10 de nov. de 2018

Por Frei Tito “[...] as pedras gritarão!” - Jean-Claude Rolland e Helvécio Ratton



“Falar, falar de novo, sem fim, da tortura, para restaurar a língua na sua dignidade e plenitude de ferramenta cultural, esta é a tarefa que se nos é exigida – eu deveria dizer: sem querer – e que nos reúne hoje. Batismo de Sangue traz para essa questão uma contribuição essencial e nova, a contribuição própria da escritura cinematográfica que devolve à imagem, à semiótica do visual, um lugar que a palavra, por sua própria abstração, não sabe mais preservar. Apraz-me que a nossa reflexão sobre a tortura se enriqueça com esse novo dado. E quando eu descobri este filme e entendido qual a nova força de testemunho representava, eu pensei, eu também descobri, que era precisamente isso que havia nos motivado, tão logo perdemos o Tito, quando experimentamos o terror de que fosse se perder no esquecimento e na indiferença aquilo que o próprio Tito testemunhara: que na própria continuidade do ‘curar’ e, embora nos deparássemos com o irremediável da destruição psíquica, era imprescindível nos testemunharmos, fazer falar tudo o que Tito havia deixado de marcas indiretas daquilo que havia vivido, as notas espalhadas em seus cadernos, as palavras trocadas aqui e ali com quem ele andava. Mas também seus sintomas tais como a observação clínica os revelara sintomas pelos quais nos convencemos sempre mais de que eram um reflexo da história trágica atravessada pelo sujeito, e não apenas o efeito negativo de uma desestruturação psíquica. Compreender e decifrar todos os detalhes contidos no delírio da vítima como a marca, o rastro das violências sofridas e reconstruir o conjunto da mesma maneira que se compõe um relato para cobrir um acontecido, tal foi a tarefa que nos cabia para salvar a sua memória, na falta de termos sido capaz de salvar o homem. Daí o título que escolhi para esta apresentação ‘Tratar, testemunhar.’
O testemunho como revanche da palavra sobre a impotência que imposta pela prova da tortura”.
Jean-Claude Rolland




“Tratar, testemunhar”, íntegra da palestra proferida pelo psiquiatra francês Jean-Claude Rolland, que cuidou de Frei Tito de Alencar em seu exílio (1974).  Acesse AQUI.

Foto: cena do filme "Batismo de Sangue".

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