Comissão de Direitos Humanos, presidida por Mauro Rubem, promoveu homenagem a mulheres anistiadas
Com o tema “Coragem, Poder e Liberdade: Mulheres na Luta pela Igualdade, Autonomia e Transformação Social”, foi realizada na manhã desta quinta-feira, 15, no Auditório Solon Amaral da Assembleia Legislativa, audiência pública organizada pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa, presidida pelo deputado Mauro Rubem (PT).
O evento, que prestou homenagem às mulheres anistiadas por meio de relatos* e poesias, teve parceria com o Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde de Goiás (Sindsaúde). A sessão também deu continuidade à programação do dia 8 de março, data em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher.
Compuseram a mesa do encontro, além do deputado Mauro Rubem; a deputada Isaura Lemos (PCdoB); a secretária Municipal de Políticas para as Mulheres, Teresa Cristina Nascimento Sousa, representando o prefeito Paulo Garcia; o presidente da Associação dos Anistiados de Goiás, Élio Cabral; a presidente do Conselho Estadual da Mulher, Ana Rita de Castro; a representante do Fórum Goiano de Mulheres e do Grupo Feminista Autônomo Oficina da Mulher, Angelita Pereira de Lima; e a presidente do Sindsaúde, Fátima Veloso.
Segundo Mauro Rubem, a homenagem faz parte de um conjunto de medidas que se fazem necessárias para “passar a limpo” os erros da história. “Além de homenagear os heróis, precisamos também punir os criminosos que participaram das torturas que eram cometidas na época da ditadura”, ressaltou.
Isaura Lemos também aproveitou para ressaltar a importância da audiência que acontece na manhã desta quinta-feira, 15, em homenagem às mulheres anistiadas. “A ideia desta sessão reforça o resgate da história e da verdade na figura de vocês, mulheres, que realmente têm uma história de vida e são um exemplo para todos nós.”
A secretária Municipal de Políticas para as Mulheres, destacou os traumas que muitas famílias viveram após o período da ditadura militar. “Sei o que essas mulheres e homens viveram ao fugirem. E o resgate dessa história é fazer diferente. Eles seguiram o que nosso hino nacional fala, ao não fugirem da luta. Se hoje vivemos em um país democrático é justamente porque tivemos alguém que abriu esse caminho”, disse Teresa Cristina.
A presidente do Sindsaúde, Fátima Veloso, ratificou a importância da homenagem. “As homenageadas são mulheres que merecem todo nosso respeito. São cidadãs que lutaram para não permitir que a violência fosse banalizada. E nós atualmente temos que continuar essa luta. A violência, principalmente contra a mulher, não pode continuar acontecendo das diversas maneiras como vemos que têm acontecido”, defendeu.
Mulheres Homenageadas:
Alda Maria Borges Cunha
Carmina Castro Marinho
Dagmar Pereira
Dirce Machado da Silva
Elo Ávila Salles
Elza Costa Netto Muniz
Joaquina Ramos de Castro (in memoriam)
Laurenice Noleto Alves
Márcia Jorge
Maria Cristina Castro
Maria de Campos Batista (Dona Santa)
Marina Vieira da Paz
Nilva Maria Gomes Coelho
Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de Souza
Tânia Maria Correia Camárcio
Walderês Nunes Loureiro
Fotos das homenageadas
Veja abaixo o belo e comovente pronunciamento de abertura da Sessão de Homenagem “Coragem, Poder e Liberdade: Mulheres na Luta pela Igualdade, Autonomia e Transformação Social”.
Introdução e contextualização feita por ocasião da
Homenagem às Mulheres que resistiram à ditadura
Goiânia, 15 de março de 2012
Saudações a todas as companheiras e companheiros, camaradas, lutadoras e lutadores; defensoras e defensores, militantes, ativistas, intelectuais presentes nesta homenagem.
Quero cumprimentar a todas as mulheres presentes no nome da companheira Maria de Fátima Veloso e todos os homens presentes no nome do companheiro Dep. Mauro Rubem (PT).
