25 de dez. de 2021

CARTA DE NATAL DO CONASS ÀS CRIANÇAS DO BRASIL

 

CARTA DE NATAL DO CONASS ÀS CRIANÇAS DO BRASIL

Brasília, 24 de dezembro de 2021

Queridas crianças do Brasil, O ano não foi fácil. Os papais e as mamães de vocês passaram por inúmeras dificuldades. Empregos foram perdidos, tudo ficou caro, foi difícil iniciar a vacinação contra o coronavírus. Por conta disso, muitos parentes e muitos amigos viraram estrelinhas. Mais de 400 mil apenas este ano.

Vocês devem ter se acostumado a falar de coronavírus e, por conta dele, passaram a usar máscaras até para ir para a escola. A gente sabe que máscara não é algo confortável, mas elas são usadas para protegê-los.

O ano foi passando, as dificuldades foram diminuindo e a gente finalmente conseguiu a proteção que os papais e as mamães já possuem: a vacina contra a Covid-19 para crianças!

Eu sei que ninguém gosta de agulhas, mas vocês não precisam ter medo! Os cientistas do mundo inteiro apontam a segurança e eficácia da vacina para crianças! Ela inclusive já começou a ser aplicada em meninos e meninas de vários países do mundo.

Infelizmente há quem ache natural perder a vida de vocês, pequeninos, para o coronavírus. Mas com o Zé Gotinha já vencemos a poliomielite, o sarampo e mais de 20 doenças imunopreveníveis. Por isso, no lugar de dificultar, a gente procura facilitar a vacinação de todos os brasileirinhos.

E é esse recado que queremos dar no dia de hoje, véspera de Natal: quando iniciarmos a vacinação de nossas crianças, avisem aos papais e às mamães: não será necessário nenhum documento de médico recomendando que tomem a vacina. A ciência vencerá. A fraternidade vencerá. A medicina vencerá e vocês estarão protegidos.

Que o Papai Noel traga neste ano muito amor, alegria, abraços, diversão e PROTEÇÃO contra a COVID-19. E que todos possam compartilhar esses presentes com o papai e a mamãe.

Feliz Natal!

Carlos Lula Presidente do Conass

11 de dez. de 2021

Emicida - Pequena Memória de Um Tempo Sem Memória / Paisagem |



Pequeno Memória Para Um Tem Sem Memória

Memória de um tempo onde lutar
Por seu direito
É um defeito que mata

São tantas lutas inglórias
São histórias que a história
Qualquer dia contará

De obscuros personagens
As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão

De Juvenais e de Raimundos
Tantos Júlios de Santana
Dessa crença num enorme coração

Dos humilhados e ofendidos
Explorados e oprimidos
Que tentaram encontrar a solução

São cruzes sem nomes
Sem corpos
Sem datas

Memória de um tempo onde lutar por seu direito
É um defeito que mata

E tantos são os homens por debaixo das manchetes
São braços esquecidos que fizeram os heróis
São forças, são suores que levantam as vedetes
Do teatro de revistas, que é o país de todos nós

São vozes que negaram liberdade concedida
Pois ela é bem mais sangue
Ela é bem mais vida
São vidas que alimentam nosso fogo da esperança
O grito da batalha
Quem espera, nunca alcança

Ê ê, quando o Sol nascer
É que eu quero ver quem se lembrará
Ê ê, quando amanhecer
É que eu quero ver quem recordará

Ê eu, não posso esquecer
Essa legião que se entregou por um novo dia
Ê eu quero é cantar essa mão tão calejada
Que nos deu tanta alegria
E vamos à luta

Gonzaguinha



15 de nov. de 2021

TIAGO IORC - Masculinidade

 



Masculinidade


"Eu tava numa de ficar sumido

Dinheiro, fama, tudo resolvido

Fingi que não mas na verdade eu ligo

Eu me achava mó legal

Queria ser uma unanimidade

Eu quis provar minha virilidade

Eu duvidei da minha validade

Na insanidade virtual

Eu cuido pra não ser muito sensível

Homem não chora, homem isso e aquilo

Aprendi a ser indestrutível

Eu não sou real

Conversando com os meus amigos

Eu entendi que não é só comigo

Calar fragilidade é castigo

Eu sou real

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Masculinidade frágil, coisa de menino

