23 de set. de 2011

Tragédia em escola: criança de 10 anos atira em professora e se mata

Violência familiar, arma de fogo em casa e
bullying: uma mistura explosiva e as vezes mortal.

Semeamos ventos e colhemos tempestades!
“Acredito que um dos motores que faz a roda do ciclo vicioso da violência girar é o consentimento dado por nossa sociedade às formas violentas de se resolverem as diferenças, os conflitos. O uso de violências físicas na educação e no cuidado de crianças e adolescentes tem perpetuado o ciclo vicioso de violência dentro da vida familiar. Os pais batem nos filhos; os filhos batem em seus irmãos e colegas de escola e de rua; depois, filhos e colegas batem em suas namoradas, parceiras e esposas, que por fim, também batem em seus filhos”
( Cida Alves, 2011).

Violência gera violência

Estudante que atirou em professora no ABC será enterrado nesta sexta


Alvo de gozação
David Mota Nogueira (10 anos) sofria bullying pelo fato de ser manco, segundo informações do Diário do Grande ABC. "O pessoal da sala dele zoava muito com a deficiência", disse Cayan de Castro Amorim, 14, aluno da escola, em entrevista ao jornal. (fonte: Yahoo notícias em 22 de setembro de 2011)


Veja algumas pesquisas Nacionais

1) Aprendizagem social da violência
Uma pesquisa realizada em escolas públicas do município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, evidenciou que a experiência de sofrer violência física intrafamiliar é freqüente entre os estudantes (ASSIS; DESLANDES, 2005). Os estudantes são vítimas de seus pais, o que demonstra que a prática de bater e apanhar continua uma forma habitual de resolver conflito nas famílias. Dentre os 1.600 adolescentes pesquisados, 27,7% informaram sofrer castigo físico severo da mãe, e 16,7%, do pai. Para as autoras, o fato de a mãe bater mais que o pai se justifica por ela passar mais tempo com os filhos e dedicar mais tempo e energia à sua educação.

De acordo com os resultados dessa pesquisa, os jovens que sofrem violências intrafamiliares do tipo físico severo, psicológico e sexual são:
  • 3,2 vezes mais transgressores das normas sociais;
  • 3,8 vezes mais vítimas da violência na comunidade;
  • 3 vezes mais alvos de violência na escola do que os jovens cujo ambiente familiar é mais solidário e saudável (ASSIS; DESLANDES, 2004).
As violências físicas descritas pelas pesquisadoras Assis e Deslandes (2005), do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge (Claves/Fiocruz) incluem as mesmas modalidades de agressões apresentadas por Straus (1979), acrescendo-se ainda o ato de queimar partes do corpo.
Os castigos físicos menos severos, que ainda são naturalizados na cultura brasileira, foram citados por 53,9% dos alunos quando praticados pela mãe, e por 34,5% quando, provocados pelo pai. 
 
Nos castigos considerados moderados, são incluídas atitudes como jogar objetos sobre o adolescente, empurrar ou agarrar, dar tapa ou bofetada e beliscar. Os instrumentos utilizados pelas mães para provocar dor ou lesões físicas são chinelos, sandálias, tamanco, cinto, vassoura e vara de goiabeira.
Em uma pesquisa realizada por Azevedo e Guerra (1995), os meios de agressão claramente evidenciados são indicados na tabela abaixo.

Tipos de agressões contra crianças e adolescentes
______________________________________________________________________
Vitimização física de crianças e de adolescentes
Meios da agressão/idade da vítima 11m 1-2a 3- 4a 5- 6a 7-10 11-13 14-18 Total %
Socos 6 3 1 4 5 2 13 34 8,2
Pontapés 1 1 1 - 1 6 6 16 3,9
Beliscão/empurrão/imobilizar 9 5 2 1 2 2 2 25 5,5
Esganadura - - - - 1- - 2 3 0,7
Afogamento/imersão 2 - - 1 - - - 3 0,7
Agressão com instrumento 2 5 6 11 24 18 21 87 21,0
Queimaduras 1 2 2 3 3 2 2 15 3,6
Ingestão forçada de álcool/psicotrópicos - 1 2 1 1 - 1 6 1,4
Ameaça de morte - - - 1 - - 1 2 0,5
Negligência 3 2 3 - 2 2 - 12 2,9
Agressão com arma - 1 - - - 1 5 7 1,7
Sem informação 15 22 21 19 51 41 38 207 49,9
Total 39 42 38 41 90 74 91 415
% 9,4 10,1 9,2 9,9 21,7 17,8 21,9
100
__________________________________________________________________________
Fonte: Distritos policiais, Instituto Médico Legal (IML), Varas de menores, Fórum criminal, Fundação do Bem-estar do Menor (Febem) (apud AZEVEDO; GUERRA, 1995).
Obs.: Dados relativos à notificação de casos desta natureza em 1991, em São Paulo-SP.


