Escrito por Bernardo Élis, o imperdível romance “O Tronco”, apresenta os confrontos de uma sociedade rural e oligárquica em Goiás no início do século XX na antiga Vila do Duro. Objeto de tortura de escravos e indígenas, o tronco acatava seu papel de reprimir os desafetos dos coronéis, que não se intimidavam, sobretudo, com qualquer tentativa de justiça por parte dos camponeses explorados. Estes, sem salários, criavam o gado do patrão que, por caridade, permitia, na quarta cria, o direito a um bezerro. Caso um bezerro morresse, sobrava para o vaqueiro sem salário, pois “(...) bezerro de coronel não podia morrer”.
O povo explorado, não sentindo-se representado pelas vias consideradas legais, já que os coronéis se impunham como o próprio Estado, reagia com os elementos de luta e de organização que dispunham. Reagia ao poder que parecia ser dado naturalmente aos “mandadores” que se apoiavam na coerção, intimidação, terror, opressão, pistolagem, rede de influência, jagunços, exploração e mais uma coleção de violência bem conhecida na história dos donos das terras, da água e do céu.
Esta semana, diante dos desmandos do governo estadual de Goiás, que conseguiu se superar no quesito “Quem manda aqui é ‘nóis’!”, assistimos passagens que, para quem conhece um pouco de história regional, compreende que o coronelismo fez, e segue fazendo, escola nas terras goianas. Coronelismo aperfeiçoado, com ares democráticos que parece ser distante, porém não muito, do exercício do coronel Pedro Melo, considerado no romance um “(…) homem inteligente, sagaz, audacioso, de ambição sem limites, duro feito aroeira”.
A abertura dos envelopes com propostas de empresas que disputam o grande negócio de assumir a privatização de vinte e três escolas públicas em Goiás foi feita em um espaço público – Centro Cultural Oscar Niemeyer (pobre Oscar) – longe do público. Impedir que um ato, considerado pelo próprio governo como 'democrático', seja mantido distante das vistas da sociedade, determina mais uma prática do autoritarismo bancada pela falta de transparência que não é estranha a esta gestão. Já conhecemos o processo de militarização das escolas estaduais, feitos ao toque de caixa e oferecidos para a polícia goiana, considerada um primor de referência da truculência.
Seguindo a prática coronelista, o governo que acaba de embarcar a 'nobreza' do Palácio das Esmeraldas no alegre (e branco) trem, que rumou ao brilho da Sapucaí, gastando o dinheiro público que falta neste estado, mandou ver em cima da meninada secundarista que exercia o direito, e a necessidade, de protestar contra as perversidades já tão conhecidas. Sim! Mandou prender os meninos e as meninas secundaristas, gente considerada, pelos donos da fazenda, de alta periculosidade, que ameaça constantemente a não democracia tão bem implantada no cerrado do Planalto Central.
Mas não basta só prender a meninada, os desavisados que apoiam o movimento legítimo, também precisam aprender que com 'peixe grande' não se brinca. Uai! Que trem é esse de professor ficar apoiando luta de jovens secundaristas? Professor não sabe que seu lugar é em sala de aula? Onde já se viu querer fazer da luta prática uma chave contra a falta de democracia? Sim, este governo que já tem o histórico de agredir docentes, agora manda prendê-los, alegando serem estes “chefes de quadrilha”, aqueles que estudaram, fizeram mestrado, doutorado, para comandar “delinquentes” que ocupam prédios públicos. Como se a meninada fosse incapaz de construir sua luta com seus elementos próprios.
Não sou adepta da turma que defende a hipótese de que vivemos uma ditadura pior que a de 64. Aliás, acho que deve ser bem ofensivo para quem foi preso e torturado, ter que escutar isso. Boa ou não, vivemos em uma democracia, caso contrário este texto teria que ser anônimo e distribuído clandestinamente. Mas, para quem acha que história é algo que pertence ao passado e nada mais, talvez valesse a pena passear pelas obras de B. Èlis, em especial 'O Tronco', que aponta, duramente, que as lascas dos coronéis da Vila do Duro, ainda que sob nova roupagem, estão bem atuais e tenta nos tirar qualquer possibilidade de ter bezerros e retirar o tronco de nossos corpos.
Em tempo: todos os posts do Facebook que denunciavam os horrores da semana, em especial os postados na noite do dia 16 de fevereiro, com as fotos das meninas secundaristas presas, DE-SA-PA-RE-CE-RAM!
Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da UFG e militante do Movimento de Meninos/as de Rua de Goiás.
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