Eu fui profano e sexo é divino

Da minha intimidade, fui um assassino

Que merda…

Quando criança, era chamado de bicha

Como se fosse um xingamento

Que coisa mais esquisita

Aprendi que era errado ser sensível

Quanta inocência

Eu tive medo do meu feminino

Eu me tornei um homem reprimido

Meio sem alma, meio adormecido

Um ato fálico, autodestrutivo

No auge e me sentindo deprimido

Me vi traindo por ter me traído

Eu fui covarde, eu fui abusivo

Pensei ser forte, mas eu só fugi…

E caí na pornografia

Essa porra só vicia

Te suga a alma, te esvazia

E quando vê passou o dia

E você pensa que devia

Ter outro corpo, outra pica

A ansiedade vem e fica

Caralho, isso não é vida!

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Meu pai foi minha referência de homem forte

Trabalhador, generoso, decidido

Mas ele sempre teve dificuldade de falar

O pai do meu pai também não soube se expressar

Por esses homens é preciso chorar

E perdoar…

Essa dor guardada

Até agora, enquanto escrevo

Me assombra se o que eu digo é o que eu devo

Um eco de medo

O que será que vão dizer?

O que será que vão pensar?

A rejeição ensina cedo

Seja bem bonzinho ou então vão te cancelar

Que complexo é esse? Mamãe, é você?

Me iludi nessa imagem, tentei me esconder

Eu só posso ser esse Tiago

Cheio de virtude, cheio de estrago

Que afago crescer, aceitar

Ai, ai…

Esse homem macho, machucado

Esse homem violento, homem violado

Homem sem amor, homem mal amado

Precisamos nos responsabilizar, meus amigos

A gente cria um mundo extremo e opressivo

Diz aí, se não estamos todos loucos

Por um abraço

Que cansaço

Cuidado com o excesso de orgulho

Cuidado com o complexo de superioridade, mas

Cuidado com desculpa pra tudo

Cuidado com viver na eterna infantilidade

Cuidado com padrões radicais

Cuidado com absurdos normais

Cuidado com olhar só pro céu

E fechar o olho pro inferno que a gente mesmo é capaz

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

Minha alma é profunda e se a foga no raso

Minha alma é profunda e se afoga no raso

Minha alma é profunda e se afoga no raso

Eu fico zonzo

Fico triste

Fico pouco

Fico escroto

Eu sigo à risca

O que é ser homem

Isso não existe

A vida insiste

O tempo todo

Que eu repense

O que é ser homem?

O que é ser homem?

O que é ser homem?

 

O que é ser homem?

O que é ser homem?

Há tantos e tantos

E tantos e tantos e tantos

Possíveis homens

Homem real e não ideal

Ser homem por querer se aprender, todo dia

Dominar a si mesmo

Apesar de qualquer fobia: respeito

Tem que ter peito

Tem que ter culhão pra amar direito

Vou dizer que não?

Esperando sentado por salvação?

Conexão, empatia, verdade

Divino propósito: responsabilidade

Deitar a cabeça no travesseiro e sentir paz

Por ter vivido um dia honesto

Ah…

Ser homem exige muito mais do que coragem

Muito mais do que masculinidade

Ser homem exige escolha, meu irmão

E aí?"

 

Tiago Iorc






3 de nov. de 2021

Boris Cyrulnik: “Os adolescentes mais afetados pela pandemia terão depressão crônica quando adultos” - El país


 

Neuropsiquiatra francês, filho de judeus que morreram no Holocausto, cientista e divulgador, é o criador do conceito de ‘resiliência’. Publica agora um novo livro no qual afirma que o ambiente esculpe o cérebro


A casa com jardim do neuropsiquiatra Boris Cyrulnik (Bordeaux, 84 anos) em La Seyne-sur-Mer é um rincão de paraíso. O Mediterrâneo está literalmente a quatro passos de distância. É uma manhã ensolarada de outubro. O mundo parece bem-feito. Fora, ouve-se em alto-falantes a música reggae de um grupo de rapazes e garotas que pescam na baía. Dentro, em uma sala na penumbra decorada com espadas antigas e um divã que reproduz o de Sigmund Freud, um homem com aspecto de sábio bondoso fala de sua infância sob o nazismo e do conceito que ajudou a popularizar: a resiliência. Conversamos sobre a pandemia de covid-19 e sobre como ela nos mudou.

