"A indignação da mãe do adolescente é ainda maior ao ver o filho machucado e envergonhado. 'Ele está quieto, no canto dele, diferente do normal. O rosto está inchado, acho que ele está com vergonha. Não sei qual vai ser minha reação se encontrar esse professor. Não tenho estrutura para conversar com o homem que espancou meu filho. Crio meus filhos sozinha e nunca agredi nenhum deles. É uma revolta muito grande', desabafa (fonte G1).
Veja AQUI reportagem completa no Portal G1
Comentário:
A delicada tarefa de educar
De acordo com Felipe & Philippi (1998), a violência visa sempre eliminar, no sujeito que a sofre, qualquer possibilidade de fazer uso da autodefesa para garantir-se íntegro. O ato violento busca suprimir um dos atores como sujeito, pois tem por finalidade impor nesse a condição de objeto, ou seja, sem arbítrio, vontade e luta. Anular a vontade, o desejo do aluno, impondo pela força a sua própria vontade, foi o que fez o educador da Escola Municipal Angelo Zani ao determinar que desligasse o celular que tocava Funk.
Ora, também não curto esse estilo musical, mas veja bem, no processo educativo o que é mais importante: reprimir e controlar gostos ou desejos ou promover discernimentos? Impor padrões de linguagens culturais ou gostos musicais é ensinar? Anular a vontade de ouvir certos hits promove a capacidade de discernimento e de autonomia dos educandos?
Para o professor da Escola Municipal Angelo Zani - Cariacica/ ES e todos nós educadores, posto abaixo algumas reflexões de Regis de Morais, autor do livro Violência e Educação.
Para o Regis de Morais (1995), o autoritarismo está na raiz de toda violência ocorrida no campo educacional. O autoritarismo - explícito ou dissimulado, se caracterizará sempre por uma fundamental indisposição ao diálogo. Uma forma de antidiálogo muito presente nas relações educacionais é a doutrinação, ou seja, é o esforço de condicionar seres humanos, ante uma realidade rica e diversa, a fazerem uma “leitura” única e redutora. Nesse sentido é fundamental que o professor proponha ao aluno a forma que lhe pareça mais rica de “ler” o mundo e a vida, pois ensinar implica sempre uma proposta cognitiva. No entanto, Morias ressalta que o educador:
"(...) está eticamente obrigado a deixar claro para os seus alunos que a forma de “leitura” por ele apresentada é uma, dentre várias outras possíveis, na abordagem do que chamamos realidade. Nada de apresentar um modo de compreensão como sendo o único confiável, o único existente ou o único válido; como sendo a única via de acesso à verdade. Isto é francamente ideológico” (MORAIS, 1995, p. 58)
Um pouco mais de Regis Morais:
"No verdadeiro diálogo eu não desejo submeter ou dominar o pensamento do outro; não me interessa vencer e tocar, sobre a humilhação dos vencidos, os ridículos clarins da vitória; interessa-me tanto convencer quanto ser convencido, na dependência do que se passou no 'entre dois'. Diálogos terminam em silêncio de indizível gratidão recíproca, já que, como dizia Alceu Amoroso Lima, a glória do homem é a palavra e o coroamento da palavra é o silêncio. Isto não se refere nem de longe aos silêncios impostos por mordaças; isto aponta para aquele tipo de silêncio que é a intraduzível celebração do entendimento profundo (MORAIS, 1995, p. 72).
"As relações educacionais são e devem ser sempre bipolares e estarão constantemente na dependência de ser ou não possível o evento do 'encontro humano'. Ao educador cumprirá bater, de boa consciência, à porta dos educandos postos sob seu cuidado; nisso o educador não pode omitir-se, não pode falhar: ele precisa, cheio da melhor boa vontade, 'bater à porta' do educando. Como, porém, foi ensinado por Buber, o encontro humano coroa um momento de graça no qual havia alguém batendo pelo lado de fora, bem como havia alguém querendo abrir, pelo lado de dento da porta. Isto quer dizer que o educador não tem o direito de 'arrombar a porta' na qual bate: a do educando" (MORAIS, 1995, p. 71)
.
