Este artigo dedico a esclarecer pais e cuidadores sobre os riscos que o uso do castigo físico pode acarretar no desenvolvimento físico e mental das crianças e adolescentes. As informações expostas neste texto se dirigem a pais biológicos ou não que concebem a educação de seus filhos como um projeto de vida, de futuro e de contentamento.
Sabemos que educar um filho não é tarefa fácil – as dúvidas e os medos estão presentes em cada fase de seu desenvolvimento. Tenho a seguinte compreensão: são poucos os pais que receberam orientação e acompanhamento adequado para desenvolver a difícil tarefa de educar.
Como tudo que envolve as experiências humanas, a violência física intrafamiliar contra crianças e adolescentes é fenômeno complexo – suas causas e usos possuem muitas origens. Para fins didáticos, dividirei em dois grupos diferentes os adultos que costumam usar violências físicas na educação de seus filhos. Os adultos do primeiro grupo utilizam a violência física de forma aleatória: ocorrem, geralmente, pelo descontrole emocional, impulsividade ou algum transtorno mental associado. Nesse caso, a violência física não possui um objetivo disciplinar, mesmo que a argumentação aparente seja de melhor educar os filhos.
Este tipo de autor de violência é vulnerável tanto aos elementos internos (ansiedade, depressão, frustrações etc.) como externos (stressores) presentes em sua vida (álcool, drogas, conflitos conjugais ou de trabalho e dificuldades financeiras). A violência física utilizada por este tipo de agressor se manifesta de forma mais severa. São exemplos bastante comuns as seguintes formas de violências físicas:
- queimaduras por pontas de cigarro ou por objetos aquecidos (ferro de passar roupas e talheres incandescentes);
- envenenamentos;
- ferimentos com objetos contundentes,
- traumatismos craniano;
- fraturas ósseas.
No segundo grupo estão os adultos que se utilizam de castigos físicos com a finalidade disciplinar. Os tapas, os beliscões, os solavancos não costuma acontecer de modo aleatório. Eles ocorrem quando se quer inibir ou eliminar um comportamento supostamente inadequado da criança ou do adolescente. Este tipo de disciplinamento é adotado por ser um modelo aprendido na família de origem, por crenças religiosas ou por desconhecer outras formas de se educar.
Controle – Porém, nos dois grupos de adultos os castigos físicos estão, geralmente, associados às necessidades de controle do comportamento do outro e ao sentimento de frustração (seja em relação a uma expectativa ou a um desejo). O adulto que usa castigos físicos em seus filhos está em certos momentos susceptíveis à irritabilidade e à impulsividade. Suas reações estão normalmente afetadas por sensações e sentimentos negativos. Excitação excessiva, ira, frustração e medo provocam reações no sistema nervoso autônomo. Com isso, uma forte descarga adrenérgica pode afetar o comportamento dos pais. A adrenalina é o hormônio das ações aceleradas.
É comum o relato de pais sobre a sua perda de controle no momento da aplicação de um castigo físico. As pesquisas confirmam a freqüência deste descontrole. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 1993, demonstrou que entre as milhares de pessoas consultadas, um quarto delas admitiram que pelo menos uma vez perderam o controle ao castigar fisicamente seus filhos. Nas investigações de graves violências físicas contra crianças e adolescentes muitos pais relatam que os incidentes começaram como “uma punição comum”.
A dificuldade em controlar as reações no momento que emergem conflitos não é a única situação de vulnerabilidade presente ao aplicarmos castigos físicos, principalmente em crianças. A segunda vulnerabilidade representa a própria fragilidade corporal da criança. A força que o adulto avalia ser pequena pode não ser para as crianças. Por isso, bater em crianças é fisicamente perigoso. As chamadas punições mais leves podem, muitas vezes, causar sérios ferimentos. Sacudir bebês, por exemplo, pode levar a concussões, danos cerebrais e até mesmo causar a morte (Sindrome do bebê sacudido).
A terceira vulnerabilidade está na suposta confiança que os pais têm na eficiência dos castigos físicos como método punitivo-disciplinar. Essa confiança impede os pais de verem as falhas que este modelo oferece. Assim, as punições que começam “leve” podem evoluir para medidas mais severas. Diante da ineficiência desse método, a tendência dos pais é achar que a dose esta fraca, aumentando progressivamente a intensidade da violência.
Independente da finalidade, das características individuais de quem utiliza a violência física como método disciplinar e das vulnerabilidades presentes, a prática de bater para educar traz danos para as crianças e os adolescentes. Os riscos para o bom desenvolvimento das crianças não se restringem somente na intensidade da violência, moderada ou imoderada. Os riscos estão presentes na proposta do método, que é provocar dor e sofrimento físico.
Nessa forma de disciplinamento há mensagens muito perigosas, em que se funde amor com dor, cólera e submissão: “eu te puno para o teu próprio bem, eu te machuco porque te amo”. A dupla mensagem que os castigos físicos carrega pode levar ao desenvolvimento de disfunções preceptivas, transtornos adaptativos e comportamentos estereotipados na vida dos filhos.
Pesquisadores fazem o seguinte alerta: filhos de pais dominadores, coercitivos, explosivos e espancadores tendem a desenvolver uma reação complementar patológica. Ou tornam-se extremamente submissos, assustados, podendo desenvolver processos psicopatológicos graves como fobias, traços psicóticos e depressão. Ou caminham para outro extremo: rebelam-se, assumindo traços de delinqüência.