Agradecer especialmente os esforços e a contribuição das companheiras Albineiar Plaza, Walderês Loureiro, Izabel Teixeira e Glória Faria e os companheiros Élio Cabral, Marcantônio Dela Corte e Pinheiro Salles que sem a garra, insistência, apoio e companhia, este evento não seria possível.
Com o lema: “Dispenso essa rosa, 8 de março é pra lutar”, o Fórum Goiano de Mulheres preparou o calendário do mês internacional da mulher, resgatando o sentido reivindicatório desta data. Na perspectiva de memória e transcendência, marchamos no dia 8 de março pelas ruas da capital, como outrora marcharam em Petrogrado, na Rússia de 1917, operárias testeis exigindo “pão, paz e liberdade”.
Segundo Rose Marie Muraro[1] as mulheres tiveram participação ativa e foram maioria em todas as grandes revoluções. Fomos nós, que desafiamos a inquisição católica. Cerca de 9 milhões de mulheres foram queimadas como bruxas. Também, na revolução francesa, foram esfarrapadas e famintas mulheres que tomaram a bastilha. Mas claro, que isto não se conta nos livros de história.
Assim como, sintomaticamente, as verdades inconvenientes dos anos de chumbo são rotuladas de revanchismo. Um país de desmemoriados e de impunidade crônica serve apenas aos interesses dos criminosos e dos que lucram com toda forma de exploração e degradação humana.
Precisamos não arrefecer nem esmorecer nesta árdua luta. Exigir que se punam os erros do passado para que possamos, enfim, construir um novo país. Há cerca de um mês morreu, impunemente, o maior torturador de Goiás. O mandante e executor de vários e violentos crimes: Marcus Antonio Brito de Fleury.
Os absurdos da ditadura contra um só ser humano, nunca poderão ser mensurados. Trazemos, no entanto, parte do registro deste horror:
“Cerca de 50 mil pessoas” foram presas somente nos primeiros anos da ditadura; cerca de 20 mil pessoas foram submetidas à tortura durante a ditadura; e há 356 mortos e desaparecidos políticos indenizados.
Ainda: “7367 acusados e 10.034 atingidos na fase de inquérito em 707 processos judiciais, por crimes contra a segurança nacional, milhares de presos por motivos políticos; quatro condenações à pena de morte; 130 banidos; 4.862 cassados; 6.592 militares atingidos; grande número de exilados; e centenas de camponeses assassinados”.
Neste mês internacional da mulher lembramos que, foi no dia 28 de março de 1968 que mataram o estudante secundarista Edson Luiz. “Ele tinha apenas 18 anos, recém-completados, estava armado apenas com o sonho de conquistar condições dignas na escola em que estudava, foi morto com um tiro certeiro no peito, disparado à queima-roupa por um tenente da PM, contra estudantes que se manifestavam no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. A bala varou seu coração e alojou-se na espinha, provocando morte imediata.
Indignados seus colegas não permitiram que o corpo fosse levado ao IML, conduzindo-o para a Assembleia Legislativa em passeata. Lá cerco de policiais civis e militares, foi realizada a autópsia e aconteceu o velório. O caixão chegou ao cemitério João Batista nos braços de milhares de estudantes”.
O tema que reivindica o Fórum Goiano de Mulheres para este 8 de março fala de Coragem, de Poder e de liberdade. Mas, com Marilena Chauí, nos perguntamos: Do que temos medo?
“Do que se tem medo? Da morte, foi sempre a resposta. E de todos os males que possam simbolizá-la, antecipá-la, recordá-la aos mortais. Da morte violeta, completaria Hobbes. Da natureza desacorrentada. Da cólera de Deus, da manha do Diabo, da crueldade do tirano, da multidão enfurecida; dos cataclismos, da peste, da fome e do fogo, da guerra e do fim do mundo. Da roda da Fortuna. Da adversidade. Da repressão, murmuram os pequenos; da subversão, trovejam os grandes. Do que temos medo? Da morte seca e nua como um osso, sem mediação, Terror no despencar da guilhotina, no “suicídio acidental” dos calabouços, no grito abafado dos fornos crematórios. Da morte mandada, a ser cumprida sem motivo e ser razão, morte absoluta de que é capaz somente o herói da fé, Abraão erguendo o punhal para aniquilar o fruto de sua velhice e esperança, sem nada perguntar.
