“Fui demitido hoje da Gazeta do Povo, depois de 18 anos. Minha única ambição é que meus filhos, quando vierem a entender o mundo, achem que as decisões que eu tomei e que me trouxeram até aqui foram acertadas.
De resto, é tentar evitar arrependimentos e rancores, tentar construir coisas novas e um mundo melhor pra essa meninada que está chegando. Fora isso, não tenho muitos planos.
Beijo pra todo mundo que fez parte dessa história. Vocês estão na minha memória sempre. E boa sorte pra quem fica. O jornalismo precisa de vocês”.
Rogério Galindo
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Rogério Galindo, se depender do humilde blog Educar Sem Violência sua dignidade e coragem não cairão no esquecimento. Seu sintético texto de despedida traduz o que sinto neste momento. Como você, tenho poucas ambições e uma delas é exatamente igual a sua: ser absolvida pelos olhos crédulos de minhas filhas. Todos nós pagaremos um preço por defender a verdade nestes dias obscuros de ódio e mentiras. A cada escolha uma sentença, entre ruínas o aconchego dos espíritos solidários e a alegria impagável de deitar a cabeça no travesseiro à noite e dormir o sono dos justos.
Cida Alves
Rogério Galindo publicou na semana da eleição presidencial de 2018 o artigo “A IMPRENSA ELEGEU BOLSONARO AO SER CONIVENTE COM O ÓDIO”. Na semana seguinte foi demitido da Gazeta do Povo, após 18 anos de trabalho como jornalista. Segue abaixo o texto completo do artigo.
A imprensa
elegeu Bolsonaro ao ser conivente com o ódio
O ódio
venceu. O ódio ao diferente, a intransigência com a pluralidade. Venceram a
tortura, a misoginia, a homofobia, o racismo. Venceu o autoritarismo, o
retrocesso de quem quer levar o país de volta ao ponto em que estava “40 ou 50
anos atrás”.
Jair
Bolsonaro não derrotou sozinho o projeto civilizatório do Brasil. Para derrubar
tudo o que se construiu desde 1985, desde a redemocratização, se uniram muitas
forças.
Uniram-se as
forças de segurança, que a democracia jamais soube domar.
Uniram-se as
igrejas ultraconservadoras que não toleram o outro.
Uniram-se os
donos da riqueza do país, que sempre mostraram ódio à democracia.
Mas é
preciso neste momento dar nome aos bois e dizer que uma parte gigantesca da
culpa por este retrocesso cabe aos barões da imprensa brasileira. E aqui cabe
diferenciar entre veículos independentes e veículos do baronato. E cabe
diferenciar entre o chão de fábrica e os donos.
Enquanto os
veículos jovens se esforçaram ao máximo por fazer jornalismo (Nexo, Poder 360,
Livre.Jor), os jornalões se afundaram na conivência com uma candidatura
criminosa.
Jamais num
país decente, com uma imprensa digna do nome, as coisas poderiam ter se passado
como se passaram no Brasil.
Um candidato
não pode defender censura à imprensa, tortura, ditadura e passar incólume como
passou este mero capitão da reserva.
Não é
possível tolerar o intolerável.
Em qualquer
lugar civilizado, o discurso em que o candidato, há uma semana da eleição,
promete mandar para a Ponta da Praia, um centro de tortura e extermínio, os
seus inimigos políticos, teria levado às mais ásperas manchetes, aos editoriais
mais incisivos.
Aqui,
falou-se que o candidato moderou o discurso.
Os
editoriais dos jornais deram vergonha. Os mesmos jornais que foram tigrões
diante de Dilma Rousseff se mostraram tchutchucas deparados com um capitão
torturador.
Fizeram-se
ataques violentos ao petismo, e deixou-se parecer que do outro lado havia um
santo. O santo, senhores, é um bárbaro que defende que se coloquem ratos nas
vaginas de presidiárias, que se chamem filhos para ver a tortura dos pais nus.
O homem que
prometeu fechar o Congresso no primeiro dia de poder chegou à Presidência.
Só a união das forças democráticas nos salvará. Mas, para isso, não contem com os jornais. Eles já mostraram de que lado estão.
Rogério
Galindo
Fonte: DCM, em 5 de novembro de 2018.
Fotos: divulgação\internet
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