Para contribuir com o aprofundamento da compreensão dos impactos e consequências da violência sexual no desenvolvimento e na saúde de crianças e adolescentes apresento de forma sintética alguns quadros psicológicos que TENDEM a se desenvolverem se as violências não forem interditadass e as vítimas e seus familiares não receberem o adequado acompanhamento psicossocial.
De acordo Tilman Furniss, a gravidade das danos psicológicos decorrentes da situação de violência sexual estão relacionados a sete fatores:
- A idade do início do abuso;
- A duração do abuso;
- O grau de violência ou ameaças de violência;
- A diferença de idade entre a pessoa que comete o abuso e a criança que sofreu o abuso;
- Quão estreitamente a pessoa que cometeu o abuso e a criança eram relacionadas;
- A ausência de figuras parentais protetoras;
- Grau de segredo; [1]
•Características da personalidade da vítima;
•Mitos familiares e crenças religiosas e culturais;
•Extensão da divulgação do abuso;
•Dissonância ou convergência com a identidade em construção da vítima.
Observação. os itens em destaque são acréscimos meus.
Motivos que podem levar a criança a se submeter a um abuso sexual:
- Tem medo de magoar os sentimentos do homem;
- Quer e precisa de afeto e esta é a única maneira que lhe é oferecido;
- Teme que, se resistir, o homem a machucará ou irá se vingar em alguém que ela ama;
- Abusador ameaça que irá dizer que ela é quem estava querendo e assim, lhe causará problemas;
- A criança é pega de surpresa e não tem a menor idéia do que fazer;
- homem lhe diz que aquilo é certo, que está ensinando-a, que todo mundo também faz;
- Ela aprendeu a obedecer, indicriminadamente, aos adultos; e
- Acha que não tem outra escolha. [2]
Quando um homem usa sexualmente uma menina, está lhe passando uma forte mensagem sobre o mundo:
- Que ela só é importante por causa de sua sexualidade;
- Que os homens querem que as meninas dêem sexo e que os relacionamentos são insuficientes sem sexo;
- Que ela pode usar sua sexualidade como uma forma de chamar a atenção e conseguir o afeto de que necessita;
- Que sexo é um instrumento;
- Quando ele lhe diz para não contar a ninguém, ela aprende que alguma coisa relacionada com sexo é vergonhosa e má;
- Que ela, por ter tomado parte nisso, é ruim e indecente, e que ele, pelo mesmo motivo também é assim;
- Aprende que o mundo está cheio de sexo, que é mau e imoral, e, portanto, nada confiável e
- Percebe que mesmo aqueles em quem deveria confiar podem traí-la; e que ela própria pode se trair. [2]
SINAIS DE ALERTA EM RELAÇÃO À VÍTIMA:
- Manchas no corpo, roupas rasgadas, dificuldades para caminhar, manchas de sangue;
- Queixas de hemorragia vaginal ou retal, dor ao urinar, cólicas intestinais, corrimentos;
- Doenças sexualmente transmissíveis;
- Vômitos, gravidez precoce e/ou indesejada;
- Dizer que foi ou está sendo atacado(a);
- Inquietude corporal, agitação motora;
- Usar roupa inadequada para o clima;
- Ausência ou atrasos na escola, ou nós atendimentos de saúde;
- Perder a fala;
- Problemas de sono;
- Urinar na roupa ou na cama depois de 7 anos, quando não há nenhum problema físico;
- Problemas alimentares, comer demais ou de menos;
- Cansaço, sonolência, agitação noturna, pesadelos;
- Abuso de drogas e álcool;
- Prática de delitos ( pequenos roubos ou furtos);
- Prostituição;
- Dificuldades de concentração na escola ou no trabalho;
- Poucas relações de amizade;
- Comportamento agressivo, auto-destrutivo, tímido, passivo, submisso, retraído;
- Tristeza constante, choro freqüente, pensamentos suicidas;
- Depressão, fobias, quadros de pânicos;
- Desconfiança, estado de alerta permanente, esperando algo de ruim;
- Medo de ficar só ou em companhia de determinada pessoa, fugas de casa. [3]
CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS
1.Dificuldades de adaptação afetiva:
1.1 Sentimento de culpa
Tsai e Wagner – três fatores:
- Participa do complô do silêncio – sofre por não revelar e pelo medo das ameaças, receia o descrédito por parte dos adultos;
- Experimentar culpa por ter vivenciado algum prazer físico, a despeito da situação aversiva;
- Pode envergonhar-se por ter deixado ser abusada por muito tempo ( 4 anos em média no estudo de Tsai).
“Ainda é possível que a culpa esteja ligada a sentimentos de ódio para com o pai ou mãe – ambivalência, pois os pais são figuras “para serem amadas”.
1.2 Sentimento de auto-desvalorização
- Está ligado ao sentimento de culpabilidade – se vêem como inferiores e desvalorizadas em relação a outras mulheres.
Segundo Herman (1981) 60% das mulheres vitimizadas na relação pai-filha tem uma auto-imagem deteriorada. “Estas mulheres julgam que o que as singulariza é fato de serem más... referem a si próprias como “cadelas, putas e bruxas.”
