“Os oponentes do fascismo — democratas liberais, socialistas, comunistas, economistas marxistas e não marxistas, etc. — procuravam a solução do problema na personalidade de Hitler ou nos erros políticos formais dos vários partidos democráticos da Alemanha. Qualquer das soluções significava reduzir o transbordar do flagelo à miopia individual ou à brutalidade de um só homem. Na realidade, Hitler era meramente a expressão da contradição trágica entre o anseio da liberdade e o medo real à liberdade. O fascismo alemão deixou bem claro que não operava com o pensamento e a sabedoria do povo, mas com as suas reações emocionais infantis. Nem o seu programa político nem qualquer das suas muitas e confusas promessas econômicas levaram o fascismo ao poder e o garantiu aí no período seguinte: mas sim, em grande parte, foi o apelo a um sentimento místico e obscuro, a um desejo vago e nebuloso, mas extraordinário e poderoso. Aqueles que não entenderam isso não entenderam o fascismo que é um fenômeno internacional.
[...]Hitler prometeu liquidar a liberdade individual e estabelecer a "liberdade nacional". Milhões de pessoas trocaram entusiasticamente a possibilidade da liberdade individual por uma liberdade ilusória, isto é, uma liberdade através da identificação com uma idéia. Essa liberdade ilusória livrava-as de toda responsabilidade individual. Suspiravam por uma "liberdade" que o führer ia conquistar e garantir para elas: a liberdade de gritar; a liberdade de fugir da verdade para as mentiras de um princípio político; a liberdade de serem sádicos; a liberdade de jactar-se — a despeito da própria nulidade — de serem membros de uma raça superior; a liberdade de atrair as mulheres com os seus uniformes, em vez de fazê-lo por um sentimento forte de humanidade; a liberdade de sacrificar-se por alvos imperialistas, em vez de sacrificar-se pela luta concreta por uma vida melhor, etc.[...] Brutalidade sádica mais misticismo produzem a mentalidade fascista.”Wilhelm Reich
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Para contribuir com o
debate compartilho um texto de Wilhelm Reich que faz uma interessante discussão sobre o papel da repressão sexual na adesão ao
fascismo.
O irracionalismo
fascista - Wilhelm Reich
Há amplas
evidências para a afirmação de que as revoluções culturais do século vinte são determinadas
pela luta da humanidade ao reclamar as leis naturais da sexualidade. Essa luta
pela naturalidade e pela harmonia entre a natureza e a cultura reflete - se nas
várias formas de anseio místico, de fantasias cósmicas, de sensações
"oceânicas" e êxtases religiosos e, sobretudo, no progresso em
direção à liberdade sexual. Esse progresso é inconsciente, impregnado de
contradições neuróticas e de angústia e se manifesta frequentemente sob as
formas que caracterizam os impulsos perversos secundários. Uma humanidade que
tem sido forçada, por milhares de anos, a negar a sua lei biológica e que, em
conseqüência dessa negação, adquiriu uma segunda natureza - que é uma anti-natureza
pode apenas debater-se em exaltação irracional quando quer restaurar a sua
função biológica básica e, ao mesmo tempo, teme fazê-lo.
A era
autoritária e patriarcal da história humana tentou manter sob controle os
impulsos anti-sociais por meio de proibições morais compulsivas. É dessa
maneira que o homem civilizado, se na verdade pode ser chamado civilizado,
desenvolveu uma estrutura psíquica que consiste em três estratos. Na
superfície, usa a máscara artificial do autocontrole, da insincera polidez
compulsiva e da pseudo-socialidade. Essa máscara esconde o segundo estrato, o
"inconsciente" freudiano, no qual sadismo, avareza, sensualidade,
inveja, perversões de toda sorte, etc., são mantidos sob controle, não sendo
entretanto privados da mais leve quantidade de energia. Esse segundo estrato é
o produto artificial de uma cultura negadora do sexo e, em geral, é sentido
conscientemente como um enorme vazio interior e como desolação. Por baixo
disso, na profundidade, existem e agem socialidade e a sexualidade naturais, a
alegria espontânea no trabalho e a capacidade para o amor. Esse terceiro e mais
profundo estrato, que representa o cerne biológico da estrutura humana, é
inconsciente e temido. Está em desacordo com todos os aspectos da educação e do
controle autoritários. Ao mesmo tempo, é a única esperança real que o homem tem
de dominar um dia a miséria social.
