estupros por uma série de razões, incluindo:

  • Eles não queriam chamar o homem de estuprador ("A princípio eu fiquei chateada, mas me importava com o sujeito e não quis chamar o episódio de estupro")
  • Eles não queriam pensar em homens parecidos como estupradores em potencial ("Ele se parece com um monte de caras que conheci")
  • "Estupro" é uma palavra intimidadora ("Eu digo às pessoas que minha primeira experiência não foi por minha escolha, foi forçada. Falar assim me deixa menos desconfortável")

Sobreviventes, especialmente meninas e mulheres, muitas vezes se esforçam para pedir desculpas em nome de seus agressores. Eles frequentemente minimizam os ataques chamando-os de "falta de comunicação" ou "sexo ruim". E eles redirecionam a culpa por causa dos muitos custos de chamar a ocasião de estupro - que pode variar desde fofoca e culpa pela perda de oportunidades econômicas, à rejeição da família e exclusão social.

Autoconsciência

Escrever este artigo fez-me perceber o quão típicas são as minhas próprias experiências. Dei de ombros quando estava bêbada e drogada na van de um namorado da adolescência e ele pressionou o pênis na minha boca.

Eu ri ao ser tateada por um amigo em uma festa e por um parente em casa. Eu sou como muitas mulheres e crianças que normalizaram a ideia de que nossos corpos não pertencem totalmente a nós mesmos e que violações de nossos corpos não são sentidas como violações.

Por isso, é sempre importante que os sobreviventes ouçam: não foi sua culpa. Dor e vergonha podem se tornar um coquetel tóxico de culpa direcionada à pessoa errada. Mas não foi sua culpa.

"Há o trauma do que acontece com você e, em seguida, há a forma como você se agride pela maneira como respondeu à situação", afirma Korbel em voz baixa. "Há muita vergonha que as pessoas não entendem".

Fonte: BBC News - Brasil

Mais sobre o filme "The Tale" - Ela tinha 13 anos, ele 40 –a memória diz-lhe que foi amor, o #MeToo deu-lhe o contexto do abuso

13 de dez. de 2020

As águas do mar - 100 anos de Clarice Lispector

Foto: Isola delle Rose - 1968 a largo di Rimini 




As águas do mar

AÍ ESTÁ ELE, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar. as águas do mar.

Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.

Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.

São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é um mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar.

Seu corpo se consola com sua própria exiguidade em relação à vastidão do mar porque é a exiguidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exigida de que a torna pobre e livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo, mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem.

Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal – a alegria é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta mesmo sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda – e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e, no entanto a deixa entrar, como no amor em que oposição pode ser um pedido.

O caminho lento aumenta sua coragem secreta. E de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo – espantada de pé, fertilizada.

Agora o frio se transforma em frígido. Avançando ela abre o mar pelo meio. Já não precisa da coragem, agora, já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol, quase imediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias de água, bebe em goles grandes, bons.

E era isso que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora ela está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe pelo sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo sol, as ondas suaves lhe batem e voltam, pois ela é um anteparo compacto.

Mergulha de novo, de novo bebe, mais água, agora sem sofreguidão, pois não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, e ela mergulha de novo; está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica, pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação.

Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas – ah nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas – mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe opõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera.

 E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.

Clarice Lispetor



28 de nov. de 2020

Eros Volúsia - a menina que pulava muros para dançar no terreiro


 

“Eu queria era dançar aquela dança estado de alma, aquela dança que fosse um um pensamento, uma emoção, a dança vida, porque vida é movimento e dança é movimento”

Eros Volúsia





Assista o documentário EROS VOLÚSIA e a DançaMestiça


20 de nov. de 2020

Quando Sofia Loren dançou com Elza Soares - Trilha sonora de Rosa e Momo

Sophia Loren e seu filho Edoardo Ponti – foto dovulgação


 “Malandro!

Eu sei que você
Nem se liga pro fato
De ser capoeira
Moleque mulato
Perdido no mundo
Morrendo de amor...

Malandro!
Sou eu que te falo
Em nome daquela
Que na passarela
É porta estandarte
E lá na favela
Tem nome de flôr...”

Jorge Aragão e Jotabe







13 de nov. de 2020

Ato em defesa de Mari Ferrer expõe outro caso de violência contra a mulher - Armando Araújo


DEPOIMENTO ESPECIAL - O poder da escuta durante o atendimento de vítimas de violências, veja mais AQUI 

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Ato #JustiçaporMariFerrer em Goiânia, Praça Cívica. Foto: Ângela Macário


Todos os municípios brasileiros devem instituir uma rede de proteção especializada e integrada para atender mulheres vítimas de estupro.

