Ato em memória dos 9 meninos mortos em incêndio na cela do Centro de Internação Provisória (CIP de Goiânia) e em solidariedade às mães, aos familiares e aos trabalhadores e trabalhadoras que cuidavam dos adolescentes. (Foto: Maianí Gontijo - Goiânia, 30 de maio de 2018).
27 de junho de 2018
Washington D. C. - A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) manifesta a sua profunda preocupação com a violência
incessante e as mortes nos centros socioeducativos para adolescentes em
conflito com a lei penal. A informação recebida indica que, em menos de um mês,
pelo menos 10 adolescentes foram mortos em um Centro no estado de Goiás e um
adolescente no estado do Ceará. A esses se somam outros eventos semelhantes que
ocorreram nos primeiros meses deste ano. A Comissão reitera sua preocupação
para esta situação e exorta o governo brasileiro a implementar as recomendações
feitas durante a sua visita em novembro 2017, durante a qual inspecionou o
funcionamento de SINASE e apontou deficiências estruturais graves.
De acordo com informações de conhecimento público,
em 25 de maio de 2018, ocorreu um incêndio no Centro de Internação Provisória
do 7º Batalhão da Polícia Militar em Goiânia - estado de Goiás, que resultou na
morte de dez adolescentes. Segundo as informações disponíveis, os adolescentes
teriam ateado fogo a um colchão e as chamas se espalharam pela cela onde
estavam. Supostamente uma das razões para o protesto seriam as más condições do
Centro.
O Centro de Internação Provisória de Adolescentes
de Goiânia está trabalhando provisoriamente nas instalações do 7º Batalhão da
Polícia Militar desde os anos 1970, apesar das diversas indicações sobre a
ausência de condições de atendimento aos adolescentes. Em 2012, o Ministério Público
detectou graves deficiências, chegando a um acordo com o Governo do Estado para
seu fechamento e substituição por instalações mais adequadas. Embora as obras
tenham avançado para atender à determinação de fechamento, o Centro ainda está
em operação, ainda que centros socioeducativos não sejam autorizados a operar
em batalhões da Polícia Militar. Recentemente, em um relatório de dezembro de
2017, o Tribunal de Goiás, por meio de um Grupo de Monitoramento e Controle do
Sistema Prisional e Socioeducativo, advertiu novamente da situação precária do
Centro e suas condições insalubres. No referido relatório conclui que a
situação atual do Centro não permite uma assistência digna e humana para os
internos e destaca o problema da superlotação, o que impede a separação de
adolescentes por idade e pela natureza do ato infracional. Além de não
favorecer uma atenção adequada, gera-se tensões e outras situações de
vulnerabilidade.
De acordo com as informações disponíveis, no
momento dos eventos havia um total de 80 adolescentes no Centro, supostamente
com capacidade para apenas 52; Na cela onde ocorreu o incêndio, estavam presos
11 adolescentes, embora a CIDH tenha sido informada de que as celas têm espaço
para 4.
Por sua parte, as autoridades estaduais negaram a existência
de deficiências e superlotação no Centro e anunciaram que farão investigações
para esclarecer os fatos e fornecer assistência psicológica às famílias das
vítimas. As autoridades estaduais também apontam o investimento econômico que
está sendo feito para abrir 10 novos Centros no estado e para avançar em outras
reformas para o fechamento das unidades que operam em batalhões da Polícia
Militar.
Além disso, em 6 de junho, no Centro Socioeducativo
Cardeal Aloísio Losheider (CECAL) em Fortaleza, estado do Ceará, houve uma
disputa entre internos de gangues supostamente rivais, durante a qual
adolescentes e agentes do sistema socioeducativo foram atacados, resultando na
morte de um dos adolescentes internos, um total de 9 feridos, e danos às
instalações devido a um incêndio. Este Centro atende a adolescentes e jovens de
até 21 anos que cumprem medidas socioeducativas. As autoridades estariam
realizando investigações para esclarecer os fatos e prestando apoio psicológico
às famílias das vítimas. Nesse mesmo Centro, em dezembro do ano passado, houve
um motim que levou a um incêndio.
No estado do Rio de Janeiro, em 24 de fevereiro,
dois adolescentes morreram no Centro Educandário Santo Expedito, aparentemente
como resultado de uma briga entre internos. A Defensoria Pública havia alertado
desde 2005 sobre a precariedade das instalações e as condições de superlotação
neste Centro que iniciou suas operações temporariamente em 1997, mas permanece
aberto até hoje. O Centro também é adjacente ao Complexo Penitenciário de Bangu
para adultos, o que é proibido por lei. De acordo com informações publicamente
disponíveis, o Centro seria capaz de receber no máximo 220 adolescentes, embora
atualmente estar abrigando cerca de 538. O número de sócio-educadores é
insuficiente para atender os internos, o que impede a função educativa e de
ressocialização, promove a ociosidade e o surgimento de tensões e violência.
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ciente da situação do
local, emitiu uma decisão proibindo o Estado de admitir mais adolescentes no
Centro e de fechá-lo progressivamente.
A Comissão tem demonstrado repetidamente sua
preocupação com circunstâncias desta natureza em locais de privação de
liberdade para adolescentes no Brasil e disse que neste país existe há anos um
contexto estrutural e generalizado de violência, motins, fugas, superlotação,
instalações insalubres e falta de programas socioeducativos nesses Centros,
entre outras situações que violam os direitos humanos. Da mesma forma, tem
expressado preocupação de que quando os adolescentes entram em contato com o
sistema de assistência socioeducativa, eles estão expostos a violações de seus
direitos, ao invés de representar uma oportunidade de apoiar sua inserção de
forma construtiva e positiva na sociedade e evitar a reincidência, conforme
previsto na legislação brasileira.
A Comissão reconhece que desde sua visita ao país
em novembro de 2017, identificou um certo nível de reconhecimento desses
problemas por várias autoridades, e incentiva o aprofundamento das melhorias e
reformas empreendidas, mas geralmente continua a identificar pouco progresso no
país e um compromisso limitado de priorizar essa questão com a urgência que a
CIDH solicitou. A CIDH insta novamente o Estado do Brasil a levar em conta as
recomendações feitas pela Comissão durante sua visita e a adotar medidas de
acordo com os compromissos assumidos pelo Estado ao ratificar os tratados
internacionais de direitos humanos aplicáveis.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da
Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato decorre da Carta da OEA
e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem
mandato para promover a observância dos direitos humanos na região e atua como
órgão consultivo da OEA nessa matéria. A CIDH é composta por sete membros
independentes eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal e não
representam seus países de origem ou residência.
Fonte: página da OEA, em 27 de julho de 2018.
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