Todas as
discussões sobre a questão de saber se o homem é bom ou mau, se é um ser social
ou anti-social, são passatempos filosóficos. Se o homem é um ser anti-social ou
uma massa de protoplasma reagindo de um modo peculiar e irracional depende de
que as suas necessidades biológicas básicas estejam em harmonia ou em desacordo
com as instituições que ele criou para si. Em vista disso, é impossível
libertar o trabalhador da responsabilidade que carrega para a regulagem, ou
falta de regulagem, da energia biológica, i.e., para a economia social e
individual da sua energia biológica. Uma das suas características mais
essenciais veio a ser essa de sentir-se felicíssimo em atirar a sua
responsabilidade de si mesmo para cima de algum führer ou político — , pois não
se compreende mais e, na verdade, teme a si mesmo e às suas instituições. Está
desamparado, é incapaz para a liberdade e suspira pela autoridade porque não
pode reagir espontaneamente; está encouraçado e quer que se lhe diga o que deve
fazer, pois é cheio de contradições e não pode confiar em si mesmo.
A culta
burguesia européia do século dezenove e do início do século vinte adotou as
formas de comportamento moralistas e compulsivas do feudalismo e transformou-as
no ideal da conduta humana. Desde a aurora do Iluminismo, os homens começaram a
procurar a verdade e a gritar pela liberdade. Enquanto as instituições moralistas
compulsivas governaram o homem — externamente como lei coerciva e opinião
pública, e internamente como ciência compulsiva —, pôde vigorar uma paz
enganosa com irrupções ocasionais do mundo subterrâneo dos impulsos
secundários. Durante esse período, os impulsos secundários permaneceram como
curiosidades, apenas de interesse psiquiátrico. Manifestavam-se como neuroses
sintomáticas, como ações criminosas neuróticas ou como perversões. Quando,
entretanto, as revoluções sociais começaram a despertar no povo da Europa um
desejo de liberdade e de independência, de igualdade e de autodeterminação,
houve também uma urgência interior de libertar o próprio organismo vivo. O iluminismo
social, a legislação — trabalho pioneiro no campo da ciência social — e as
organizações orientadas para a liberdade empenharam-se em pôr a
"liberdade" neste mundo. Após a Primeira Guerra Mundial, que destruiu
muitas instituições autoritárias compulsivas, as democracias européias queriam
"conduzir o povo à liberdade". Mas esse mundo europeu lutando pela
liberdade cometeu um grandíssimo erro de cálculo. Não conseguiu ver o que
milhares de anos de supressão das energias vitais no homem haviam produzido por
baixo da superfície.
Não
conseguiu ver o defeito universal da neurose de caráter.
A séria
catástrofe da chaga psíquica, i.e., a catástrofe dá estrutura irracional do
caráter humano, varreu vastas partes do mundo sob a forma da vitória das ditaduras.
O que o verniz superficial da boa educação e um autocontrole artificial havia refreado
durante tanto tempo irrompia agora em ação, completado pelas próprias multidões
em luta pela liberdade: nos campos de concentração, na perseguição aos judeus,
na aniquilação de toda a decência humana, na destruição sádica e divertida de
cidades inteiras por aqueles que só são capazes de sentir a vida quando marcha o
seu passo de ganso, como em Guérnica, em 1936; na monstruosa traição às massas
por governos autoritários, que alegam representar o interesse do povo; na
submersão de dezenas de milhares de jovens que, ingênua e desamparadamente,
acreditavam estar servindo a uma idéia; na destruição de bilhões de dólares de trabalho
humano: simples fração do que seria suficiente para eliminar a pobreza do mundo
inteiro. Em suma, em uma dança de São Vito que voltará sempre, enquanto aqueles
que trabalham, e que têm o verdadeiro conhecimento, não conseguirem destruir,
dentro de si mesmos e fora de si mesmos, a neurose de massas: a neurose que se
intitula "alta política" e floresce sobre o desamparo caracterológico
dos cidadãos do mundo.
Em
1928-30, ao tempo da controvérsia com Freud, eu sabia muito pouco sobre o
fascismo; quase tão pouco quanto a média dos noruegueses em 1939, ou a média
dos americanos em 1940. Foi só em 1930-33 que comecei a conhecê-lo na Alemanha.
Senti-me desamparadamente perplexo quando redescobri nele, aos poucos, o
assunto da controvérsia com Freud. Gradualmente, compreendi que tinha de ser
assim. Em debate na controvérsia estava a avaliação da estrutura humana e dos
respectivos papéis desempenhados pelo anseio humano de felicidade e pelo irracionalismo
na vida social. No fascismo, tornou-se patente a doença psíquica das massas.