1.3 Depressão
- Herman – 60% das vítimas mostraram sintomas importantes de depressão
2. Dificuldades na Adaptação Interpessoal
- Recusa no estabelecimento de relações com homens
- As vítimas fogem de relacionamentos duradouros. Esta recusa parece estar ligado ao que certos autores denominam “MEDO DA INTIMIDADE”. As vítimas apresentam o medo de estabelecer uma ligação afetiva caracterizada por abertura, confiança, atenção recíproca, responsabilidade e respeito.
- A intimidade pode aumentar a possibilidade de reavivar experiências traumáticas vividas com um agressor, como pode também representar um sentimento profundo de desconfiança para com o ser humano em geral, experimentado por aquelas que foram abusadas por um pai ou uma pessoa da relação de confinça e nem defendidas pela mãe.
2.1 Estabelecimento de relações apenas transitórias com homens
- Presença de promiscuidade sexual e prostituição.
Herman apresenta a seguinte hipótese no caso da violência sexual se de caráter incestuoso: “o pai , ao vitimizar a filha, força-a a pagar com seu corpo, pelo afeto e pelos cuidados que deveriam ser-lhe dispensados gratuitamente. Ao fazê-lo, ele destrói o liame protetor que deve existir entre pai e filha, iniciando-a na prostituição, isto é, no comércio do próprio corpo. Por outro lado, não se pode esquecer que muitas adolescentes vitimizadas fogem do lar e a prostituição acaba sendo um caminho de sobrevivência”.
2.2 Tendência a supersexualizar todas as relações com os homens
Tentativas de explicações:
- Incapacidade para distinguir relação sexual e afeto (Meiselman, 1978);
- Podem ter aprendido a recorrer a ardis sexualizados como forma de chamar a atenção (Herman, 1981) e
- Outras podem estar experimentando uma necessidade compulsiva de relações sexuais como prova de que são amadas e como forma de se sentirem adequadas (Courtois, 1979).
3. Dificuldades de Adaptação Sexual
Área mais seriamente afetada.
Os problemas nem sempre ocorrem no início de uma nova relação, se expressam algum tempo depois – MEDO DA INTIMIDADE.
Estão ligados a uma negação de todo e qualquer relacionamento sexual
- Perda completa ou parcial da motivação sexual;
Becker. Skinner, Abel and Treacy (1982), verificou-se que 33% das vítimas de incesto declararam não experimentar desejo sexual.
Tentativas de explicações:
- Reações fóbicas, provocando na vítima um medo intenso e irracional das relações sexuais – Becker e colaboradores constataram em seus estudos que 75% das vítimas falam de seu pavor das relações sexuais;
- Ou a incapacidade de vivenciar relacionamentos sexuais satisfatórios.
- Insatisfação sexual
Não é universal nas vítimas de abuso.
Meiselman – foram detectados problemas em atingir o orgasmo em 74% das vítimas de incesto pai-filha. “Algumas vítimas só eram capazes de atingir o orgasmo em condições muito específicas: ou quando se masturbavam, ou quando bebiam ou com um parceiro paciente e não agressivo, ao contrário da figura do agressor de sua infância”.
Bagley (1978-1982) identificou as seguintes seqüelas:
- “ – gestos e tentativas de suicídio (provavelmente em cerca de 5% de todas as jovens sexualmente vitimizadas);
- •Problemas de personalidade incluindo culpa, ansiedade, medos, depressão (provavelmente na maioria das vítimas do sexo feminino);
- Problemas mais agudos de personalidade, incluindo psicose, automutilação, obesidade induzida, anorexia, crises histéricas e estilo de vida cronicamente autopunitivo (provavelmente em cerca de 5% das crianças abusadas do sexo feminino);
- Prostituição ou um estilo de vida dominado pela exploração sexual (provavelmente em 5% das vítimas do sexo feminino);
- Retração, frigidez ou falta de confiança em relações de natureza psicossexual (provavelmente em 5 a 10% das vítimas do sexo feminino);
- Agressão, desordens de personalidade do tipo agressivo e delinqüência crônica (em cerca de 5% das vítimas); e
- Abuso de drogas e de álcool, conduzindo a dependência e problemas de saúde (em cerca de 5% das vítimas)”. [4]
REFERÊNCIAS:
[1] FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança: Abordagem Multidisciplinar, Manejo, Terapia e Intervenção Legal Integrados - Tilman Furniss; Maria Adriana Veríssimo Veronesse. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993
[2] BASS, Ellen e THORNTON, Louise. Nunca Contei a Ninguém. Editora HARPER & ROW DO BRASIL LTDA.
[3] BRASIL. Direitos Humanos e violência Intrafamiliar - Informações e orientações para Agentes Comunitários de Saúde. Ministério da Saúde/Ministério da Justiça, Brasília 2001.
[4] AZEVEDO, Maria Amélia, GUERRA, Viviane N. Azevedo - Crianças vitimizadas: sindrome do pequeno poder. Violência física e sexual contra crianças e adolescentes. São Paulo: Iglu, 1989
Um alerta importante:
Cada situação de violência envolvi uma rede complexa de intervenientes, as pessoas, o grupo familiar, as características do autor de violência e as tipologias da violência não são iguais, portanto, cada caso é um caso. Por fim, informo que estou à disposição do leitor do blog caso sinta a necessidade de obter mais informações ou maiores esclarecimentos.
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