Temos medo da delação e da tortura, da traição e da censura. Da urdidura cerrada onde a violência captura a linguagem – esforço humano nosso de renúncia à violência – para enredá-la no poderio do censor, na perfídia do delator e na força nua do torturador que, paradoxo horrendo, desintegra a vítima para que dela brote uma palavra íntegra, livre, verdadeira e pura, como se ela lhe pudesse ofertar o dom fantástico que o absolveria ao fazê-la submergir no silêncio da fala traidora. Temos medo da culpa e do castigo; do perigo e da covardia; do que fizemos e do que deixamos de fazer; dos medrosos e dos sem-medo; das alamedas e dos becos onde “até a canção medrosa / se parte, se transe e cala-se”.
Temos medo do ódio que devora e da cólera que corrói, mas também da resignação sem esperança, da dor sem fim e da desonra. Da mutilação dos corpos e dos espíritos, da dor sem fim e da desonra. Da mutilação dos corpos e dos espíritos, da Clevelândia, da Auschwitz, do Gulag, do Juqueri. Do abismo entre o O Poço e o Pêndulo, quando já não tememos olhar o horrendo porque o horror é “que nada houvesse para ver (...) negror da eterna noite”.
Temos medo da fala mansa do inimigo, mas muito mais, quão mais, do inesperado punhal a saltar na mão há pouco amiga para trespassar nosso aberto peito ou pelas costas nos aniquilar. É então, quem sabe, nosso aberto peito ou pelas costas no aniquilar. É então, quem sabe, nesse “medo que esteriliza os abraços” que descobrimos não termos medo de nossa própria sombra, somente medo do medonho. Susto, espanto, pavor. Angústia, medo metafísico sem objeto, tudo e nada lhe servindo para consumar-se até alçar-se ao ápice: medo do medo. Juntamente com o ódio, o medo, escreveu Espinosa, é a mais triste das paixões tristes, caminho de toda servidão. Quem o sentiu, sabe.”
A virtude oposta ao medo é a coragem. “Aquele que permanece imperturbável em meio a perigos e que se comporta diante deles como é preciso é mais verdadeiramente corajoso do que aquele que assim procede nas ocasiões seguras. É por sua firmeza diante das coisas que trazem sofrimento que uma mulher ou um homem é corajoso.” (grifo meu).
Agora, diante de mulheres e homens que enfrentaram seus medos, a covardia dos torturadores, dos algozes e dos mandantes. Pessoas que ousaram sonhar com o socialismo. Sonhar com a primavera dos tempos, não só para si, num céu distante, mas com pão e rosas para toda a humanidade, recitamos as palavras de Tom Joad personagem do livro/filme Vinhas da Ira:
“Uma pessoa não tem uma alma própria, só um pedaço de uma grande alma. Uma grande alma que pertence a todos. E então...”
“Eu estarei nos cantos escuros. Estarei em todo lugar. Onde quer que olhe. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E, quando as pessoas estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram, eu também estarei lá.”
Kelly Gonçalves
É ativista do Fórum Goiano de Mulheres
Contatos: oitodemarcofgm@gmail.com
Blog: http://www.forumgoianodemulheres.blogspot.com.br
[1] Muraro, Rose Marie, A mulher no terceiro milênio: uma história da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o futuro/ 6ª tiragem – Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 2000.
Fonte: Site da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, 15 de março de 2012.
Fotos: Pablo Silva (Assessoria do Deputado Mauro Rubem)
*O relatos foram retirados do livro "A DITADURA MILITAR EM GOIÁS - DEPOIMENTOS PARA A HISTÓRIA" Pinheiro Salles Coordenador/ Goiânia: Poligráfica Off-set e Digital, 2008.