"(...) educar é intervir em vidas, assim como ensinar o é. Intervenção em vidas humanas é alguma coisa que se faz pelo convite e não pela invasão. (...) Fique bem claro que intervir em vidas é algo que se faz sob o princípio da autoridade, que não tem qualquer parentesco com o princípio do autoritarismo. Autoridade é um princípio de equilíbrio e não será exagerado dizermos que é um princípio de amor, como várias vezes o concebeu Santo Tomás de Aquino. O que, de fato, caracteriza autoridade é a relação de solidariedade, bem como a inexistência de uma relação de dominação" (MORAIS, 1995, p. 45).
"Na verdade, o autoritarismo é o tapume atrás do qual alguma incompetência se esconde. (...) Portanto, frisemos: o educador intervém em vidas numa relação de autoridade, pois, numa relação de autoritarismo ele fatalmente invade vidas, sufocando nestas o que nelas pode haver de sinceridade e espaço interior criativo. Rousseau sempre repetia que essa pseudo-educação, que se parece a 'tábuas da lei', só acaba por infundir no educando hábitos da mentira, hipocrisia e vaidade, fazendo uma astuciosa vingança contra aquele que se julgou no direito de invadir brutalmente o recesso de uma vida" (MORAIS, 1995, p. 46).
"Será educador, portanto, todo aquele que conseguir alcançar a sutileza de discernir – o mais nitidamente possível - a fronteira complexa que separa intervenção de invasão. 'Mas a autoridade é humilde (embora firme), pois sabe que a receptividade dos educandos é uma estrutura de cristal, bela e capaz de partir ao menor impacto, que precisa ser ‘artisticamente’ preservada. O autoritarismo é arrogante (embora frágil) por compreender que não é convidado e nem recebido, por saber que vive respondendo perguntas que não foram feitas, por ter consciência de que sua própria existência é um logro: 'a consagração de uma mise-em-scéne de quinta categoria'” (MORAIS, 1995, p. 47).
Referências citadas:
FELIPE, Sônia T.; PHILIPPI Jeanine Nicolazzi. O corpo violentado: estupro e atentado violento ao pudor. Um ensaio sobre violência e três estudos de filmes à luz do contratualismo e da leitura cruzada entre direito e psicanálise. Florianópolis: Ed. da UFSC. 1998.
MORAIS, Regis de. Violência e educação. Campinas, SP: Papirus, 1995 (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).
Ora, também não curto esse estilo musical, mas veja bem, no processo educativo o que é mais importante: reprimir e controlar gostos ou desejos ou promover discernimentos? Impor padrões de linguagens culturais ou gostos musicais é ensinar? Anular a vontade de ouvir certos hits promove a capacidade de discernimento e de autonomia dos educandos?
Para o professor da Escola Municipal Angelo Zani - Cariacica/ ES e todos nós educadores, posto abaixo algumas reflexões de Regis de Morais, autor do livro Violência e Educação.
Para o Regis de Morais (1995), o autoritarismo está na raiz de toda violência ocorrida no campo educacional. O autoritarismo - explícito ou dissimulado, se caracterizará sempre por uma fundamental indisposição ao diálogo. Uma forma de antidiálogo muito presente nas relações educacionais é a doutrinação, ou seja, é o esforço de condicionar seres humanos, ante uma realidade rica e diversa, a fazerem uma “leitura” única e redutora. Nesse sentido é fundamental que o professor proponha ao aluno a forma que lhe pareça mais rica de “ler” o mundo e a vida, pois ensinar implica sempre uma proposta cognitiva. No entanto, Morias ressalta que o educador:
"(...) está eticamente obrigado a deixar claro para os seus alunos que a forma de “leitura” por ele apresentada é uma, dentre várias outras possíveis, na abordagem do que chamamos realidade. Nada de apresentar um modo de compreensão como sendo o único confiável, o único existente ou o único válido; como sendo a única via de acesso à verdade. Isto é francamente ideológico” (MORAIS, 1995, p. 58)
Um pouco mais de Regis Morais:
"No verdadeiro diálogo eu não desejo submeter ou dominar o pensamento do outro; não me interessa vencer e tocar, sobre a humilhação dos vencidos, os ridículos clarins da vitória; interessa-me tanto convencer quanto ser convencido, na dependência do que se passou no 'entre dois'. Diálogos terminam em silêncio de indizível gratidão recíproca, já que, como dizia Alceu Amoroso Lima, a glória do homem é a palavra e o coroamento da palavra é o silêncio. Isto não se refere nem de longe aos silêncios impostos por mordaças; isto aponta para aquele tipo de silêncio que é a intraduzível celebração do entendimento profundo (MORAIS, 1995, p. 72).