Os
oponentes do fascismo — democratas liberais, socialistas, comunistas,
economistas marxistas e não marxistas, etc. — procuravam a solução do problema
na personalidade de Hitler ou nos erros políticos formais dos vários partidos
democráticos da Alemanha. Qualquer das soluções significava reduzir o
transbordar do flagelo à miopia individual ou à brutalidade de um só homem. Na
realidade, Hitler era meramente a expressão da contradição trágica entre o
anseio da liberdade e o medo real à liberdade. O fascismo alemão deixou bem
claro que não operava com o pensamento e a sabedoria do povo, mas com as suas
reações emocionais infantis. Nem o seu programa político nem qualquer das suas
muitas e confusas promessas econômicas levaram o fascismo ao poder e o garantiu
aí no período seguinte: mas sim, em grande parte, foi o apelo a um sentimento
místico e obscuro, a um desejo vago e nebuloso, mas extraordinário e poderoso.
Aqueles que não entenderam isso não entenderam o fascismo que é um fenômeno internacional.
O
irracionalismo nas ações das massas do povo alemão pode ser ilustrado pelas
seguintes contradições: as massas do povo alemão queriam "liberdade".
Hitler prometeu-lhes autoridade, liderança estritamente ditatorial, com a
exclusão explícita de qualquer liberdade de expressão. Dezessete milhões, em
trinta e um milhões de eleitores, levaram exultantes Hitler ao poder em março de
1933. Aqueles que observavam os acontecimentos com os olhos abertos sabiam que
as multidões se sentiam desamparadas e incapazes de assumir a responsabilidade
da solução dos problemas sociais caóticos, dentro da antiga estrutura política
e do antigo sistema de pensamento. O führer podia fazê-lo, e o faria, por elas.
Hitler
prometeu eliminar a discussão democrática de opiniões. Milhões de pessoas congregaram-se
em torno dele. Estavam cansadas dessas discussões porque essas discussões
haviam sempre ignorado as suas necessidades pessoais diárias, isto é, aquilo
que era subjetivamente importante. Não queriam discussões a respeito do
"orçamento" ou dos "altos interesses partidários". O que
queriam era um conhecimento verdadeiro e concreto a respeito da vida. Não
podendo consegui-lo atiraram-se às mãos de um guia autoritário, e à ilusória
proteção que se lhes prometia.
Hitler
prometeu liquidar a liberdade individual e estabelecer a "liberdade
nacional". Milhões de pessoas trocaram entusiasticamente a possibilidade
da liberdade individual por uma liberdade ilusória, isto é, uma liberdade
através da identificação com uma idéia. Essa liberdade ilusória livrava-as de
toda responsabilidade individual. Suspiravam por uma "liberdade" que
o führer ia conquistar e garantir para elas: a liberdade de gritar; a liberdade
de fugir da verdade para as mentiras de um princípio político; a liberdade de
serem sádicos; a liberdade de jactar-se — a despeito da própria nulidade — de
serem membros de uma raça superior; a liberdade de atrair as mulheres com os
seus uniformes, em vez de fazê-lo por um sentimento forte de humanidade; a
liberdade de sacrificar-se por alvos imperialistas, em vez de sacrificar-se
pela luta concreta por uma vida melhor, etc.
O fato de
que milhões de pessoas foram sempre ensinadas a reconhecer uma autoridade
política tradicional, em vez de uma autoridade baseada no conhecimento dos
fatos, constituiu a base sobre a qual a exigência fascista de obediência pôde
agir. Por isso, o fascismo não era uma nova filosofia de vida, como os seus
amigos e muitos dos seus inimigos queriam fazer o POVO acreditar; ainda menos tinha
qualquer coisa que ver com uma revolução racional contra condições sociais
intoleráveis. O fascismo é meramente a extrema conseqüência reacionária de
todas as anteriores formas não democráticas de liderança dentro da estrutura do
mecanismo social. Mesmo a teoria racial não era nada nova; era apenas a
continuação lógica e brutal das velhas teorias da hereditariedade, e da degeneração.
Por isso, foram precisamente os psiquiatras orientados para a hereditariedade e
os eugenicistas da velha escola que se mostraram tão acessíveis à ditadura.
O que era
novo no movimento fascista das massas era o fato de que a extrema reação
política conseguiu usar os profundos desejos de liberdade das multidões. Um anseio intenso de liberdade por parte das
massas mais o medo à responsabilidade que a liberdade acarreta produzem a
mentalidade fascista, quer esse desejo e esse medo se encontrem em um
fascista, ou em um democrata. Novo no fascismo era que as massas populares
asseguraram e completaram a sua própria submissão. A necessidade de uma
autoridade provou que era mais forte que a vontade de ser livre.