Vivência – No trabalho terapêutico encontrei muitas mulheres que sofriam com os atos de violência do marido ou parceiro sem conseguirem se proteger ou encontrar uma alternativa de mudança para o seu padrão de relacionamento conjugal. Essas mulheres tinham, em comum, uma história de violência anterior, praticada pela família de origem. Muitas expressavam em seu comportamento submisso uma adaptação estereotipada às condutas violentas (psicológica, sexual ou física) que sofriam de seus pais ou cuidadores quando meninas. Porém, o impressionante é que elas traziam subjacentes a dor e o medo, a crença de que quem pune ou castiga com violência é porque tem sentimentos verdadeiros, porque ama.
Pesquisas psicológicas têm demonstrado que quando há uma contradição entre teoria e prática: as crianças prestam mais atenção nas atitudes do que nas palavras. Esta pesquisa é muito evidente: é só fazer um teste: bata numa criança e simultaneamente diga por que bateu. Pergunte a essa criança por que razão ela apanhou. Questione-a sobre o que mais a marcou: o tapa o a mensagem? Isso se dá especialmente nos casos em que se deseja controlar um comportamento violento usando outro da mesma natureza. Diante dessas situações, é comum a criança demonstrar confusão em seus pensamentos: “como podem me amar e me ferir ao mesmo”, “como podem dizer para não batermos em outras pessoas se eles mesmos (os pais) batem”.
Outras pesquisas dão ênfase no fenômeno da aprendizagem social da violência. Ou seja: agressão gera agressão. Elas demonstram que crianças submetidas a violências físicas estão mais propensas a agir de forma violenta com seus irmãos e colegas; a ter condutas anti-sociais na adolescência; a ser violentas quando adultas (em seus matrimônios ou com seus filhos) e a cometer crimes violentos.
Consequências – Estudos comparativos, coordenados pelo psiquiatra da Escola de Medicina de Harvard, professor Martin H. Teicher, demonstraram que as conseqüências das violências podem ir além das dificuldades afetivas e comportamentais. Suas pesquisas identificaram alterações na morfologia e fisiologia das estruturas cerebrais de pessoas que foram vítimas de maus-tratos em fases precoces de sua vida.
As alterações encontradas por Teicher eram manifestações de sintomas semelhantes aos portadores do quadro orgânico de Epilepsia do Lobo Temporal (ELT). Os sintomas encontrados em sua pesquisa foram anormalidades nas ondas cerebrais no eletroencefalograma, disfunções do sistema límbico, com alterações no tamanho das amígdalas e do hipocampo; diminuição da integração entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, com a presença de um corpo caloso menor que o normal, e a anormalidade na vermis cerebral, com redução do fluxo sanguíneo.
Teicher argumenta que se as violências (físicas, psicológicas, sexuais e negligências) ocorrem durante a fase crítica da formação do cérebro, quando ele está sendo esculpido pela experiência com o meio externo, o impacto do estresse severo pode deixar marcas indeléveis na sua estrutura e função. Para ele, o abuso leva uma cascata de efeitos moleculares e neurofisilógicos, que alteram de forma irreversível o desenvolvimento neural.
O castigo físico agrega em si o risco de muitos danos emocionais e físicos. Porém, nenhum evento isolado é o único desencadeador de uma dificuldade psíquica, pois a violência se desenha diferente em cada grupo familiar. No entanto, como pais zelosos, devemos ter muito cuidado ao escolher um método de disciplinamento. Temos que ponderar as evidências cumulativas de pesquisas e dados clínicos que apontam que os castigos físicos:
- oferecem um modelo inadequado, por parte dos adultos, de lidar com situações de conflitos, que é o uso da força, da violência;
- a restrição imediata de um comportamento inadequado pelo uso da dor impede pais e filhos de conhecerem as origens das dificuldades e suas motivações, ficando mais difícil a real elaboração e superação dos mesmos;
- facilita o surgimento de desvio no comportamento, como esconder ou dissimular por medo do castigo físico;
- o comportamento desejado só ocorre na presença do punidor, pois o controle deste se dá por coação externa e não pela aceitação íntima da criança ou adolescente;
- aparecem dificuldades na aprendizagem e na internalização das regras e dos valores de certo e errado, pois elas vêm associadas a sentimentos e sensações negativas;
- aumentam as chances de aparecer dificuldades na aceitação da figura de autoridade.
Um bom desenvolvimento exige que os pais ou cuidadores tenham a capacidade de exercer sua autoridade, com amor e disciplina. Porém, cabe a nós, educadores e profissionais da área da saúde mental, auxiliá-los a perceber em que base se sedimenta sua autoridade e disciplina.
*Cida Alves – Mestre em educação e doutoranda pela Faculdade de Educação - UFG
Conselheira do Conselho Regional de Psicologia – CRP 09 GO/TO
Psicóloga do Núcleo de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde - SMS Goiânia
Há 13 anos atende na saúde pública pessoas em situação de violência
Conselheira do Conselho Regional de Psicologia – CRP 09 GO/TO
Psicóloga do Núcleo de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde - SMS Goiânia
Há 13 anos atende na saúde pública pessoas em situação de violência
Artigo foi publicada no Jornal O Popular em 10 de agosto de 2006. Goiânia Goiás
Cida,
ResponderExcluiradorei seu blog, seus textos. Faço umtrabalho complementar ao seu, com enfoque nas questões críticas, políticas, éticas, ideológicas e afins sobre a educação, a violência concreta, simbólica contra as pesssoas. As funções das escolas e os fins reais da pedagogia e da educação. Gostaria de trocar ideias outras. Também sou de Goiânia, mas moro em Brasília há anos.
Acesse meu blog:
www.mudandoparadigmas.blogspot.com
Antonio