Além de executarem mais de uma centena de pessoas, muitas delas inocentes, policiais militares goianos intimidam aqueles que investigam seus crimes. Na lista de marcados para morrer do grupo de extermínio formado por agentes do Estado estão parentes das suas vítimas, testemunhas, delegados, promotores de Justiça, juízes, jornalistas e até religiosos.
Boa parte das ameaças constam dos inquéritos da Polícia Federal oriundos da Operação Sexto Mandamento, desencadeada em 15 de fevereiro último com a prisão de 19 praças e oficiais da Polícia Militar de Goiás. Conforme mostrou o Correio Brasiliense na primeira reportagem da série “Crimes de farda”, publicada ontem, o grupo preso responde por mais de 300 assassinatos e 36 desaparecimentos ocorridos nos últimos 10 anos.
O padre Geraldo Marcos Labarrère Nascimento, 70 anos, conhece bem as histórias atribuídas ao esquadrão da morte goiano. E convive com ameaças desde o início dos anos 1980, quando começou a trabalhar com jovens em situação de risco e a assistir famílias vítimas de violência em comunidades pobres de Manaus (AM). O religioso deixou a capital amazonense e partiu para Goiânia em 2002 justamente por denunciar policiais militares que agrediam e perseguiam moradores da periferia de Manaus.
Em uma madrugada, quando voltava para casa, ele foi cercado por um oficial e 16 subordinados. “Colocaram uma metralhadora ao meu lado, perto do meu ouvido, e dispararam. Depois, avisaram: ‘O próximo (tiro) vai ser no peito”, conta. Mas as ameaças nunca intimidaram o padre Geraldo. Assim que desembarcou em Goiânia, continuou o trabalho de ajuda e proteção às vítimas da violência policial.
Em 28 de abril de 2006, fundou o Comitê goiano pelo fim da violência policial. Desde então, vive recebendo ameaças. “Elas (as ameaças) vêm e voltam. Às vezes, veladas; às vezes, nítidas”, comenta ele, um jesuíta.Os mais recentes recados vieram após a Operação Sexto Mandamento. “Procuraram o arcebispo e disseram que eu e um assessor do deputado estadual Mauro Rubem (PT) iríamos receber o troco. Não seria uma execução, mas um assalto com morte ou um acidente”, conta o padre Geraldo.
Em outro episódio, a Casa da Juventude (Caju), dirigida por ele, amanheceu cercada por um comboio da PM. As viaturas da Polícia Militar passaram várias vezes em frente à Caju. Em uma delas, PMs desceram à entidade para procurar informações sobre o local. “Todos, principalmente a PM, sabem o que fazemos aqui, sabe que assistimos pessoas em situação de risco, jovens e adultos vítimas de maus-tratos, principalmente de policiais”, ressalta o religioso.
Mauro Rubem preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás. Ao lado de gente como o padre Geraldo, sempre deu voz às vítimas da violência policial em Goiás. O assessor de Rubem sob ameaça é Fábio Fazzion. “Após a Operação Sexto Mandamento, chegaram notícias, recados sobre a questão da nossa segurança (dele e do padre), falando de cobrança de fatura”, declarou.
Entre outras atividades, Fazzion colhe relatos de parentes de pessoas mortas por policiais e de moradores de rua e da periferia agredidos por policiais militares. Fábio Fazzion e o padre Geraldo integram a Comissão de Defesa da Cidadania, criada pelo governo de Goiás após a Operação Sexto Mandamento a fim de investigar os casos de desaparecidos em abordagens policiais. Ambos creem que as ameaças têm o intuito de os intimidar e aos demais integrantes da comissão.
Desde a criação, em 1º de março, ela vem ouvindo familiares dos desaparecidos e levantando documentos referentes aos crimes, como inquéritos e laudos do Instituto Médico Legal. A intenção é reabrir as apurações arquivadas, verificar falhas e propor medidas para resolver os casos.Além de Fazzion e do padre, participam da comissão integrantes da maçonaria, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e autoridades estaduais de segurança pública.
O grupo é presidido pela delegada Adriana Accorsi, superintendente de Direitos Humanos da de Segurança Pública de Goiás, que sabe das ameaças aos seus integrantes. “Estamos tomando várias medidas sobre isso. Encaminhamos denúncias à direção da Polícia Civil, à Polícia Federal e ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que já esteve em Goiânia, ouviu essas vítimas e acompanhará todos esses fatos”, garantiu.
A comissão estuda levar o Estado de Goiás a reconhecer a culpa pelos desaparecimentos, tal como o governo federal fez em relação aos desaparecidos da ditadura militar. Essa e outras propostas devem constar em um relatório a ser concluído em um mês.
Jovens de baixa renda
Fundada em 1984 por jesuítas, a Casa da Juventude Padre Burnier (Caju) é um instituto de formação, assessoria e pesquisa sobre juventude. Ela trabalha com várias enidades parceiras, oferecendo cursos, palestras, oficinas e outras atividades a jovens e seus familiares de baixa renda. A instituição também virou referência para as vítimas de violência policial em Goiás.“Elas (as ameaças) vêm e voltam. Às vezes, veladas; às vezes, nítidas” ressalta Padre Geraldo Marcos Labarrère Nascimento.
Colaboração: enviado por Morgana Rodrigues em 02 de maio de 2011.
Fonte: Correo Brasiliense publicado em 02 de maio de 2011.
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