 

No último dia 8 de novembro, durante o ato em defesa de Mari Ferrer, cujo estuprador foi absolvido a partir da tese de “estupro culposo”, o depoimento público de Bianca Rosa, também vítima de violência, chamou a atenção das organizações e pessoas presentes.

Em um relato contundente e emocionado, ela compartilhou o drama vivido diante da suspeita de sua filha, de apenas dois anos, ter sido vítima de violência sexual por uma pessoa de confiança da família. Para confirmar esse fato, a criança deve ser ouvida em um espaço especializado de acolhimento e escuta, inexistente no município onde mora.

O Decreto nº 9.603/2018 e a Lei nº 13.431/2017 determinam a implantação de mecanismos de escuta especializada para o depoimento especial de crianças ou adolescentes testemunhas ou vítimas de violências. Todos os municípios brasileiros devem instituir essa rede de proteção especializada e integrada, mas a maioria não conta com essa estrutura, o que prejudica os processos de apuração e responsabilização do autor de violência, podendo até invalidá-los caso a criança ou adolescente for ouvido de outra forma.

A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com objetivo de assegurar o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência para superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados. Seu objetivo é a proteção da criança e do adolescente, e não a coleta de provas para eventual procedimento criminal, razão pela qual as perguntas devem se limitar ao necessário para garantir proteção e cuidados ao infante.

Especialistas alertam que não se deve confundir a escuta especializada com o depoimento especial, realizado perante autoridade policial ou judiciária, com a finalidade de produzir provas para o processo. Em ambas as modalidades, frisa-se a necessidade de preparo do profissional que conduzirá a oitiva, que deve receber formação quanto à maneira correta para acolher o depoimento, formular perguntas em linguagem simples e evitar atos de revitimização.

     “Quando uma criança é violentada sem lesões aparentes, é muito, muito difícil, ter uma prova de que alguma coisa aconteceu. E nem ser ouvida a criança pode, pois o estado não possui aparato legal para isso, deixando pedófilos muito à vontade para cometer seus crimes. A solicitação para que minha filha seja ouvida encontra-se na 1ª Vara Criminal, mas o município onde moro não possui a estrutura exigida pela lei. Se a sociedade não se unir, minha filha e diversas outras crianças com histórias parecidas serão sempre só mais um número. Seus casos ficarão impunes e sem solução”, desabafa Bianca Rosa.

Bianca durante ato público de apoio a Mari Ferrer em Goiânia - Foto: Magno Medeiros


Além dessa espera angustiante, Bianca contou ainda ter sido agredida fisicamente pelo pai de sua filha, já tendo passado por cinco cirurgias reparadoras. “Nesse mês, comecei uma batalha que imaginava ser em parceria com o poder público, mas os fatos mostram que não é assim. Sou ignorada por quem deveria me proteger”, denuncia. Ela explica que já fez apelos e manifestações exigindo justiça e ações de enfrentamento à violência doméstica por parte dos Poderes Executivo e Legislativo municipais e estaduais, mas nada foi feito.

Sua trajetória de vida foi marcada pela violência desde sua infância. Ela foi vítima de estupro dos 3 aos 11 anos pelo padrasto, presenciou o assassinato da tia e o suicídio do tio. Quando finalmente teve coragem de contar ao pai as agressões que sofreu por anos seguidos, foi acusada de ser culpada pela violência sofrida. “Se somos ignoradas, tratadas com desrespeito de forma doentia e maldosa, o machismo e a cultura do mal vencem”, afirma.

Números nacionais

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que Goiás foi o oitavo estado com maior índice de estupro de mulheres em 2019. Segundo o relatório, foram registrados 2.741 casos, o que representa uma média de 7,5 estupros por dia.

No Brasil, meninas são estupradas em suas casas por homens da família e agregados. E esses fatos são comprovados. Se acordo com o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil bateu o recorde de casos de violência sexual em 2018, sendo 66 mil vítimas de estupro no Brasil, o maior índice desde o início do estudo em 2007. A maioria das vítimas (53,8%) é composta de meninas de até 13 anos, sendo que 4 meninas até essa idade são estupradas por hora no país. A maioria das mulheres estupradas é negra (50,9%).