Cyrulnik ―filho de judeus que morreram no Holocausto, cientista e divulgador, autor prolífico, ocasional conselheiro oficioso do presidente Emmanuel Macron― acaba de publicar Psicoecología. El entorno y las estaciones del alma (Psicoecologia  O ambiente e as estações da alma). Na França, seu último livro, escrito com o jornalista José Lenzini, é Chérif Mécheri. Préfet courage sous le gouvernement de Vichy (Chérif Mécheri ― Prefeito coragem sob o Governo de Vichy), a história de um funcionário francês de alto escalão que se negou a colaborar com o ocupante nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

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PERGUNTA. Esqueceremos a pandemia? Já a estamos esquecendo?

RESPOSTA. A negação é um mecanismo de proteção psicológica: acabou, vamos pensar em outra coisa. Mas o vírus não se apagou. Está voltando e, se relaxarmos, pode haver outra onda. Acontece depois de todas as catástrofes, depois de todas as guerras. Há um momento de ajuste de contas e então passamos para o próximo. Com a negação nos sentimos melhor, mas nos impede de enfrentar o problema.

P. Depois da chamada gripe espanhola houve um esquecimento. Os loucos anos vinte...

R. E matou de 30 a 50 milhões de pessoas, mais do que a guerra de 1914 a 1918 [Primeira Guerra Mundial]. Tive pacientes que passaram a vida inteira com encefalite por causa da gripe espanhola. Sobreviveram, mas com o cérebro muito danificado. E não, não se falou dela. Só se falava da guerra de 1914 a 1918. E na França só se falava dos mortos franceses, muito numerosos: um milhão e meio de jovens morreram em condições terríveis, e a maioria eram adolescentes.

P. Não precisamos nos divertir ao sair de um trauma, um pouco de negação?

R. Sim, sem dúvida. Também aconteceu na França depois da Segunda Guerra Mundial. Eu era criança, havia uma alegria extraordinária. As pessoas estavam na rua, havia bailes por toda parte, festas, vontade de viver. E se pode compreender, é legítimo. Mas se não nos protegermos, em dois ou três anos haverá um novo vírus, mais confinamentos, mais mortos.

P. Em 1945, ao terminar a guerra, também houve uma negação do passado, não?

R. Não se podia falar dos prisioneiros de guerra, nem da colaboração [com a Alemanha nazista, que ocupou a França entre 1940 e 1944]. Os franceses eram a resistência, não a colaboração! Os sobreviventes da Shoah não eram muito numerosos, 27.000. Nem uma palavra, impossível falar sobre isso. Incomodava. Quando eu contava o que havia acontecido comigo, as pessoas riam.

P. O que elas lhe diziam?

R. Diziam: “Você conta cada história”.

P. O que o senhor contava?

R. Com seis anos e meio fui preso pela polícia francesa, a Gestapo francesa. Consegui fugir. As pessoas não acreditavam em mim e acabei me calando. Apenas 40 anos depois, quando meu nome apareceu no processo de Maurice Papon [o prefeito de polícia francês que organizou a deportação dos judeus de Bordeaux], os jornalistas começaram a me perguntar sobre minha infância e agora não paro de falar nisso.

P. O que aconteceu com os seus pais?

R. Meu pai entrou na Legião Estrangeira, na qual havia apenas republicanos espanhóis e judeus da Europa Central, como meu pai. Ele foi ferido e na cama do hospital foi preso pela polícia do país pelo qual havia combatido, a França. Morreu em Auschwitz. Praticamente não o conheci.

P. E sua mãe?

R. Como quase toda a minha família, foi presa e deportada.

P. Tenho a impressão de que o senhor passou a vida tentando responder à pergunta sobre como é possível ter sobrevivido e superado as condições muito adversas da sua infância.

