7 de set. de 2010

Depoimento de Marília Gabriela revela a lembraça da dor vivenciada por uma criança que sofreu violências físicas


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O depoimento de Marília Gabriela é de uma lucidez e coragem incomum.
Geralmente, os filhos já adultos têm dificuldades de falar abertamente
de seus sofrimentos infantis, ainda mais quando
esses são provocados pelos próprios pais.


Como mostram as pesquisas abaixo, os sentimentos negativos despertados pela vivência dos castigos físicos e humilhanres são, geralmente, minimizados ou negados pela maioria dos filhos.Vejam algumas pesquisas que evidenciam a legitimazação da prática da violência física por parte dos próprios filhos:

A pesquisa realizada nos EUA
, em 1988, evidenciou que a prática de bater para educar é aceita também pelos filhos. Essa pesquisa entrevistou estudantes universitários com o objetivo de que eles descrevessem sua experiência com a punição física.


Os resultados encontrados mostraram que 80% haviam sido espancados, 43% tiveram fraturas ósseas, de 35 a 38% receberam queimaduras, sofreram ferimentos na cabeça, tiveram dentes fraturados e 10% deles apresentaram um quadro de equimoses (apud AZEVEDO; GUERRA, 1995).

Apenas 3% dos entrevistados consideraram-se uma vítima de violência doméstica. Os demais encararam-na como uma prática normal de disciplinamento parental.

Para Azevedo e Guerra (1995), esses resultados são preocupantes, pois se esses futuros profissionais não consideram tais práticas abusivas na sua própria vivência familiar, não as considerarão dessa forma também para seus próprios filhos e até mesmo para seus próprios clientes.

Como na pesquisa norte-americana citada por Azevedo e Guerra (1995), a maioria dos estudantes entrevistados na pesquisa desenvolvida por Assis e Deslandes (2005) justifica a violência física aplicada pelos pais.

Para eles, as agressões são explicadas pelo estresse do trabalho do pai, pelo nervosismo, por sua própria falta de limite e rebeldia, pelo não-cumprimento de tarefas domésticas e sobretudo, por seu mau desempenho escolar.


Os adolescentes, por vezes, afirmam que mereceram apanhar, que não sentem dor, que os pais têm o direito de bater e que a criança deve apanhar quando fizer algo errado. A conformidade expressa pelos jovens confirma a aceitação social da violência quando ela tem uma dita finalidade educativa.

Para Assis e Deslandes (2005), a angústia expressa por adolescentes vítimas de violência física descrita nessa pesquisa revela que eles convivem cotidianamente com sentimentos de raiva, ambivalência do afeto e do ódio que sentem pelos familiares e a aceitação do fato de que as dores que sentiram foram merecidas, ao reconhecerem que a agressão por eles sofridas esteve respaldada no amor e na necessidade cultural de educá-los. É o aprendizado da violência e da vida acontecendo simultaneamente para essas crianças e adolescentes. E, no entanto, hoje é de domínio público que a violência intrafamiliar potencializa a violência social (ASSIS; DESLANDES 2005, p.51).






A sujeição e a menos valia
aprendida e legitimada pela
criança a custa da dor e do medo.





Como posse do mundo adulto, o corpo da criança foi e continua alvo de múltiplas formas de violência. A humanidade, ao longo de sua história, desenvolveu um saber fazer para agredir o corpo das crianças. Esse saber fazer violento mantém-se na educação dos filhos. O uso da dor e do sofrimento físico para prevenir ou punir um comportamento tido como incorreto ou inadequado é ainda um recurso utilizado e legitimado na educação de crianças no espaço familiar.


A prática de bater para educar as crianças possui raízes muito profundas, é um costume arraigada na cultura. A aceitação dessa prática não se restringe apenas aos pais, muitos filhos demonstram serem tolerantes em relação às violências físicas que sofrem dos pais. A violência física costuma ser encarada pelos filhos como uma prática normal de disciplinamento parental.

É comum ouvir de crianças vítimas de violência física que elas mereceram apanhar. Elas dizem que não sentem dor, que os pais têm o direito de bater, e a criança deve apanhar quando fizer algo errado. A aparente conformidade dos filhos deixa evidente o poder da legitimidade conferida à prática de bater quando ela tem uma dita finalidade educativa. Mas não é sem sofrimento que as crianças convivem com os métodos educativos violentos. O sentimento de raiva, ambivalência afetiva e o ódio pelos pais não deixam de ocorrer, no entanto, são ocultados pela idealizada imagem da autoridade familiar. Ainda que seja regida com violência, arbitrariedade e injustiça, essa autoridade jamais deve ser contestada pelo bom e obediente filho.

A idealização do
amor familiar afirma de forma incontestável que os pais sempre fazem o bem a seus filhos. Ante esse amor idealizado, resta aos filhos aceitar a dor e o sofrimento perpetrados pelos pais, pois são para o seu próprio bem ou para o bem da sociedade.

A dor e o sofrimento são associados à idéia de um amor incondicional. Com a manipulação dos afetos a submissão das crianças é mais garantida. Nem raiva, nem revolta ela pode expressar, pois isso poderia comprometer a imagem do filho idealizado em nossa sociedade. O filho deve ser sempre dócil e incondicionalmente grato.

Não é
fácil se contrapor às práticas violentas da família, ainda porque historicamente elas são consideradas a mais correta forma de educar as crianças. As práticas educacionais violentas são constitutivas da identidade cultural da maioria dos pais brasileiros. Negar tais práticas significa ignorar a educação dada pela família de origem e, ao mesmo tempo, o modo que atualmente muitos pais educam os próprios filhos.

Punir, disciplinar com violência, muitas vezes, é considerado pelos pais um sacrifício necessário à boa formação dos filhos. Bater nos filhos, dar palmada não constituem violência, mas sim um gesto de amor e de compromisso com a formação de pessoas honestas e de bem. As punições físicas são um mal necessário, pois com elas os filhos aprendem a respeitar a leis familiares e, por conseqüência, temer a leis sociais instituídas.

Ao utilizar a violência física como meio de coação e controle, a microestrutura familiar reproduz o modelo dominante das macroestruturas sociais. A violência é um meio, dentre outros, de estabelecer ou manter uma relação de obediência e de domínio sobre os considerados inferiores, e o modelo de socialização dominante na vida privada da família reflete as relações sociais da vida pública. Esse modelo de sociabilidade orienta-se no sentido oposto ao da emancipação e da liberdade dos sujeitos.


Extravagante ou recatada, a violência sempre cumpre o mesmo papel, subjugar e controlar o outro. Portanto, são inconciliáveis os métodos violentos com a educação que tem como compromisso promover o desenvolvimento e a autonomia do sujeito. O que é considerado crítico no método educativo que se utiliza da violência física não é a sua intensidade, mas sim sua finalidade, que é controlar e manter as ações das crianças por meio da dor e do sofrimento físico.

Fonte: fragmentos da Dissertação A VIOLÊNCIA FÍSICA INTRAFAMILIAR COMO MÉTODO EDUCATIVO PUNITIVO-DISCIPLINAR E OS SABERES DOCENTES - 2008, de autoria de Maria Aparecida Alves da Silva e entrevista veiculada no dia 27 de julho de 2010 pela emissora de televisão SBT.


Um comentário:

  1. nunca sofri violência física, mas me lembro da
    violência moral como um mal momento. A omissão
    não é uma violência também? a violência física
    é muito ruim quando reforça uma humilhação,
    quando se torna a 'última palavra'. A criança
    quando se torna tirana, precisa ter ligação afetiva que possibilite alguma atitude de reprovação.

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