Hitler
prometeu a supremacia do homem. As mulheres seriam relegadas para o plano da
casa e da cozinha; ser-lhes-ia negada a possibilidade de independência
econômica e seriam excluídas do processo de formação da vida social. As
mulheres, cuja liberdade pessoal havia sido esmagada durante séculos, que haviam
desenvolvido um medo especialmente forte de levar uma existência independente,
foram as primeiras a aclamá-lo.
Hitler
prometeu a destruição das organizações democráticas socialistas e burguesas.
Milhões de pessoas, democratas, socialistas e burguesas, congregaram-se em
torno dele porque, embora as suas organizações falassem muito a respeito de
liberdade, nunca haviam sequer mencionado o difícil problema da ânsia humana de
autoridade e do desamparo das massas na prática política. As massas populares
haviam sido desapontadas pela atitude irresoluta das velhas instituições
democráticas. O desapontamento por parte
de milhões de pessoas quanto às organizações liberais mais a crise econômica
mais um irresistível desejo de liberdade produzem a mentalidade fascista, i.e., o desejo de entregar-se a uma figura autoritária de
pai.
Hitler
prometeu uma guerra sem quartel contra o controle da natalidade e o movimento
de reforma sexual. Em a Alemanha compreendia umas quinhentas mil pessoas
membros de organizações que lutavam por uma reforma sexual racionais. Mas essas
organizações sempre recuavam ante o elemento central do problema — o desejo de felicidade
sexual. Anos de trabalho entre as massas populares ensinaram-me que é
precisamente esse o problema que querem que se discuta. Desapontavam-se quando
lhes faziam palestras eruditas sobre a demografia em vez de ensinar-lhes como
deveriam educar 03 filhos para serem vitalmente ativos; como deveriam os adolescentes
enfrentar as suas necessidades sexuais e econômicas; e como deveriam as pessoas
casadas tratar os seus conflitos típicos. As massas populares pareciam sentir
que as sugestões a respeito das "técnicas de amor" tais como as que
lhes dava Van de Velde, embora fossem um bom negócio, não tinham realmente nada
que ver com o que procuravam, nem eram atraentes. E aconteceu que as
desapontadas massas populares congregaram-se em torno de Hitler, que — embora misticamente
— recorria às suas forcas vitais. A
pregação a respeito da liberdade conduz ao fascismo a menos que se faça um
esforço decidido e consistente para inculcar nas multidões uma vontade firme de
assumir a responsabilidade da vida de todos os dias; e a menos que haja, uma
luta igualmente decidida e consistente para estabelecer as precondições sociais
dessa responsabilidade.
Durante
décadas, a ciência alemã estivera lutando pela separação do conceito de
sexualidade do conceito de procriação. Essa luta não conseguira dar resultados
para as massas trabalhadoras, porque era de natureza puramente acadêmica e,
portanto, sem efeito social. Agora Hitler chegava e prometia tornar a idéia da
procriação, e não a felicidade no amor, o princípio básico do seu programa cultural.
Educados para envergonhar-se de chamar as coisas pelo nome, obrigados por todas
as facetas do sistema social a dizer "procriação eugênica superior"
quando queriam significar "felicidade no amor", as massas
congregaram-se em torno de Hitler, pois ele juntara ao velho conceito uma
emoção forte, embora irracional. Conceitos reacionários mais excitações revolucionárias
produzem sentimentos fascistas. A Igreja havia pregado "felicidade no outro
mundo" e, valendo-se do conceito do pecado, implantara profundamente na
estrutura humana uma desamparada dependência de uma figura sobrenatural e
onipotente! Mas a crise econômica mundial entre 1929 e 1933 defrontou as massas
populares com amarga pobreza mundial. Não lhes era nem social nem
individualmente possível dominar essa pobreza por si mesmos. Hitler apareceu e
declarou ser um führer mundial, onipontente e onisciente, enviado por Deus, que
poderia afastar essa miséria do mundo. A cena havia sido preparada para dirigir
para ele novas multidões de pessoas encerradas entre o seu próprio desamparo individual
e a satisfação real mínima que lhes proporcionava a idéia de uma felicidade no
outro mundo. Por isso, um deus terreno que os fazia gritar — "Heil" —
com toda a sua força tinha maior significado emocional do que um Deus que nunca
podiam ver e que não os ajudava mais, nem mesmo emocionalmente. Brutalidade sádica mais misticismo produzem
a mentalidade fascista.