R. Acima de tudo, me perguntava como foi possível o nazismo. Os alemães eram o povo mais culto da Europa e foi na casa deles onde aconteceu um crime imenso contra os judeus, contra os poloneses, contra os russos, contra quase toda a Europa. Mais tarde, quando já trabalhava como médico e a assistente social dizia às crianças: “Olha de onde você veio, nunca poderá seguir em frente, nunca poderá estudar, não tem família”..., me lembrava do que me diziam quando eu era criança. Por isso disse a mim mesmo que trabalharia para ajudar aquelas crianças a seguir em frente.

P. A resiliência.

R. Sim, um processo familiar, amistoso e cultural que lhes permita recuperar um bom desenvolvimento apesar do traumatismo.

P. Abusou-se do termo resiliência.

R. Não, de forma alguma. É bem empregado. Quando um militar fala da resiliência militar, está bem dito: vão para o combate, haverá mortos e traumatismos, e precisarão seguir um processo de resiliência. Ou quando se fala de resiliência climática, são os próprios agricultores ou climatologistas que o usam.

P. O cérebro não é algo isolado e imutável, como afirma em Psicoecologia.

R. Quando eu estudava medicina, diziam-me que o cérebro estava na caixa craniana, separado do mundo, e que chegávamos com um armazém de bilhões de neurônios e que todos os dias perdíamos alguns. Agora constatamos, graças à neuroimagem e à neurobiologia, que acontece exatamente o contrário. O ambiente esculpe o cérebro, molda-o.

P. O cérebro é uma escultura?

R. Quando uma criança é privada da alteridade, seus dois lobos pré-frontais atrofiam, o circuito límbico desaparece e as tonsilas rinoencefálicas ficam hipertrofiadas. O cérebro se torna disfuncional porque não há ambiente, não há alteridade. Isso se fotografa, é muito fácil ver. Mas quando se reorganiza o ambiente, e desde que não tenhamos deixado a criança sozinha por muito tempo, vemos que os lobos pré-frontais e o circuito da memória se desenvolvem novamente e as duas tonsilas desligam. Ou seja, quando agimos sobre o ambiente, modificamos a escultura cerebral.

P. O que exatamente é o ambiente?

R. Existem três ambientes. O primeiro é o ambiente imediato do bebê: o líquido amniótico, a química. O segundo é o afetivo: a mãe, o pai, a família, a vizinhança, a escola. E o terceiro é o ambiente verbal: os relatos, os mitos. E esse ambiente também participa da escultura do cérebro.

P. Um ambiente demasiado confortável não pode ser causa de infelicidade? Precisamos de um pouco de infelicidade?

R. Não precisamos da infelicidade: precisamos derrotar a infelicidade para ter autoestima. Crianças superprotegidas são infelizes, vivem afogadas. São hostis aos pais e buscam aventuras ―pode ser em uma ONG ou no jihadismo― para derrotar a infelicidade e amarem a si mesmas. Existe uma felicidade na regressão. Você e eu o fazemos: de vez em quando estou farto de tudo, fico de pijama e assisto à rede de televisão TF1. E é bom fazer isso. É necessário um ritmo de regressão e exploração, regressão e exploração, os dois. Um bebê só tem a coragem e o prazer de explorar se já tiver se sentido seguro antes. Se não, não explora. Se houver apenas regressão, morremos de tédio, tornamo-nos suicidas, a vida não tem sentido. Se houver apenas infelicidade, é extenuante.

P. Os relatos aos quais o senhor se referiu anteriormente, o ambiente verbal, podem ser mentiras também.

R. Claro. Os relatos e a linguagem totalitária detêm o pensamento, você não precisa mais refletir. É o que fizeram os nazistas e todas as ditaduras. O chefe político, religioso, científico nos diz onde está a verdade e não precisamos mais pensar, o que detém o desenvolvimento cerebral.

P. Existe um cérebro totalitário?

R. Não. Existem relatos totalitários. Não esculpem o cérebro, mas seu efeito é tranquilizante, dá segurança. Quando um crente reza, todos os sinais elétricos de angústia no cérebro desaparecem. É um tranquilizante natural. Os crentes religiosos ou políticos ―os comunistas eram crentes― se sentem melhor. Existe um efeito de solidariedade também: se todos recitarmos a mesma coisa ao mesmo tempo, nos sentiremos em segurança. Mas deixamos de pensar. Eu chamo isso de pensamento preguiçoso. A linguagem totalitária é um pensamento euforizante e preguiçoso.

