13 de nov. de 2020

Ato em defesa de Mari Ferrer expõe outro caso de violência contra a mulher - Armando Araújo


DEPOIMENTO ESPECIAL - O poder da escuta durante o atendimento de vítimas de violências, veja mais AQUI 

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Ato #JustiçaporMariFerrer em Goiânia, Praça Cívica. Foto: Ângela Macário


Todos os municípios brasileiros devem instituir uma rede de proteção especializada e integrada para atender mulheres vítimas de estupro.

 

No último dia 8 de novembro, durante o ato em defesa de Mari Ferrer, cujo estuprador foi absolvido a partir da tese de “estupro culposo”, o depoimento público de Bianca Rosa, também vítima de violência, chamou a atenção das organizações e pessoas presentes.

Em um relato contundente e emocionado, ela compartilhou o drama vivido diante da suspeita de sua filha, de apenas dois anos, ter sido vítima de violência sexual por uma pessoa de confiança da família. Para confirmar esse fato, a criança deve ser ouvida em um espaço especializado de acolhimento e escuta, inexistente no município onde mora.

O Decreto nº 9.603/2018 e a Lei nº 13.431/2017 determinam a implantação de mecanismos de escuta especializada para o depoimento especial de crianças ou adolescentes testemunhas ou vítimas de violências. Todos os municípios brasileiros devem instituir essa rede de proteção especializada e integrada, mas a maioria não conta com essa estrutura, o que prejudica os processos de apuração e responsabilização do autor de violência, podendo até invalidá-los caso a criança ou adolescente for ouvido de outra forma.

A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com objetivo de assegurar o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência para superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados. Seu objetivo é a proteção da criança e do adolescente, e não a coleta de provas para eventual procedimento criminal, razão pela qual as perguntas devem se limitar ao necessário para garantir proteção e cuidados ao infante.

Especialistas alertam que não se deve confundir a escuta especializada com o depoimento especial, realizado perante autoridade policial ou judiciária, com a finalidade de produzir provas para o processo. Em ambas as modalidades, frisa-se a necessidade de preparo do profissional que conduzirá a oitiva, que deve receber formação quanto à maneira correta para acolher o depoimento, formular perguntas em linguagem simples e evitar atos de revitimização.

     “Quando uma criança é violentada sem lesões aparentes, é muito, muito difícil, ter uma prova de que alguma coisa aconteceu. E nem ser ouvida a criança pode, pois o estado não possui aparato legal para isso, deixando pedófilos muito à vontade para cometer seus crimes. A solicitação para que minha filha seja ouvida encontra-se na 1ª Vara Criminal, mas o município onde moro não possui a estrutura exigida pela lei. Se a sociedade não se unir, minha filha e diversas outras crianças com histórias parecidas serão sempre só mais um número. Seus casos ficarão impunes e sem solução”, desabafa Bianca Rosa.

Bianca durante ato público de apoio a Mari Ferrer em Goiânia - Foto: Magno Medeiros


Além dessa espera angustiante, Bianca contou ainda ter sido agredida fisicamente pelo pai de sua filha, já tendo passado por cinco cirurgias reparadoras. “Nesse mês, comecei uma batalha que imaginava ser em parceria com o poder público, mas os fatos mostram que não é assim. Sou ignorada por quem deveria me proteger”, denuncia. Ela explica que já fez apelos e manifestações exigindo justiça e ações de enfrentamento à violência doméstica por parte dos Poderes Executivo e Legislativo municipais e estaduais, mas nada foi feito.

Sua trajetória de vida foi marcada pela violência desde sua infância. Ela foi vítima de estupro dos 3 aos 11 anos pelo padrasto, presenciou o assassinato da tia e o suicídio do tio. Quando finalmente teve coragem de contar ao pai as agressões que sofreu por anos seguidos, foi acusada de ser culpada pela violência sofrida. “Se somos ignoradas, tratadas com desrespeito de forma doentia e maldosa, o machismo e a cultura do mal vencem”, afirma.

Números nacionais

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que Goiás foi o oitavo estado com maior índice de estupro de mulheres em 2019. Segundo o relatório, foram registrados 2.741 casos, o que representa uma média de 7,5 estupros por dia.

No Brasil, meninas são estupradas em suas casas por homens da família e agregados. E esses fatos são comprovados. Se acordo com o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil bateu o recorde de casos de violência sexual em 2018, sendo 66 mil vítimas de estupro no Brasil, o maior índice desde o início do estudo em 2007. A maioria das vítimas (53,8%) é composta de meninas de até 13 anos, sendo que 4 meninas até essa idade são estupradas por hora no país. A maioria das mulheres estupradas é negra (50,9%).

Repercussão

“O grito das mulheres goianienses somaram-se às vozes de tantas outras mulheres Brasil afora. Vozes carregadas de indignação que gritam por justiça e respeito. Estamos aqui não somente por Mari Ferrer, mas por todas nós. Somos todas vítimas do machismo e do patriarcado que ainda está presente em nossa sociedade. Este ato vem evidenciar gritos que se tornam mais fortes a cada dia. Basta de violência contra a mulher”, diz Maria Aurora Neta, representante do Bloco Não é Não, um dos organizadores do ato.

Diante de casos de violência contra as mulheres, Patrícia Vieira, produtora cultural e ativista do movimento feminista, conta que encontra amparo, acolhida e força junto a inúmeras mulheres e coletivos em Goiânia que, juntos, buscam contribuir de alguma forma. “Nós precisamos de um levante feminino e feminista que possa dizer para a sociedade: nós não aceitamos, e foi aí que nos juntamos e, de forma muito democrática e apartidária, resolvemos nos colocar na rua para dizer não, não à violência institucionalizada. Mari Ferrer provocou um levante de uma luta que nós vivemos diariamente. Uma luta cotidiana de nos confrontarmos com a brutal realidade de que a cada 11 minutos uma mulher é violentada no país. Nos levantamos para dizer não à cultura do estupro. Nos levantamos para discutir o patriarcado, discutir um Direito Penal que não silencie as vítimas, mas que as acolham e as tratem com dignidade”, afirma.

Sara Alves, outra integrante do Bloco Não é Não, garante que “a luta não acabou e vamos continuar lutando para que os agressores sejam presos e paguem por seus atos. Nós, mulheres, não vamos nos calar e estamos cada vez mais unidas para colocar esses canalhas na cadeia. Mexeu com uma, mexeu com todas”, garante ela.

“A cultura do estupro é algo que precisa ser conversado e debatido diariamente. Nós, mulheres goianas, exigimos que o estado e seus organismos oficiais cumpram sua função social com espaço para discutir e enfrentar esse problema. Somente dessa forma poderemos mudar a realidade massacrante da violência de gênero. Precisamos implementar políticas públicas de proteção às vítimas, espaços qualificados para receber as denúncias e reconhecimento de que estamos diante de um problema sociocultural. A pergunta que precisa ser feita diariamente para desfazer esse padrão patriarcalista é: “Homem, por que me tomas? Vamos ressignificar juntas”, afirma Je Costa, integrante do Coletivo de Mulheres Goianas.  

Armando Araújo - GO 554 JP

Assessoria de Comunicação e Jornalismo

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