Durante
anos, a Alemanha havia lutado nas suas escolas e universidades pelo princípio
de um sistema escolar liberal, pela atividade espontânea e pela
autodeterminação dos estudantes. Na ampla esfera da educação, as autoridades
democráticas responsáveis agarraram-se ao princípio autoritário, que instilava
no estudante um medo à autoridade e, ao mesmo tempo, o incitava a entregar-se a
formas irracionais de rebelião. As organizações educacionais liberais não
desfrutavam de nenhuma proteção social. Pelo contrário, eram totalmente
dependentes do capital privado, além de estarem expostas a graves perigos. Não
era de surpreender, portanto, que esses movimentos incipientes em direção à
reestruturação não compulsiva das massas populares permanecessem reduzidos como
uma gota no oceano. A juventude congregava-se em torno de Hitler, aos milhares.
Ele não lhes impunha qualquer responsabilidade; apenas construiu sobre as suas
estruturas, que haviam sido previamente moldadas pelas famílias autoritárias.
Hitler estava vitorioso no movimento da juventude porque a sociedade
democrática não havia feito tudo o que fora possível para educar o jovem no
sentido de levar uma vida responsável e livre.
No lugar da
atividade espontânea, Hitler prometeu o princípio da disciplina compulsiva e do
trabalho obrigatório. Vários milhões de trabalhadores e empregados alemães
votaram em Hitler. As instituições democráticas não apenas não haviam conseguido
enfrentar o desemprego mas, quando ele sobreveio, se haviam mostrado claramente
temerosas de ensinar as multidões trabalhadoras, a assumir a responsabilidade
pela realização do seu trabalho. Educados para não entender nada a respeito do
processo do trabalho (impedidos, na verdade de entendê-lo), acostumados a ser
excluídos do controle da produção, e a receber, apenas, o seu salário, esses
milhões de trabalhadores e empregados podiam aceitar facilmente o velho
princípio, de forma intensificada. Podiam agora identificar-se com "o
estado" e "a nação", que eram "grandes e fortes".
Hitler declarou abertamente nos seus escritos e nos seus discursos que, porque
as massas populares eram infantis e femininas, apenas repetiam o que era
incutido nelas. Milhões de pessoas o aclamaram, pois aí estava um homem que
queria protegê-las.
Hitler
exigiu que toda a ciência fosse subordinada ao conceito de "raça".
Extensos ramos da ciência alemã submeteram-se à sua exigência, pois a teoria da
raça estava enraizada na teoria metafísica da hereditariedade. Essa é a teoria
que, com os seus conceitos de "substâncias herdadas" e "predisposições",
havia repetidamente permitido à ciência fugir à responsabilidade de entender as
funções da vida no seu estado de desenvolvimento e de compreender realmente a
origem social do comportamento humano. Acreditava-se que, ao considerar o
câncer, a neurose ou a psicose como hereditários, se afirmava algo da maior
importância. A teoria fascista da raça é
apenas uma extensão das convenientes teorias da hereditariedade.
Dificilmente
podia haver outro dogma do fascismo alemão tão capaz de inspirar milhões de pessoas
quanto o do "despertar do sangue alemão" e da sua "pureza".
A pureza do sangue alemão significava livrar-se da "sífilis" e da
"contaminação judia". Em cada um de nós, e em todos nós, há um
profundo medo às doenças venéreas; é conseqüência da angústia genital da
infância. Por isso, é compreensível que multidões de pessoas se congregassem em
torno de Hitler, que lhes prometia a "pureza do sangue". Todo ser
humano percebe em si mesmo aquilo que se chama de "sentimentos oceânicos
ou cósmicos". A seca ciência acadêmica sentia-se orgulhosa demais para
ocupar-se com semelhante misticismo. Esse anseio cósmico ou oceânico que as
pessoas sentem não é senão a expressão do seu desejo orgástico pela vida.
Hitler fez um apelo a esse desejo, e é por essa razão que as multidões o
seguiram, e não aos secos racionalistas, que tentavam sufocar esses vagos
sentimentos de vida com estatísticas econômicas.