Repercussão

“O grito das mulheres goianienses somaram-se às vozes de tantas outras mulheres Brasil afora. Vozes carregadas de indignação que gritam por justiça e respeito. Estamos aqui não somente por Mari Ferrer, mas por todas nós. Somos todas vítimas do machismo e do patriarcado que ainda está presente em nossa sociedade. Este ato vem evidenciar gritos que se tornam mais fortes a cada dia. Basta de violência contra a mulher”, diz Maria Aurora Neta, representante do Bloco Não é Não, um dos organizadores do ato.

Diante de casos de violência contra as mulheres, Patrícia Vieira, produtora cultural e ativista do movimento feminista, conta que encontra amparo, acolhida e força junto a inúmeras mulheres e coletivos em Goiânia que, juntos, buscam contribuir de alguma forma. “Nós precisamos de um levante feminino e feminista que possa dizer para a sociedade: nós não aceitamos, e foi aí que nos juntamos e, de forma muito democrática e apartidária, resolvemos nos colocar na rua para dizer não, não à violência institucionalizada. Mari Ferrer provocou um levante de uma luta que nós vivemos diariamente. Uma luta cotidiana de nos confrontarmos com a brutal realidade de que a cada 11 minutos uma mulher é violentada no país. Nos levantamos para dizer não à cultura do estupro. Nos levantamos para discutir o patriarcado, discutir um Direito Penal que não silencie as vítimas, mas que as acolham e as tratem com dignidade”, afirma.

Sara Alves, outra integrante do Bloco Não é Não, garante que “a luta não acabou e vamos continuar lutando para que os agressores sejam presos e paguem por seus atos. Nós, mulheres, não vamos nos calar e estamos cada vez mais unidas para colocar esses canalhas na cadeia. Mexeu com uma, mexeu com todas”, garante ela.

“A cultura do estupro é algo que precisa ser conversado e debatido diariamente. Nós, mulheres goianas, exigimos que o estado e seus organismos oficiais cumpram sua função social com espaço para discutir e enfrentar esse problema. Somente dessa forma poderemos mudar a realidade massacrante da violência de gênero. Precisamos implementar políticas públicas de proteção às vítimas, espaços qualificados para receber as denúncias e reconhecimento de que estamos diante de um problema sociocultural. A pergunta que precisa ser feita diariamente para desfazer esse padrão patriarcalista é: “Homem, por que me tomas? Vamos ressignificar juntas”, afirma Je Costa, integrante do Coletivo de Mulheres Goianas.  

Armando Araújo - GO 554 JP

Assessoria de Comunicação e Jornalismo

(62) - 3229-3195- (62) – 996293800

armandoconsultoria@terra.com.br / anma1609@gmail.com

11 de nov. de 2020

Algo mudou no Brasil - Paula Bianchi do The Intercept Brasil

 








 

Fotos: Ângela Macário – Ato #JustiçaporMariFerrer em Goiânia, 8 de novembro de 2020.


"Em meio a tanta dor, traz alento perceber a união formada em torno dessa ideia simples e poderosa: se uma mulher for estuprada, jamais será sua culpa, e muito menos podemos consentir com a tese de que alguém pode cometer um ato sexual sem ter plena certeza de que a mulher consentiu. Não existe estupro culposo."

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Imagine uma vítima de violência sexual que passa dois anos denunciando seu agressor sem que nada aconteça. Imagine também que em meio a sua luta por justiça, ela é humilhada, agredida e desrespeitada por quem um dia jurou defender a lei e os direitos humanos. 

Essa é a realidade da promotora de eventos Mariana Ferrer, que desde 2018 denuncia ter sido estuprada pelo empresário André de Camargo Aranha. Na semana passada, Mariana finalmente foi ouvida. 

A reportagem do Intercept sobre o caso parou o país. Em poucas horas o vídeo que mostra a violência a qual Mariana foi submetida durante uma audiência se espalhou e foi visto por milhões, causando indignação, mobilizando manifestações de apoio à jovem e expondo uma realidade que afeta todos os dias as mulheres brasileiras. Furamos todas as bolhas e conseguimos fazer com que todo mundo, do STF aos veículos de imprensa, de deputados a artistas, jovens e idosos, todos olhassem para aquela situação e pedissem justiça. O caso de Mariana, graças ao jornalismo, não será mais um em que a vítima é esmagada por nosso sistema penal. Não será mais um caso em que a vítima será "culpada" pela violência que sofreu. 

