30 de out. de 2012

Vulnerabilidades e Consequências da prática de bater para educar

Para fins didáticos, dividirei em dois grupos diferentes os adultos que costumam usar violências físicas na educação de seus filhos. Os adultos do primeiro grupo utilizam a violência física de forma aleatória: ocorrem, geralmente, pelo descontrole emocional, impulsividade ou algum transtorno mental associado. Nesse caso, a violência física não possui um objetivo disciplinar, mesmo que a argumentação aparente seja de melhor educar os filhos.

Este tipo de autor de violência é vulnerável tanto aos elementos internos (ansiedade, depressão, frustrações etc.) como externos (stressores) presentes em sua vida (álcool, drogas, conflitos conjugais ou de trabalho e dificuldades financeiras). A violência física utilizada por este tipo de agressor se manifesta de forma mais severa. São exemplos bastante comuns as seguintes formas de violências físicas:

  • queimaduras por pontas de cigarro ou por objetos aquecidos (ferro de passar roupas e talheres incandescentes);
  • envenenamentos;
  • ferimentos com objetos contundentes,
  • traumatismos craniano;
  • fraturas ósseas.

No segundo grupo estão os adultos que se utilizam de castigos físicos com a finalidade disciplinar. Os tapas, os beliscões, os solavancos não costuma acontecer de modo aleatório. Eles ocorrem quando se quer inibir ou eliminar um comportamento supostamente inadequado da criança ou do adolescente. Este tipo de disciplinamento é adotado por ser um modelo aprendido na família de origem, por crenças religiosas ou por desconhecer outras formas de se educar.

Embora a finalidade não seja a mesma, nos dois grupos de adultos o uso dos castigos físicos estão, geralmente, associados às necessidades de controle do comportamento do outro e ao sentimento de frustração (seja em relação a uma expectativa ou a um desejo). O adulto que usa as punições físicas em seus filhos está em certos momentos susceptíveis à irritabilidade e à impulsividade. Suas reações estão normalmente afetadas por sensações e sentimentos negativos. Excitação excessiva, ira, frustração e medo provocam reações no sistema nervoso autônomo. Com isso, uma forte descarga adrenérgica pode afetar o comportamento dos pais. A adrenalina é o hormônio das ações aceleradas. Esse estado emocional e orgânico cologo pais e crianças em um contexto de vulnerabilidades.

Primeira Vulnerabilidade

Perda do Controle - é comum o relato de pais sobre a sua perda de controle no momento da aplicação de um castigo físico. As pesquisas confirmam a freqüência deste descontrole. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 1993, demonstrou que entre as milhares de pessoas consultadas, um quarto delas admitiram que pelo menos uma vez perderam o controle ao castigar fisicamente seus filhos. Nas investigações de graves violências físicas contra crianças e adolescentes muitos pais relatam que os incidentes começaram como “uma punição comum”.

Segunda vulnerabilidade

Fragilidade corporal da criança - A força que o adulto avalia ser pequena pode não ser para as crianças. Por isso, bater em crianças é fisicamente perigoso. As chamadas punições mais leves podem, muitas vezes, causar sérios ferimentos. Sacudir bebês, por exemplo, pode levar a concussões, danos cerebrais e até mesmo causar a morte (Sindrome do bebê sacudido).

Terceira vulnerabilidade

Confiança na eficiência dos castigos físicos como método punitivo-disciplinar - Essa confiança impede os pais de verem as falhas que este modelo oferece. Assim, as punições que começam “leve” podem evoluir para medidas mais severas. Diante da ineficiência desse método, a tendência dos pais é achar que a dose esta fraca, aumentando progressivamente a intensidade da violência.

Mas independente da finalidade, das características do autor da violência física e das vulnerabilidades presentes, a prática de bater para educar traz consequências negativas para saúde e o desenvolvimento de crianças e os adolescentes.

Os riscos para o bom desenvolvimento das crianças não se restringem somente na intensidade da violência, moderada ou imoderada. Os riscos estão presentes na proposta do método, que é provocar dor e sofrimento físico.

Pesquisas apontam que os castigos físicos:

 

  • Contribui para o desenvolvimento de fusões patológicas ou disfuncionais;

Nessa forma de disciplinamento há mensagens muito perigosas, em que se funde amor com dor, cólera e submissão: “eu te puno para o teu próprio bem, eu te machuco porque te amo”. A dupla mensagem que a punição física carrega pode levar ao desenvolvimento de disfunções preceptivas, transtornos adaptativos e comportamentos estereotipados na vida dos filhos.