Desde os
tempos antigos, a "preservação da família" fora, na Europa, um
abstrato chavão, por trás do qual se escondiam os pensamentos e ações mais
reacionários. Alguém que criticasse a família autoritária compulsiva, e a
distinguisse do relacionamento natural de amor entre os filhos e os pais, era
um "inimigo da pátria", um "destruidor da sagrada instituição da
família", um anarquista. A medida que a Alemanha se foi tornando cada vez
mais industrializada, os laços familiais entraram em agudo conflito com essa
industrialização coletiva. Não havia uma só organização oficial que ousasse
apontar aquilo que era doentio na família, e resolver o problema da repressão
das crianças pelos pais, dos ódios familiais, etc. A família alemã autoritária
típica, particularmente no campo e nas cidades pequenas, incubava a mentalidade
fascista, aos milhões. Essas famílias moldavam a criança de acordo com o modelo
do dever compulsivo, da renúncia, da obediência absoluta à autoridade, que
Hitler sabia como explorar tão brilhantemente. Apoiando a "preservação da
família" e, ao mesmo tempo, afastando o jovem — da família para os grupos
da juventude —, o fascismo levava em consideração tanto os laços familiais
quanto a rebelião contra a família. Salientando a identidade emocional entre
"família", "nação" e "estado", fascismo tornou
possível uma transirão suave da estrutura da família para a estrutura do estado
fascista. É verdade que nem um só problema da família, nem as necessidades
reais da nação eram resolvidos por essa transição: mas esta permitia a milhões
de pessoas transferirem os seus latos da família compulsiva para a
"família" maior, a "nação". O fundamento estrutural dessa
transferência havia sido bem preparado durante milhares de anos. A "Mãe
Alemanha" e o "Deus Pai Hitler" tornaram-se os símbolos de
emoções infantis profundamente arraigadas. Identificados com a "forte e
única nação alemã", cada cidadão, por mais estranho ou miserável que se
sentisse, podia significar algo, mesmo que fosse de uma forma ilusória. Finalmente,
o interesse da "raça" era capaz de absorver e de dissimular as fontes
soltas da sexualidade. Adolescentes podiam entregar-se agora às relações
sexuais se alegassem estar propagando filhos no interesse do aperfeiçoamento
racial.
Não apenas
as forças vitais naturais do homem permaneciam soterradas, era agora obrigado a
expressar-se de maneira muito mais disfarçada que antes. Como resultado dessa "revolução
do irracional", houve na Alemanha mais suicídios e miséria
higiênico-social do que nunca. A morte de dezenas de milhares de criaturas na
guerra em honra da raça alemã constitui a apoteose da dança das feiticeiras.
A
perseguição aos judeus fazia par te integrante dos anseios de "pureza do
sangue", i.e., de purificarão dos pecados. Os judeus tentaram explicar ou
provar que também tinham códigos estritamente morais, que também eram
nacionalistas, que também eram "alemães". Antropólogos que se opunham
a Hitler invocaram as medidas cranianas numa tentativa de provar que os judeus
não constituíam uma raça inferior. Cristãos e historiadores tentaram explicar
que Jesus era judeu. Na perseguição aos judeus, entretanto, não havia lugar
para as questões racionais, i.e., não se tratava de saber se os judeus também
eram decentes, se constituíam uma raça inferior, ou se tinham índices cranianos
aceitáveis. Esses aspectos não
interessavam absolutamente. Era outra coisa; inteiramente. Foi nesse ponto
preciso que a consistência e a exatidão do pensamento econômico-sexual provaram
a sua validez.
Quando o
fascista diz "judeu", designa uma sensação irracional definida.
Irracionalmente, o "judeu" representa o "fazedor de
dinheiro", o "usurário", o "capitalista". Isso foi
confirmado pelo tratamento psicológico de profundidade de judeus e não judeus,
igualmente. Em nível mais profundo, o conceito de judeu significa
"sujo", "sensual", "bestialmente sexual", mas
também "Shylock", "castrador", "assassino". Como
o medo à sexualidade natural é tão profundamente enraizado como o horror à
sexualidade perversa, é facilmente compreensível que a perseguição aos judeus,
habilmente executada, excitasse os mais profundos mecanismos de defesa sexual
de um povo educado de modo sexualmente aberrante. Lançando mão do conceito
"judeu" era possível incorporar plenamente a atitude anti-sexual e
anticapitalista das massas populares ao mecanismo do dilúvio fascista. O anseio
inconsciente do prazer sexual na vida e da pureza sexual, unido ao medo da
sexualidade natural e ao horror da sexualidade perversa, produz o fascismo e o sadismo
anti-semita. Francês para o alemão tem o mesmo significado que judeu e negro
têm para o inglês inconscientemente fascista. Judeu, francês e negro são
palavras que significam “sexualmente sensuais”.