Para Assis e Deslandes (2005), a angústia expressa por adolescentes vítimas de violência física descrita nessa pesquisa revela que eles convivem
“cotidianamente com sentimentos de raiva, ambivalência do afeto e do ódio que sentem pelos familiares e a aceitação do fato de que as dores que sentiram foram merecidas, ao reconhecerem que a agressão por eles sofridas esteve respaldada no amor e na necessidade cultural de educá-los. É o aprendizado da violência e da vida acontecendo simultaneamente para essas crianças e adolescentes. E, no entanto, hoje é de domínio público que a violência intrafamiliar potencializa a violência social” (ASSIS; DESLANDES 2005, p. 51).



Pesquisa aponta que cerca de 70% das crianças e adolescentes envolvidos com bullying (violência física ou psicológica ocorrida repetidas vezes) nas escolas sofrem algum tipo de castigo corporal em casa. Esse é apenas um dos efeitos negativos que a criança pode apresentar ao ser educada com o uso dos castigos físicos.
Fonte: pesquisa realizada pelo Laboratório de Análise e Prevenção da Violência da Universidade Federal de São Carlos , SP.

Os castigos físicos e humilhantes contribuem para que outras violações possam ocorrer:
38% das crianças desaparecidas no Brasil, fogem de casa devido aos conflitos familiares (www.desaparecidos.mj.gov.br);
É freqüente, em depoimentos de meninos e meninas que estão vivendo na rua, a constatação de que a fuga da casa foi motivada por agressões físicas e/ou sexuais;
As crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual que não possuem documentação ou apresentam documentação falsa, estavam em conflito com a família, alguns são usuários de droga, não estão na escola, estão buscando ajuda ou estão desaparecidas (pesquisa realiza em 2010 pelo Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual)

O que estamos ensinando as nossas crianças?
A resolver suas questões de forma agressiva

O fenômeno Bullying começa em casa?
Muitas vezes o fenômeno começa em casa.
  • Os pais, muitas vezes, não questionam suas próprias condutas e valores, eximindo-se da responsabilidade de educadores.
  • O exemplo dentro de casa é fundamental.
  • O ensinamento de ética, solidariedade e respeito ao próximo inicia ainda no berço e se estende para o âmbito escolar, onde as crianças e adolescentes passarão grande parte do seu tempo.
Fonte: Bullying – Cartilha 2010 – Projeto Justiça nas Escolas, Conselho Nacional de Justiça, 2010.

Veja ainda informações sobre pequisa recente na área da neuropsiquiatria:
No campo da psiquiatria, um estudo recente indica que as conseqüências da violência sofrida por crianças extrapolam as seqüelas corporais imediatas, ou de transtornos no plano emocional e comportamental, como as pesquisas citadas. Os estudos comparativos do programa de pesquisa em biopsiquiatria do Hospital McLean em Belmont da Escola de Medicina de Harvard (TEICHER, 2002) identificaram alterações na morfologia e fisiologia das estruturas cerebrais de pessoas que foram vítimas de violências em fases precoces de sua vida. As alterações encontradas por Martin H. Teicher foram:
a) sintomas semelhantes aos portadores do quadro orgânico de epilepsia do lobo temporal (ELT);
b) presença de anormalidades nas ondas cerebrais no eletroencefalograma;
c) disfunções do sistema límbico, com alterações no tamanho das amígdalas e do hipocampo;
d) diminuição da integração entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, com a presença de um corpo caloso menor que o normal;
e) anormalidade na vermis cerebral, com redução do fluxo sanguíneo.
Com base nesses achados clínicos, Teicher (2002) argumenta que se as violências ocorrem durante a fase crítica da formação do cérebro, quando ele está sendo esculpido pela experiência com o meio externo, o impacto do estresse severo pode deixar marcas indeléveis na sua estrutura e função. Para ele, a violência provoca uma cascata de efeitos moleculares e neurofisiológicos que altera de forma irreversível o desenvolvimento neural. O pesquisador alerta:
“A sociedade colhe o que planta pela maneira como cria seus filhos. O estresse esculpe o cérebro para que exiba comportamentos anti-sociais, embora adaptativos. Quer o trauma venha na forma psicológica, emocional ou física, ou pela exposição à guerra, fome ou pestilência, o estresse pode disparar uma onda de mudanças hormonais que permanentemente estruturam o cérebro para lidar como o mundo malévolo. Por essa corrente de eventos, a violência e o abuso passam de geração para geração e de uma sociedade para outra. Nossa conclusão é de que vemos a necessidade de fazermos muito mais para garantir que o abuso infantil não aconteça, porque uma vez que essas alterações cerebrais acorrerem, pode não haver retorno” (TEICHER, 2002, p. 7).

Colaboração: Slides da palestra de Márcia Oliveira – representante da Rede Não Bata Eduque, no VII Seminário Gente Crescente, organizado pelo Centro de Atenção Psicossocial Casa Água Viva da Secretaria Municipal da Saúde de Goiânia, em 22 de setembro de 2011.

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