"As relações educacionais são e devem ser sempre bipolares e estarão constantemente na dependência de ser ou não possível o evento do 'encontro humano'. Ao educador cumprirá bater, de boa consciência, à porta dos educandos postos sob seu cuidado; nisso o educador não pode omitir-se, não pode falhar: ele precisa, cheio da melhor boa vontade, 'bater à porta' do educando. Como, porém, foi ensinado por Buber, o encontro humano coroa um momento de graça no qual havia alguém batendo pelo lado de fora, bem como havia alguém querendo abrir, pelo lado de dento da porta. Isto quer dizer que o educador não tem o direito de 'arrombar a porta' na qual bate: a do educando" (MORAIS, 1995, p. 71)
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"(...) educar é intervir em vidas, assim como ensinar o é. Intervenção em vidas humanas é alguma coisa que se faz pelo convite e não pela invasão. (...) Fique bem claro que intervir em vidas é algo que se faz sob o princípio da autoridade, que não tem qualquer parentesco com o princípio do autoritarismo. Autoridade é um princípio de equilíbrio e não será exagerado dizermos que é um princípio de amor, como várias vezes o concebeu Santo Tomás de Aquino. O que, de fato, caracteriza autoridade é a relação de solidariedade, bem como a inexistência de uma relação de dominação" (MORAIS, 1995, p. 45).
"Na verdade, o autoritarismo é o tapume atrás do qual alguma incompetência se esconde. (...) Portanto, frisemos: o educador intervém em vidas numa relação de autoridade, pois, numa relação de autoritarismo ele fatalmente invade vidas, sufocando nestas o que nelas pode haver de sinceridade e espaço interior criativo. Rousseau sempre repetia que essa pseudo-educação, que se parece a 'tábuas da lei', só acaba por infundir no educando hábitos da mentira, hipocrisia e vaidade, fazendo uma astuciosa vingança contra aquele que se julgou no direito de invadir brutalmente o recesso de uma vida" (MORAIS, 1995, p. 46).
"Será educador, portanto, todo aquele que conseguir alcançar a sutileza de discernir – o mais nitidamente possível - a fronteira complexa que separa intervenção de invasão. 'Mas a autoridade é humilde (embora firme), pois sabe que a receptividade dos educandos é uma estrutura de cristal, bela e capaz de partir ao menor impacto, que precisa ser ‘artisticamente’ preservada. O autoritarismo é arrogante (embora frágil) por compreender que não é convidado e nem recebido, por saber que vive respondendo perguntas que não foram feitas, por ter consciência de que sua própria existência é um logro: 'a consagração de uma mise-em-scéne de quinta categoria'” (MORAIS, 1995, p. 47).
Referências citadas:
FELIPE, Sônia T.; PHILIPPI Jeanine Nicolazzi. O corpo violentado: estupro e atentado violento ao pudor. Um ensaio sobre violência e três estudos de filmes à luz do contratualismo e da leitura cruzada entre direito e psicanálise. Florianópolis: Ed. da UFSC. 1998.
MORAIS, Regis de. Violência e educação. Campinas, SP: Papirus, 1995 (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).
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