Tribunal inocentou acusado porque crianças tinham vida sexual ativa.
Associação de Procuradores diz que STJ é 'afronta' a princípio da proteção.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência Contra a Mulher, integrada por deputados e senadores, aprovou nesta quinta-feira (29) uma nota de repúdio à decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de inocentar um homem acusado de estuprar três crianças de 12 anos.
Na decisão, divulgada na terça-feira (27), os ministros da seção entenderam, por 5 votos a 3, que o homem não poderia ser condenado porque as crianças “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data".
O G1 consultou a assessoria do STJ sobre a nota de repúdio. A assessoria informou que trata-se de uma decisão judicial tomada por um colegiado e da qual ainda cabe recurso ao próprio STJ e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Até 2009, a legislação brasileira considerava qualquer relação sexual com menores de 14 como presunção de violência. O artigo do Código Penal foi revogado e passou a ser considerado "estupro de vulnerável" qualquer relação com menor de 14 anos. A pena pode chegar a 15 anos de prisão.
Segundo o STJ, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já havia inocentado o homem argumentando que "a mãe de uma das crianças afirmou que a filha enforcava aulas e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro".
"Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado", disse o acórdão do TJ.
Depois da decisão do TJ, a Quinta Turma do STJ reverteu a decisão, decidindo pelo "caráter absoluto da presunção de violência" no caso de estupro praticado contra menor de 14 anos.
A defesa, então, recorreu da decisão. O caso foi analisado pela Terceira Seção, que entendeu pela presunção relativa de violência, considerando que cada caso deve ser analisado individualmente.
A CPI mista da Violência contra a Mulher no Congresso afirma, em comunicado, que a decisão "desrespeita os direitos fundamentais das crianças e acaba responsabilizando as vítimas, que estão em situação de completa vulnerabilidade".
Uma nota a ser enviada ao STJ, segundo a comissão, pede a revisão da decisão que inocentou o homem.
O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) afirmou, em nota, que a decisão "dá caminho interpretativo correto" ao Código Penal.
"A nova previsão do crime de estupro de vulnerável, em leitura fechada, poderia levar a excessos, o que foi repelido pela decisão do STJ. Não se trata, assim, como foi afirmado, de impunidade para um dos crimes mais graves, nem mesmo de julgar a vítima, mas de se permitir à prudência judicial a análise do caso concreto, podendo, conforme sejam as características desse, dizer, ou não, pelo crime", diz nota assinada pelo presidente da comissão de direito penal do instituto, Renato de Mello Jorge Silveira.
Ministro da Justiça
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta quinta que é preciso aguardar para saber se a decisão será mantida.
"Eu como estudioso de Direito tenho uma posição contrária, mas o tribunal tem essa decisão. Não sei se ela será mantida, se é definitiva, mas aguardaremos o resultado final", declarou.
Secretaria de Direitos Humanos
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República se manifestou contra a decisão e afirmou que encaminhará pedido ao procurador Geral da República, Roberto Gurgel, e ao Advogado-Geral da União, Luiz Inácio Adams, "para que analisem medidas judiciais cabíveis para reversão desta decisão".
"Entendemos que os Direitos Humanos de crianças e adolescentes jamais podem ser relativizados. Com essa sentença, um homem foi inocentado da acusação de estupro de três vulneráveis, o que na prática significa impunidade para um dos crimes mais graves cometidos na sociedade brasileira. Esta decisão abre um precedente que fragiliza pais, mães e todos aqueles que lutam para cuidar de nossas crianças e adolescentes", afirmou em nota a ministra Maria do Rosário.
Procuradores
Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também criticou a decisão do STJ.
"Na visão da ANPR, a decisão é uma afronta ao princípio da proteção absoluta, garantido pela Constituição brasileira a crianças e adolescentes, e sinaliza tolerância com essa nefasta prática, ao invés de desestímulo", diz a nota.
"Imaginar que uma menina de 12 anos – notavelmente em situação de exclusão social e vulnerabilidade – estaria consciente de sua liberdade sexual ao optar pela prostituição é ultrajante", completa a nota, assinada pelo presidente da associação, Alexandre Camanho de Assis.
Fonte: G1 em 29 de março de 2012.
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