Carlos Eduardo Zuma*
Alguém já disse que todo sofrimento emocional decorre da impossibilidade de dar sentido a um fato que nos ocorre na vida. Perdas abruptas costumam atordoar pelo inesperado. Tragédias como a de Realengo, causadas por um outro ser humano, um semelhante, nos derrubam pelo inominável, pelo incompreensível.
Não se trata de um desastre natural, como a sequência de outras tantas tragédias, locais e planetárias, que temos vivido e acompanhado nos últimos tempos. Alguns desses desastres foram agravados pela irresponsabilidade de seres humanos, como a negligência de autoridades que fecham os olhos para moradias irregulares que desabam atingidas por deslizamentos de encostas. Ainda assim, atribuímos às forças incomensuráveis e incontroláveis da natureza a causa da tragédia e nos conformamos. Mas, diante da invasão aparentemente imotivada e do assassínio aparentemente a esmo de crianças inocentes dentro de uma escola, saímos quais baratas tontas, lançando mão de todos os clichês e das explicações mais facilmente alcançáveis e disponíveis, nomeando o assassino como monstro, animal, psicopata ou lhe imputando qualquer atributo que o torne muito diferente de nós mesmos e dos que nos são queridos. E expurgamos qualquer possibilidade mínima de identificação com um ser cujas atitudes rejeitamos e abominamos. Rapidamente identificamos uma causa para o fato, que, nesse caso, pode ser a falta de segurança e de policiamento, a disponibilidade das armas, a dificuldade de tratamento psiquiátrico digno, a discriminação de gênero, o bullying, o fundamentalismo religioso, o descaso do governo com a educação, o desamor, o isolamento, ...
A atitude, longe de ser reprovável, é necessária. Precisamos dar sentido ao que está desprovido dele. Precisamos encontrar uma narrativa que acomode o acontecido. Por isso, o tema é recorrente em todas as conversas que estabelecemos e com quase todos que encontramos ao longo de um dia como o de hoje, o dia seguinte.
A resiliência é a capacidade que temos de nos recompor após o sofrimento de um trauma. Alguns têm mais, outros menos. Ajuda muito quando temos com quem falar, com quem trocar, com quem chegar a formular explicações compartilhadas que, em algum momento, aceitamos de fato como explicação, como resposta. A dor imensa ganha trégua, se apazigua, cala. Com sorte, sublimamos, elevamos o sentido que atribuímos ao que nos aconteceu, conectando-o com algo maior, transcendente.
Porém, se quisermos mais do que dar sentido ao fato, se quisermos deixar o sentimento de desproteção, de impotência, de perplexidade e revolta que nos invade nesse momento, se quisermos recuperar a autoria das nossas vidas, temos que agir. Não sobre o que passou, obviamente, mas sobre sua possibilidade de repetição no futuro, se permitirmos. Para isso, precisamos, sim, identificar sua causa ou suas causas. Porém, sem cair nos extremos, ou seja, nem simplificar a explicação, reduzindo-a uma só causa, pois, nesse caso, as soluções decorrentes seriam inócuas, nem querer abarcar todos os seus múltiplos fatores, pois isso, fatalmente, nos levaria à paralisia.
E, mais do que isso, precisamos de explicações que nos envolvam, para encontrarmos soluções que nos impliquem. Se buscarmos explicações que culpe só o outro, seja este outro o governo, uma ideologia, uma crença, uma postura, estamos fadados ao insucesso, pois não mudamos ninguém a não ser a nós mesmos.
Monstros não se criam sozinhos. Eles são o resultado de um meio, de uma teia que conecta a todos nós. Eles são parte de nós. Se não encararmos isso estaremos nos iludindo. O caminho para nos implicarmos e nos comprometermos com as possíveis soluções é nos perguntarmos: que mundo eu quero para nós e nossos filhos? E o que estou disposto a fazer para construir este mundo? Com o quê me comprometo? Que valores tenho, conservo e dissemino? Que adultos quero que nossas crianças se tornem? E o que tenho contribuído para que elas sigam este caminho? Tenho só instruído ou me ofereço como exemplo? Tenho possibilitado que as crianças reflitam e desenvolvam tolerância e respeito pelas diferenças ou propiciado atitudes egoístas e autorreferentes?
Não existem soluções mágicas e fáceis. Temos que cobrar das autoridades que nos deem segurança e policiamento; precisamos banir as armas dos nossos lares; apoiar a continuidade da reforma psiquiátrica para que as famílias de portadores de doença mental tenham apoio para tratar seus membros com dignidade e eficácia; devemos promover equidade de gênero, rejeitar qualquer tipo de discriminação e atitudes de intolerância e exigir educação de qualidade para todos. Uma educação não só de conteúdo, voltada para o desempenho profissional, mas que promova uma “inteligência relacional”. E, sobretudo, abolir a violência como forma de educar nossas crianças, pois é dentro de casa que a violência é aprendida. Mais do que nunca precisamos entender, de uma vez por todas, que a paz no mundo se inicia dentro de nossas casas.
*Carlos Eduardo Zuma, psicólogo, terapeuta de família, Instituto Noos.
Escrito em 09 de março de 2011.
Querida amiga: obrigado por postar o texto de Eduardo Zuma, acho muito valioso e importante de divulgar.
ResponderExcluirCariños, Eugenia