24 de ago. de 2010

A Europa caminha em direção à abolição total do castigo físico contra crianças

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Thomas Hammarberg*










A maioria dos Estados membros do Conselho da Europa se comprometeram a por fim a todo o castigo físico contra crianças. O mais importante é que essa posição foi confirmada pela Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da Criança. Este tratado determina que os governos devem tomar medidas legislativas e outros passos para proteger as crianças de todas as forma de violência física e mental quando estas estiverem sob o cuidado dos pais, guardiões legais ou qualquer outra pessoa que seja responsável pela ela.


É preciso ressaltar sempre que isso não é um jogo de filhos contra pais. A convenção da ONU apóia muito as famílias e enfatiza a importância absoluta de um bom ambiente familiar e a necessidade, em alguns casos, de oferecer ajuda da comunidade para pais em crise. A violência contra criança é o reflexo de uma ruptura familiar e pede a proteção da vida, da dignidade e do bem-estar da criança. Esse é um dos principais motivos pelos quais a preservação da violência doméstica contra a criança é hoje reconhecida como uma preocupação dos direitos humanos.

O objetivo de proibir o castigo físico contra crianças é, precisamente, a prevenção. A idéia é estimular uma mudança de atitude e de prática, além de promover métodos não violentos de educação. É fundamental enviar uma mensagem clara sobre o que é considerado inaceitável. Os adultos responsáveis pelas crianças ficam confusos, às vezes, sobre como lidar com situações difíceis. É preciso, simplesmente, estabelecer um limite entre violência física e psicológica, de um lado, e não-violência do outro.

O problema é profundo e sério. Em sua vida diária, muitas crianças na Europa e no mundo continuam a ser espancadas, a levar tapas, bofetadas, socos, chacoalhões, beliscões, chutes, surras de vara, de chicote ou de cinturão em nome da “disciplina”, em geral pelas mãos de adultos dos quais elas dependem. Como disse uma vez o médico, escritor e pedagogo Janusz Korczak, “existem muitas coisas terríveis no mundo, mas a pior delas é quando uma criança tem medo de seu pai, de sua mãe ou de seus professores”.

Essa violência pode ser um ato deliberado de castigo ou apenas a reação impulsiva de um pai ou professor irritado. Ambas as causas constituem uma quebra dos direitos humanos. O respeito pela dignidade humana e o direito à integridade física são princípios universais. Apesar disso, no entanto, persiste a aceitação legal e social de que adultos batam em crianças ou lhes inflijam outro tratamento humilhante.

A invenção de conceitos como “castigo moderado” e “castigo imoderado” vem da percepção da criança como propriedade dos pais. Esses “direitos” se baseiam no poder do mais forte sobre o mais fraco e são mantidos por meio da violência e da humilhação.

A Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa fez um chamado, em 2004, pela erradicação do castigo físico em todo o continente. Ela afirma que “qualquer castigo físico contra crianças é uma quebra de seus direitos fundamentais à dignidade humana e à integridade física. O fato de que o castigo físico ainda seja legal em certos Estados membros viola o direito igualmente fundamental das crianças à mesma proteção legal de que gozam os adultos. Bater em ser humano é proibido na sociedade européia e as crianças são seres humanos. A aceitação legal e social do castigo físico contra crianças precisa acabar”.

É claro que a eliminação do castigo físico requer mais do que uma reforma legal. São necessários, também, uma educação contínua do público e a conscientização sobre a lei e sobre o direito das crianças à proteção, além da promoção de relacionamentos positivos e não-violentos. O programa “Construindo uma Europa com e para as Crianças”, do Conselho da Europa, está promovendo a abolição do castigo físico através da reforma da lei, do incentivo à maternidade/paternidade positivas e dos esforços de conscientização capazes de mudar comportamentos e atitudes públicas.

As crianças precisaram esperar mais para receber a mesma proteção legal que os adultos desfrutam contra agressões deliberadas. É extraordinário pensar que crianças, que por seu estado de desenvolvimento e seu reduzido tamanho são particularmente vulneráveis a danos físicos e psicológicos, se destaquem por receber menos proteção contra ataques à sua dignidade e a seus corpos e mentes frágeis.

Desafiar a aceitação legal e social da violência foi uma parte fundamental da luta das mulheres por direitos iguais. O mesmo se aplica às crianças: não poderia haver reflexo simbólico maior do baixo status de que gozam as crianças como propriedade dos adultos do que a suposição de que este têm o “direito” ou até o “dever” de bater nelas.

*Thomas Hammarberg - Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa

Fonte: Informativo Violência Jamais - Trinta anos da abolição do castigo físico na Suécia - Governo da Suécia e Save teh children Suécia 2009.

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