Esses são os
fatores inconscientes que permitiram que o moderno propagandista sexual do século
vinte, o psicopata sexual e pervertido criminoso Julius Streicher, pusesse o
seu Der Stürmer nas mãos de milhões de adolescentes e adultos alemães. Nas
páginas do Der Stürmer, mais que em qualquer outra parte, ficou claro que a
higiene sexual deixara de ser um problema das sociedades médicas; tornara-se
muito mais uma questão de decisiva significação social. Os seguintes exemplos da
imaginação de Streicher serão suficientes para esclarecer esse ponto. Os
exemplos são de edições do Stürmer publicadas em 1934:
Helmut Daube, vinte anos, havia justamente
completado o seu primeiro ano na universidade. Pelas duas da manhã voltou para
casa. Às cinco da manhã, os pais o encontraram morto na rua, diante do edifício
de apartamentos onde moravam. A garganta lhe fora cortada até a nuca, e o pênis
fora retirado. Não havia sangue. As mãos do infeliz garoto haviam sido
cortadas. Fora apunhalado várias vezes no abdômen.
Um dia, o velho judeu lançou-se sobre a
desprevenida garota não-judia no sótão, violou-a e insultou-a. Depois, entrava
sorrateiramente no quarto dela, cuja porta não tinha trinco.
Um casal jovem foi dar um passeio fora de
Paderborne encontrou no caminho um pedaço de carne. Examinando-o, descobriram
horrorizados que se tratava de uma parte genital habilmente removida de um
corpo feminino.
O judeu havia cortado o corpo em pedaços de uma
libra. Junto com o pai, espalhara os pedaços por toda a área, e esses pedaços
foram encontrados num bosquezinho, nos campos, nos córregos, numa lagoa, num
riacho, num cano de esgoto e na fossa negra. Os seios cortados foram
encontrados no palheiro.
Enquanto Moisés estrangulava, a criança com um
lenço, Samuel lhe cortou um pedaço do rosto com uma faca. Os outros recolhiam o
sangue em uma bacia e ao mesmo tempo espetavam a vítima nua com agulhas...
A resistência da mulher não conseguia esfriar-lhe a
concupiscência. Pelo contrário. Ele tentou fechar a janela para impedir que os
vizinhos olhassem para dentro. Então, tocou novamente a mulher de modo vil, de
um modo tipicamente judeu... Tentava insistentemente convencer a mulher a não
ser tão melindrosa. Fechou todas as portas e janelas. As suas palavras e os
seus atos se tornaram cada vez mais vergonhosos. Foi encurralando cada vez mais
a vítima, cujos protestos eram todos vãos. Ele ria, até, das suas tentativas de
gritar por socorro. Empurrava-a cada vez mais para cima da cama. Verbalmente, agredia-a
com as palavras mais vis e mais obscenas. E então, lançou-se como um tigre
sobre o corpo da mulher e completou o seu trabalho diabólico.
Até aqui,
muitos leitores desse diário acreditavam, sem dúvida, que se estava exagerando
ao falar da chaga psíquica. Posso apenas garantir-lhes que não estou
introduzindo com leviandade esse conceito, nem simplesmente como uma sutil
figura de linguagem. Levo-o muito a sério. Durante os últimos sete anos, o Stürmer
não apenas confirmou efetivamente um milhão de vezes a angústia de castração genital
na população alemã e noutras populações que o leram. Além disso, excitou e
nutriu as fantasias perversas que dormem em todos nós. Após a queda dos
principais perpetuadores da chaga psíquica na Europa, restará saber como lidar
com o problema. Não é um problema alemão, mas um problema internacional, pois o
desejo de amor e o medo à genitalidade são fatos internacionais. Na
Escandinávia fui procurado por adolescentes fascistas que haviam conseguido preservar
um traço de sentimento natural pela vida; perguntaram-me que atitude deviam
assumir em relação a Streicher, à teoria racial e a outras
"sutilezas". Havia algo que não estava muito certo, disseram. Resumi
as medidas necessárias em um sumário muito curto, que desejo inserir aqui:
O que é que
deve ser feito?
Em geral: Essa
corrupção reacionária deve ser combatida por uma explicação bem organizada e objetivamente
correta das diferenças entre sexualidade doente e sexualidade sã. Toda pessoa
comum entenderá essa diferença porque a sente instintivamente. Toda pessoa
comum se envergonha das suas idéias perversas e patológicas a respeito do sexo,
e deseja explicação, ajuda e satisfação sexual natural.
Temos de
explicar e ajudar!