Vivência Clínica – no trabalho terapêutico encontrei muitas mulheres que sofriam com os atos de violência do marido ou parceiro sem conseguirem se proteger ou encontrar uma alternativa de mudança para o seu padrão de relacionamento conjugal. Essas mulheres tinham, em comum, uma história de violência anterior, praticada pela família de origem. Muitas dessas mulheres expressavam em seu comportamento submisso uma adaptação estereotipada às condutas violentas (psicológica, sexual ou física) que sofriam de seus pais ou cuidadores quando meninas. Porém, o impressionante é que elas traziam subjacentes a dor e o medo, a crença de que quem pune ou castiga com violência é porque tem sentimentos verdadeiros, porque ama.

 

  • Oferecem um modelo inadequado, por parte dos adultos, de lidar com situações de conflitos, que é o uso da força, da violência;

 

  • Aprendizagem social da violência;

Os jovens que sofrem violências intrafamiliares do tipo físico severo, psicológico e sexual são:

3,2 vezes mais transgressores das normas sociais;

3,8 vezes mais vítimas da violência na comunidade;

3 vezes mais alvos de violência na escola do que os jovens cujo ambiente familiar é mais solidário e saudável (ASSIS, 2004).

 

  • Menor rendimento intelectual;

De acordo com uma investigação feita pelo Professor Murray Straus, da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, meninos e meninas castigados fisicamente apresentam, depois de quatro anos, um coeficiente intelectual baixo em comparação com os que nada sofreram. No grupo de jovem, as crianças que não apanharam apresentam 4 pontos a mais em seu coeficiente de inteligência do que as crianças que foram castigadas fisicamente. No grupo de crianças entre os 5 e 9 anos de idade, aqueles que não apanharam tiveram 2.8 pontos a mais em seu coeficiente intelectual que as que sofreram castigos físicos, depois de quatro anos.

 

  • Dificulta ou deteriora os vínculos afetivos entre pais e filhos;

Na pesquisa A disciplina como forma de violência contra crianças e adolescentes (MARQUES et al., 1994), alguns depoimentos evidenciam o comprometimento do vínculo familiar em decorrência do padrão interacional violento. Dois relatos ilustram como a violência física afetou a vida dos sujeitos entrevistados.

Em um depoimento um sujeito diz: “tive vários conflitos com meu pai, que era uma pessoa muito rígida. Saí de casa quando tinha 12 anos. Com 15 anos voltei para casa, mas meu pai continuava o mesmo. Por isso, fui embora e nunca mais voltei” (apud MARQUES et al., 1994).

Em outra entrevista, um sujeito informa: “quando eu era pequena, eu era muito castigada. Meu pai era muito agressivo. Ele batia até tirar sangue, que era para a gente aprender. E por isso, eu casei muito cedo para fugir dele” (apud MARQUES et al., 1994). O casamento precoce ou o abandono do lar foi o caminho encontrado por esses dois sujeitos para romper com a relação familiar violenta.

De acordo com a conclusão do O Estudo causal sobre o desaparecimento infanto-juvenil, as razões que provocaram a saída de casa das crianças e adolescentes foram: agressões físicas (35%), alcoolismo dos pais ou dos jovens (24%), violência doméstica presenciada pela criança ou adolescente (21%), drogas usadas pelos filhos ou os progenitores (15%), abuso sexual/incesto (9%) e negligência (7%). Os demais casos registrados são de seqüestro e raptos (SÃO PAULO, 2005).

 

  • A restrição imediata de um comportamento inadequado pelo uso da dor impede pais e filhos de conhecerem as origens das dificuldades e suas motivações, ficando mais difícil a real elaboração e superação dos mesmos;

 

  • Facilita o surgimento de desvio no comportamento, como esconder ou dissimular por medo do castigo físico;

 

  • O comportamento desejado só ocorre na presença do punidor, pois o controle deste se dá por coação externa e não pela aceitação íntima da criança ou adolescente;

 

  • Irreversível alterações na morfologia e fisiologia cerebral;

Estudos comparativos, coordenados pelo psiquiatra da Escola de Medicina de Harvard, professor Martin H. Teicher, demonstraram que as conseqüências das violências podem ir além das dificuldades afetivas e comportamentais. Suas pesquisas identificaram alterações na morfologia e fisiologia das estruturas cerebrais de pessoas que foram vítimas de maus-tratos em fases precoces de sua vida. Teicher argumenta que se as violências (físicas, psicológicas, sexuais e negligências) ocorrem durante a fase crítica da formação do cérebro, quando ele está sendo esculpido pela experiência com o meio externo, o impacto do estresse severo pode deixar marcas indeléveis na sua estrutura e função. Para ele, o abuso leva uma cascata de efeitos moleculares e neurofisilógicos, que alteram de forma irreversível o desenvolvimento neural.

Pesquisadores fazem o seguinte alerta: filhos de pais dominadores, coercitivos, explosivos e espancadores tendem a desenvolver uma reação complementar patológica. Ou tornam-se extremamente submissos, assustados, podendo desenvolver processos psicopatológicos graves como fobias, traços psicóticos e depressão. Ou caminham para outro extremo: rebelam-se, assumindo traços de delinquência.

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