15 de jun. de 2016

As 5 poderosas declarações da vítima do estupro de Stanford que todos deveríamos ler - Almudena Martín\El país


E, por último, a todas essas garotas, estou com vocês. Nas noites quando se sentirem sozinhas, estou com vocês. Quando as pessoas duvidam de vocês e as depreciam, estou com vocês. Luto todos os dias por vocês. Não deixem de lutar, acredito em vocês.

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Brock Turner, o ex-nadador de Stanford, foi condenado a seis meses de prisão
Jovem de 23 anos publica carta em que descreve o impacto que o ataque teve sobre ela

O despertar no hospital

Eu abaixei as calças que me haviam dado no hospital, ia tirar a calcinha e não senti nada. Ainda me lembro da sensação de minhas mãos tocando minha pele. Olhei para baixo e não havia nada. A peça fina de tecido, a única coisa que havia entre minha vagina e todo o resto, havia desaparecido e tudo dentro de mim fora silenciado. Ainda não tenho palavras para descrever essa sensação. Foi então que senti as agulhas de folhas de pinheiros arranhando a parte de trás de meu pescoço, até meu cabelo.

Minhas roupas foram confiscadas. Estava de pé e nua enquanto as enfermeiras mediam as contusões e me fotografavam. Enquanto isso, três pessoas tiravam a seis mãos as agulhas de pinheiros de meu cabelo até encher um saco de papel. Inseriram vários bastonetes em minha vagina e no ânus e me picaram com agulhas enquanto uma Nikon focava minhas pernas abertas. Mancharam minha vagina com uma tinta azul e fria para comprovar se havia contusões. Depois de algumas horas, deixaram-me tomar banho. Sob o jorro de água examinei meu corpo. E foi então que decidi que não queria mais meu corpo. Estava aterrorizada com meu próprio corpo. Não sabia o que tinha acontecido, me sentia contaminada. Queria deixar meu corpo no hospital com todo o resto.

A luta contra o sistema Judiciário

Quando me disseram que tínhamos de estar preparadas para o caso de não ganhar, pensei: não posso preparar-me para isso. Ele era culpado no momento em que acordei. Ninguém pode falar da dor que me causou. O pior de tudo é que ele agora sabe que não lembro dele e vai escrever seu próprio roteiro. Ele pode dizer o que quiser e ninguém pode opor-se a ele. Eu não tinha poder, não tinha minha voz, estava indefesa. Minha perda de memória seria usada contra mim. Meu testemunho era frágil, era incompleto e me fez crer que talvez eu não era suficiente para ganhar. O advogado dele lembrava constantemente o júri que o único em quem poderiam acreditar era Brock [Turner, condenado a seis meses de prisão], porque ela não se lembra dele. Essa impotência era traumatizante.

Nota: se uma garota cai, ajude-a a se levantar. Se está bêbada demais para caminhar e continua caindo, não monte sobre ela

O consentimento

Disse que tinha perguntado se eu queria dançar. Ao que parece, eu lhe disse sim. Tinha me perguntado se queria ir a seu dormitório, eu lhe disse sim. Depois me perguntou se podia pegar a minha mão e lhe disse sim. A maioria dos rapazes não pergunta. Em geral, há uma progressão natural das coisas, se desenvolve de forma consensual, não com uma pergunta e resposta. Mas, ao que parece, lhe dei a permissão completa. Ele tinha isso claro. Na sua história eu até só lhe disse um total de três palavras, sim sim sim, antes de que me tivesse meio nua no solo. Para o futuro, se alguém está confuso sobre se uma garota pode dar seu consentimento, é preciso ver se pode pronunciar uma frase inteira. Nem sequer pôde fazer isso. Só uma sequência de palavras coerentes. Onde estava a confusão? Falamos do sentido comum, da decência humana.
Segundo ele, a única razão pela qual estávamos no chão era porque eu caí. Nota: se uma garota cai, ajude-a a se levantar. Se está bêbada demais para caminhar e continua caindo, não monte sobre ela, não tire a roupa interior dela nem coloque uma mão dentro da vagina dela. Se uma garota cai, ajude-a a se levantar. Se tem um casaco sobre o vestido, não o tire para tocar os peitos dela. Talvez tenha frio e por isso usa um casaco.

Seu depoimento

Ele diz que quer mostrar às pessoas como uma noite de álcool pode arruinar uma vida. Uma vida, a sua, porque se esqueceu da minha. Permita-me refazer a frase: ele deseja mostrar às pessoas como uma noite de álcool pode arruinar duas vidas. A sua e a minha. Ele é a causa, eu sou o efeito. Arrasta-me ao inferno com ele, me submerge de novo nessa noite outra vez. Derrubam-se duas torres, e eu desabo ao mesmo tempo que ele. Se pensa que me salvei, que saí incólume, que posso cavalgar até o pôr-do-sol enquanto ele sofre o golpe maior, se engana. Ninguém ganha. Todos fomos devastados, todos estamos tentando encontrar algum sentido em todo este sofrimento. Seu dano é concreto: perda de títulos, de graus, matrícula. Meu dano é interno, sem ser visto eu o carrego comigo. Levaram meu valor, minha privacidade, minha energia, minha intimidade, minha confiança, minha própria voz, até hoje.

Para outras sobreviventes

E, por último, a todas essas garotas, estou com vocês. Nas noites quando se sentirem sozinhas, estou com vocês. Quando as pessoas duvidam de vocês e as depreciam, estou com vocês. Luto todos os dias por vocês. Não deixem de lutar, acredito em vocês. Como escreveu uma vez Anne Lamott, “os faróis não saem correndo por toda uma ilha em busca de barcos, ficam ali brilhando”. Embora não possa salvar cada barco, espero que ao falar hoje vocês possam receber uma pequena quantidade de luz, uma pequena satisfação de que se tem que fazer justiça, de que não podemos ser silenciadas. Sentir uma pequena segurança de que estamos chegando a alguma parte. Porque somos importantes, não duvidem disso, somos bonitas, intocáveis, fortes e ninguém nos pode tirar isso. Para essas garotas, eu estou com vocês. Obrigada.

Ilustração: divulgada no site Megera Indomável 
Fonte: El país, em 11 de junho de 2016. 

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