Especialistas sugerem como filtrar e reverter comentários machistas e ofensas na internet e mudar o modo de pensar das pessoas
por José Abrão
A estreia do programa de culinária MasterChef Júnior, da Band, no dia 20 de outubro foi marcado por uma polêmica que logo virou o assunto da semana. Enquanto o episódio de estreia se desenrolava, as redes sociais, em especial o Twitter, se encheu de comentários perturbadores que deveriam ser piadas sobre uma das candidatas: Valentina Schulz, de apenas 12 anos. Os comentários, de cunho claramente sexual, levantaram diversas questões sobre pedofilia, machismo, sexualização de meninas, adultização de crianças e outras problemáticas. Enquanto isso, muitos dos autores dos comentários se defenderam, dizendo ser apenas piadas ou que as pessoas estavam levando comentários de internet a sério demais.
Segundo o IPEA, em 2011, 88,5% das vítimas de estupro eram mulheres e mais da metade tinha menos de 13 anos. Isso não é piada, é muito sério. A questão ferveu ainda mais depois da tag #PrimeiroAssédio no Twitter em que o reacionário cantor Roger, do Ultraje a Rigor, bateu boca virtualmente com outros tantos internautas. Toda a discussão ganhou ainda mais força com o Enem, ao trazer como tema da redação a violência contra mulher. De modo geral, o problema de tudo é uma questão de educação. Para quem achou que estava apenas brincando na internet, é preciso refletir sobre algumas coisas.
É o que recomenda o consultor especialista em karma virtual Paulo Crepaldi. Para ele, as pessoas estão erradas ao acharem que o ciberespaço está separado da vida real: ambos são a mesma coisa. “O que você fala na internet é algo global, vai estar exposto para o mundo e isso vai ficar registrado. As pessoas esqueceram que toda opinião vai ter uma memória e consequências”, declarou. Sobre os engraçadinhos do Twitter, a moral é que estas pessoas devem se lembrar de uma regra simples da vida: se você não tem nada bom a dizer, então não diga nada.
Mas como evitar que incidentes como o de Valentina continuem se repetindo? Mais uma vez, a solução tem a ver com o machismo e em como evitá-lo. O machismo é uma palavra feia que parece sem lugar em 2015, mas na semana passada tivemos um crime de honra em Goiânia: o marido traído Fernando Rocha matou o amante da mulher a tiros. “A prioridade é um cuidado com o processo educativo dos meninos que fortaleçam sua empatia. É necessário desconstruir essa identidade masculina que está associada a essa ideia de predomínio e de violência, de que se pode tomar tudo à força e de que rebaixa o que é feminino, de que o menino não pode chorar como uma menina. Os meninos veem isso desde muito pequenos”, explica Cida Alves, psicóloga doutora em Educação pela UFG e dona do blog Educar Sem Violência.
Para ela, é necessário mudar os papéis. “Os meninos se embrutecem para não lidar com a diversidade e as meninas não são educadas para a agressividade, culturalmente elas não aprendem a se defender”. A associação de sexo com algo sujo e violento também é outro ponto fundamental a ser mudado através de boa educação sexual e de gênero. “A manifestação sexual não pode ter essa ideia de algo sujo e feio. Para meninos e meninas prevenir a violência, é necessário saber que o corpo da menina é dela, que ele não tem o direito de tomar o corpo dela, que o desejo e o corpo de cada um pertencem a cada um. Atualmente, o que temos é uma ideia de que o corpo feminino é público. Ninguém se sente no direito de tocar em um homem sem camisa ou de shorts, mas isso acontece com as mulheres e temos uma culpabilização da vítima. O desejo é de cada um e a responsabilidade do crime ou do abuso é do abusador e apenas dele e que as pessoas devem ficar ao lado da vítima incondicionalmente”.
Sobre o que aconteceu com a Valentina, Cida aponta para outro problema grave, que é a hipersexualização e adultização de crianças e adolescentes. “Vem dessa ideia, principalmente entre as meninas, de que são adultos em miniatura. Incentivam desde cedo o salto alto, as roupas curtas... Sabia que a maior parte dos predadores sexuais não é pedófila? Eles não têm o transtorno de só se excitarem com crianças, apenas veem uma criança com uma expressão corporal de uma adulta. Isso é alimentado pelo que chamamos de cultura do estupro”.
Entre alguns dos comentários tóxicos que emergiram durante uma semana, um deles era o de que até poucas décadas atrás era comum homens velhos se casarem com garotas pubescentes de 12 anos e às vezes até menos. Cida argumenta que um crime, só porque está na história ou na tradição, não deixa de ser um crime. “Por aquilo estar na cultura, isso faz as pessoas acharem que aquela violência é normal e não é! Se há violência na tradição, então a tradição deve ser rompida. Temos que andar no caminho civilizatório, não na direção contrária”. Ela conta, inclusive, que houve caso de casamento infantil em sua família. “Minha avó casou aos 12 anos com um homem de 40 e sofreu demais. Era uma relação de poder completamente discrepante. Casar uma criança de 12 anos é muito grave! Ela não possui maturidade mental nem física para passar por isso”.
E se fosse comigo?
Crepaldi acredita que as pessoas precisam parar de fugir de seus problemas online. Ele dá recomendações de como ser agradável e não cometer erros. “As pessoas estão despreparadas para como devem se comportar online. As pessoas conhecem as regras sociais, mas pensam, ‘qual é a regra da internet?’. Existem duas regras básicas: tudo o que você for postar, releia e faça três perguntas: isso pode ser prejudicial para mim, para minha família ou para outra pessoa?”. Ou seja, bom-senso e protocolo social podem evitar muitos problemas no Facebook. Mas surge uma questão mais importante: e a Valentina? Como ela fica, exposta a toda essa toxicidade? Para Crepaldi, o ciberespaço está tão propagado que é impossível blindá-la de toda a negatividade. “As pessoas não estão no controle sobre o que é dito sobre elas na internet. Sua família deve bolar uma estratégia de comunicação e fazer o seu melhor para evitar que ela seja prejudicada”.
Para muitos dos que fizeram comentários negativos e se recusaram a voltar atrás, Crepaldi também vê um erro. Como o real e o virtual são a mesma coisa, erros cometidos no ciberespaço devem ser tratados da mesma forma. “Aja como você agiria offline: peça desculpas, tente se explicar. O problema é que online a pessoa ainda tem a opção de fugir, de se esconder atrás de seu computador achando que isso as permite serem maldosas e a falarem o que quiserem, mas não é assim, isso deixa uma marca”.
E para os demais pais, o que podem fazer para protegerem os próprios filhos? Crepaldi acredita que a atual geração dos pais ainda está muito offline, desinteressada pelo mundo virtual e que não leva essa questão a sério. “A primeira coisa que os pais devem fazer é conhecer as redes sociais. Precisam ter uma noção dos meios por onde os filhos circulam, porque uma criança de 12 anos não tem noção de como filtrar todo o conteúdo”.
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