NOTA
PÚBLICA
O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – CONANDA, no uso da atribuição que lhe confere a Lei n° 8.242, de 12 de outubro de 1991, como órgão formulador e controlador da política de proteção integral a criança e ao adolescente, diante dos reiterados episódios de estupro coletivo envolvendo meninas adolescentes, vem a público manifestar o que segue:
1. A
Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção dos
Direitos da Criança da ONU (ratificada pelo Brasil em 1990) estabeleceram o
direito de crianças e adolescentes de serem protegidos contra qualquer forma de
violência, sendo função do Estado, da família e da sociedade garantir a sua
proteção integral, e a sua condição de sujeito de direitos.
2.
Nesse
sentido, o CONANDA manifesta sua total e irrestrita solidariedade às vítimas e
suas famílias, denunciando a perversidade dos crimes cometidos e a necessidade
de adoção pelo Estado brasileiro de medidas urgentes, exemplares e efetivas
para o atendimento adequado dos casos em tela, atuando ainda para coibir novas
situações como essas.
3.
A
violência sexual é um fenômeno complexo, permeado por múltiplas causas, e que
atinge de maneira grave meninas na fase da adolescência, gerando reflexos no
seu desenvolvimento psíquico, emocional e da própria sexualidade, deixando
marcas muitas vezes por toda a vida. Tal forma de violência se revela nas
relações desiguais de poder entre crianças e adolescentes e adultos e também
está permeada pelas desigualdades socioeconômicas e de gênero presentes na
sociedade. Além disso, demonstra a permissividade da sociedade em relação à
objetificação do corpo feminino, à erotização precoce de meninas e ao que vem
sendo chamado de cultura do estupro.
4.
Os
diversos casos de estupros coletivos ocorridos nos últimos anos, notadamente
nos estados da Bahia, Piauí (2015 e 2016) e Rio de Janeiro (2016), Distrito
Federal (2016), revelam que, apesar de o estupro ser uma conduta tipificada
criminalmente, é sobre as vítimas que recai o ônus pela sua autoproteção, o que
busca imputar a elas a responsabilidade pela violência sofrida.
5.
O
reconhecimento da existência dos diferentes elementos que compõem o problema da
violência sexual contra crianças e adolescentes (e que criam ou agravam
contextos de vulnerabilidade) é fundamental para o enfrentamento do problema,
no sentido de combate aos crimes sexuais, mas também na elaboração e execução
de políticas públicas de proteção às vítimas e às suas famílias. Pois, se por
um lado o ordenamento jurídico brasileiro buscou abarcar a proteção desses
sujeitos de forma bastante ampla, por outro a concretização desses direitos, no
campo da investigação, da responsabilização judicial e do atendimento pela rede de proteção social ainda necessitam de maior
aperfeiçoamento.
6.
O
CONANDA manifesta, nesse tocante, sua preocupação com o fato de a maioria das
delegacias de polícia do País demonstrarem incapacidade de assegurar os
direitos de cidadãos e cidadãs, inclusive crianças e adolescentes, que buscam
auxílio e proteção. E, diante disso, considera-se urgente e necessário o
compromisso das autoridades públicas com a ampliação da rede de delegacias
especializadas de atendimento a crianças e adolescentes vítimas e a adolescentes
acusados de atos infracionais, com garantia de estrutura e formação continuada
dos profissionais, inclusive nas delegacias não especializadas.
7.
Além
disso, é urgente a promoção de políticas públicas por parte do Estado
brasileiro que possam nortear e construir diretrizes para o atendimento em
casos análogos, capacitando os agentes públicos para uma abordagem adequada e
não revitimizadora, condizente com o estágio de desenvolvimento desses
sujeitos.
8.
A
revitimização, tomado como exemplo o caso ocorrido em maio de 2016 no Rio de
Janeiro, revelou-se na incapacidade das autoridades às quais coube a condução
inicial do caso em deter a exposição midiática dos fatos e da história de vida
da vítima. Chegou-se, ainda, ao extremo de colocar em dúvida suas palavras, a
despeito dos vídeos chocantes veiculados pela internet, que inclusive a
expuseram ainda mais, violando novamente seus direitos.
9.
Manifestamos,
enquanto instância nacional de controle e promoção de políticas públicas
protetivas dos direitos da infância e adolescência, total repúdio ao processo
de revitimização ao qual essas vítimas foram submetidas, por meio de oitivas
realizadas por autoridades investigativas sem qualquer preocupação com o
acolhimento do sofrimento psíquico experimentado. O tratamento esperado para
oitiva de crianças e adolescentes vítimas de violência é aquele que está
pautado por uma postura de acolhimento e respeito aos direitos humanos desses
indivíduos por parte dos agentes públicos responsáveis pelo seu atendimento, evitando
a repetição desnecessária dos fatos vivenciados, a descrença na palavra da
vítima, a relativização da violência sofrida, que só contribuem para a geração
de traumas adicionais ao já experimentado.
10. Além disso, consideramos que é fundamental
uma rigorosa apuração dos fatos ocorridos e a punição imediata dos responsáveis
em todos os casos. Ao lado do atendimento humanizado, o processo de
responsabilização e o enfrentamento da impunidade são elementos essenciais para
viabilizar a superação dos traumas vividos pelas vítimas e suas famílias,
possibilitando-lhes a construção de novas perspectivas de vida.
Brasília,
9 de junho de 2016. CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
CONANDA
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