A reportagem de Schirlei Alves revelou imagens revoltantes, expôs a conduta desrespeitosa, para dizer o mínimo, de Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do réu, e mostrou como vítimas de crimes sexuais são tratadas no país. Mariana não é a única e por isso essa matéria teve uma repercussão inédita na história do Intercept. 

Na terça à noite o texto já havia sido lido por milhões. "Estupro culposo", expressão que resume a absurda tese do promotor ao defender a absolvição de Aranha, argumentando que o acusado não tinha como saber se Mariana estava em condições de discernir ou de oferecer resistência ao ato sexual, dominava as redes sociais e foi repercutida por praticamente todos os veículos brasileiros. Vimos incrédulos o Jornal Nacional exibir um material produzido pelo TIB — vocês sabem que isso não aconteceu nem na Vaza Jato. Jornais e sites nos Estados Unidos, Espanha, Portugal e França também noticiaram — para citar apenas o que nós vimos. Atos foram realizados no Brasil e em outras capitais pelo mundo levando milhares de pessoas às ruas. Pesquisadores, criminalistas, jornalistas, professores, juízes escreveram sobre o caso, seus desdobramentos e, claro, fizeram críticas ao nosso trabalho, o que é parte do jogo quando você produz o tipo de jornalismo que nós produzimos. Tudo muito bem-vindo, porque o jornalismo existe pra isso: para mobilizar a sociedade, denunciar malfeitos, promover justiça, mudar o mundo. 

Na Câmara Federal, grupos de deputadas protocolaram dois projetos de lei: o 5091/20, que tipifica o crime de “violência institucional” praticado por agente público — com pena de três meses a um ano de detenção e multa; e o 5960/2020, que veda qualquer parte envolvida e o juiz de se manifestarem sobre fatos e provas que não estão nos autos. A Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB Nacional repudiou a condução da audiência e pediu a apuração da ação ou omissão de todos os agentes envolvidos. O ministro do STF Gilmar Mendes classificou como “tortura” a humilhação promovida contra Mariana e pediu investigação. A Procuradoria da Mulher do Senado vai pedir a anulação da sentença que inocentou Aranha.  

Testemunhei nos últimos dias milhares de mensagens, vídeos, charges de apoio a Mariana e ao nosso trabalho. Algo mudou de terça-feira pra cá e foi o jornalismo o motor dessa mudança. Pela primeira vez vi um caso de violência sexual mobilizar tanta gente e do jeito certo. 

Histórias como essa são sempre difíceis de reportar. Porque expõem as vítimas e podem causar sérios danos a elas. A gente nunca sabe como será a repercussão e o que ela pode gerar. É preciso muito cuidado e paciência. Há pouco tempo, trabalhamos exaustivamente nos casos relacionados ao produtor Gustavo Beck, aquela história que foi marco do movimento Me Too no Brasil. A repercussão também foi enorme, especialmente fora do país, e ficamos felizes de ver que as vítimas não foram publicamente questionadas. O jornalismo cumpriu seu papel e o fez da melhor maneira possível.

O caso de Mariana tomou outras proporções e foi muito, muito bom perceber como foi positivo o retorno da sociedade. A vítima foi respeitada, acolhida e a ela se juntaram milhões pedindo justiça. Como afirmei na nossa newsletter de sábado junto com o editor Alexandre de Santi:

"Em meio a tanta dor, traz alento perceber a união formada em torno dessa ideia simples e poderosa: se uma mulher for estuprada, jamais será sua culpa, e muito menos podemos consentir com a tese de que alguém pode cometer um ato sexual sem ter plena certeza de que a mulher consentiu. Não existe estupro culposo."

Quis escrever para trazer um balanço dos impactos desse caso para você. Os primeiros dias foram muito intensos e talvez você não tenha conseguido acompanhar tudo. Eu também quero agradecer a cada pessoa que lê, compartilha, espalha e defende o trabalho do Intercept. Milhões de novos leitores chegaram no site na semana passada, mas você faz parte do nosso time há um tempo e sabe que reportagens assim estão no coração do TIB.

Fazer investigações de grande impacto e responsabilizar pessoas com poder para se safar da justiça é a nossa missão. O Intercept não tem rabo preso, não tem acordo com governo, com empresas, com juízes. Nosso único compromisso é com nossos leitores e com cada pessoa vítima de injustiça. Essa independência e coragem nós devemos a pessoas como você, que nos apoiam todos os dias, doando e nos protegendo dos ataques daqueles que querem nos parar.