P. O que leva alguém, em uma situação como a ocupação nazista durante a guerra, a colaborar ou entrar na resistência? É o tema de seu livro sobre Chérif Mécheri.

R. O prefeito de polícia Mécheri, árabe e muçulmano, não cumpriu as ordens do regime de Vichy. Ao mesmo tempo, Maurice Papon, também prefeito, por ordem de Vichy mandou prender as crianças judias e fechou o bairro da estação de Bordeaux para que nenhum judeu pudesse escapar.

P. O que determina que alguém acabe sendo Mécheri ou Papon?

R. Minha resposta é a de Hannah Arendt. Alguns entre nós têm uma autoestima, uma liberdade interior que lhes permite, diante de uma ordem, escolher. Em vez disso, Papon submeteu-se a todas as ordens e executou-as para subir na hierarquia.

P. Vamos voltar ao presente. A pandemia mudou o senhor?

R. Não me atrevo a dizer, mas para mim o primeiro confinamento, na primavera de 2020, foi um momento de felicidade. Tenho uma casa e um jardim junto ao mar. Não tinha de viajar nem responder a convites. Pude trabalhar no meu ritmo. Ao entardecer, tomava banho de mar e caminhava. Nunca tive uma vida tão saudável. E agora passo o dia no avião e no trem. É uma vida insalubre. Tudo está indo rápido demais.

P. Para outros não foi tão plácido.

R. Tenho vergonha de ter sido feliz quando muitos eram infelizes. Em um país em paz, 12% dos adolescentes ficam deprimidos. Em um país depois da covid, segundo uma avaliação, são 39%. Aqueles que pagaram mais caro o preço da covid são adolescentes. Alguns não recuperarão o que perderam, para outros lhes custará.

P. Por que os adolescentes são os mais afetados?

R. Na adolescência ocorre uma poda de neurônios. O cérebro funciona melhor com menos neurônios, com menos energia. Os adolescentes têm dois ou três anos para aprender a aprender, para se orientar em uma direção. Se por um conflito familiar ou porque os meninos preferem jogar futebol, esses dois anos são perdidos, depois lhes custa voltar aos eixos. Na escola ou faculdade, você ri, concorda ou discorda de um professor, seu cérebro está ativado. Diante de uma tela, o cérebro fica entorpecido.

P. Quais são as consequências de tal situação para esses adolescentes quando adultos?

R. Estarão em depressão crônica. Terão pequenos ofícios que não os interessarão. Aprenderão que a sociedade se encarregará deles. Perderam um período sensível do seu desenvolvimento. Para se reconectar, terão de trabalhar 10 vezes mais.

P. Existe um fator social.

R. Os filhos dos ricos suportaram o confinamento melhor do que os filhos dos pobres. Estes moravam em apartamentos com uma densidade excessiva e ficavam exasperados com a presença dos demais. Eles se acalmavam diante das telas. As telas entorpecem a psique e fazem aumentar o peso. Durante o confinamento, as filhas dos ricos não aumentaram de peso; as filhas dos pobres engordaram.

P. Não “saímos mais fortes”, como dizia uma campanha do Governo espanhol?

R. Não acredito. Nietzsche dizia que o que não te fere te faz mais forte. É falso. Quando você se fere, adquire um fator de vulnerabilidade. Os jovens que se descolaram ou as pessoas que tiveram depressão durante o vírus terão sequelas.

P. Eu vejo o senhor pessimista.

R. Sim e não. Isto não foi uma crise. Em uma crise de epilepsia a pessoa fala, cai, tem convulsões, se levanta e acaba a frase. As coisas voltam a ser como antes. E agora as coisas voltarão, mas não como antes. A palavra adequada agora não é crise: é catástrofe. Depois das guerras e das epidemias houve revoluções culturais. A formação profissional, a universidade, a relação entre homens e mulheres, a velhice, tudo isso já está sendo repensado. Vamos repensar nossa maneira de viver juntos.

Fonte: El país