1) Reunir todo o material que mostre imediatamente o caráter pornográfico do streicherismo a qualquer pessoa de bom senso. Publicar esse material em folhetos. O interesse sexual são das massas deve ser despertado, tornado consciente e defendido.2) Reunir e publicar todo material que mostre à população que Streicher e os seus cúmplices são psicopatas e estão cometendo crimes graves contra a saúde da nação! Há Streichers por toda parte neste mundo.3) Expor o segredo da influência de Streicher sobre as massas: ele provoca fantasias patológicas. O povo comprará de boa vontade, e lerá, um material educacional bom.4) A sexualidade patológica que constitui o campo da teoria racial de Hitler e dos crimes de Streicher pode ser combatida mais eficazmente mostrando-se ao povo os processos e os modos sãos do comportamento na vida sexual.O povo compreenderá imediatamente essa diferença e demonstrará um interesse ansioso por ela, uma vez que tenha entendido o que é que realmente quer e tem medo de dizer; entre outras coisas:a) A sexualidade sã e satisfatória pressupõe incondicionalmente a possibilidade de ficar sozinho e tranqüilo com o companheiro amado. Assim, é necessário proporcionar aposentos isolados a todos os que estejam precisando deles, inclusive aos jovens.b) A satisfação sexual não é idêntica à procriação. A pessoa sã têm relações sexuais mais ou menos umas três ou quatro mil vezes durante a sua vida, mas em média apenas dois ou três filhos. Anticoncepcionais são absolutamente necessários para a saúde sexual.c) Por causa da sua educação sexualmente defeituosa, a grande maioria dos homens e mulheres é sexualmente perturbada, i.e., permanece insatisfeita durante as relações sexuais. Assim, é necessário instalar um número suficiente de clínicas para tratar as perturbações sexuais. Uma educação sexual que seja sexualmente afirmativa e racional é imprescindível.d) O jovem se torna doente pelos seus conflitos decorrentes da masturbação. Só a satisfação que é livre de sentimentos de culpa, não é prejudicial à saúde do indivíduo. A abstinência sexual prolongada é definitivamente nociva. As fantasias patológicas desaparecem apenas com a sexualidade satisfatória.Lute por esse direito!
Sei que os
folhetos e os esclarecimentos sozinhos não são o bastante. O que é necessário é
um trabalho geral, socialmente protegido, sobre a estrutura humana que produz a
chaga psíquica e torna possível aos psicopatas agirem como ditadores e modernos
propagandistas sexuais, que envenenam a vida de todos nós. Em suma, o que é
necessário é efetivar a liberação e a proteção social da sexualidade natural
das massas populares.
Em 1930, a
sexualidade humana era uma Cinderela social, um assunto discutido por
discutíveis grupos de reforma. Agora, em 1940, tornou-se um problema social fundamental.
É certo que o fascismo obteve sucesso na exploração irracional dos desejos
sexuais de vida de milhões de pessoas e que, tendo-o feito, criou o caos; então
também deve ser certo que as perversões que permitiu que se soltassem podem ser
dominadas através da solução universal racional do problema sexual.
Na sua
profusão de problemas de higiene mental, os acontecimentos na Europa, entre
1930 e 1940, confirmaram a posição que eu tomara nas minhas discussões com
Freud. O que havia de mais doloroso nessa confirmação era a impotência que eu
sentia e a convicção que tinha de que a ciência natural estava muito longe de compreender
o que, neste livro, chamo "cerne biológico" da estrutura do caráter.
De modo
geral, como indivíduos, como médicos e também como professores, a nossa posição
no que diz respeito aos desvios biológicos da vida é tão desvalida quanto era a
posição dos homens da Idade Média em relação às doenças infecciosas. Ao mesmo
tempo, temos a certeza de que a experiência da chaga fascista mobilizará as
forças mundiais necessárias para a solução desse problema da civilização.
Os fascistas
afirmam estar efetuando a "revolução biológica". A verdade é que o
fascismo evidencia totalmente o fato de que a função vital no homem se tornou
neurótica. Do ângulo das populações que o seguem, um desejo inflexível de vida
está, sem dúvida, em jogo no fascismo. Mas as formas pelas quais esse desejo de
vida se tem manifestado revelam claramente demais as conseqüências de uma
antiga escravidão psíquica. No fascismo,
apenas os impulsos perversos vieram à tona. O mundo pós-fascista efetuará a
revolução biológica que o fascismo não realizou, mas tornou necessária.
Os capítulos
seguintes deste livro tratam das funções do "cerne biológico". A sua
compreensão científica e o seu domínio social serão o resultado de um trabalho
racional, de uma ciência atuante e da função natural do amor; o resultado de
esforços coletivos e genuinamente democráticos. O objetivo desses esforços
coletivos é a felicidade terrena, material e sexual de milhões de pessoas.
Acesse o PDF do Livro "A Função do Orgasmo" de Wilhelm Reiche AQUI
Fonte da ilustração
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