"Eu nunca cuidei dos pobres, eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez que tentei carregar um pobre pôr dentro do meu carro eu vomitei por causa do cheiro"Rafael Greca – líder das pesquisas em Curitiba
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Fragmento transcrito da entrevista de Jessé Souza
“- [...] Como a matriz econômica tinha no fundo operado uma
ascensão social dos setores excluídos para um setor de uma classe trabalhadora
precária, que implica quase sempre uma base emprego num nível muito baixo. A
entrada desse pessoal que estava sendo formado exigiria melhores empregos. Eu
acho que foi aí um primeiro efeito. No início dessas manifestações, que foram
manifestações populares, espontâneas efetivamente. Que tinha a ver quase sempre
com questões locais, com suas questões municipalizadas. Que foram depois federalizadas pela mídia como forma de atingir a presidenta, como algo artificial.
(Jessé Souza)
- Você diz que em junho de 2013, o jornal nacional federalizou
as manifestações. (Paulo Henrique Amorim)
- Federalizou as manifestações. Eu fiquei estupefato estudando
dia a dia o jornal nacional. E o jornal nacional opera, no fundo [...]. Quando
as manifestações se ligavam a esses batalhadores insatisfeitos, eles eram
chamados de vândalos. (Jessé Souza)
- Sim. (Paulo Henrique Amorim)
- Eles eram chamados de abuso e etc. E quando começou a ver
uma entrada de outro segmento, houve no caso, especialmente no dia 17 que culmina
no dia 19 com outro público completamente distinto destas manifestações. E esse
público para mim tem a ver, existem pesquisas empíricas que eu menciono no
livro que comprovam isso, que se tratava de que, uma classe média branca de
alto nível cultural, inclusive com interesses rentistas, ou seja, a capa
superior da classe média também participa destes mesmos interesses, que haviam
sido vencidas em quatro eleições e sempre tinha votado contra. [...] Mas a
grande esperteza, entre aspas, desse ovo da serpente, foi como essa mesma classe
conservadora que desde sempre, sempre odiou os pobres. E aí o ódio aos pobres, tem
a ver em duas maneiras, não só o estimulo a matança indiscriminada nas nossas
cidades, associadas ao abandono. (Jessé Souza)
- A omissão e a cumplicidade com essa matança. (Paulo Henrique
Amorim)
-Exatamente isso! E associaram também a um extremo incomodo,
acho que esse é um tema muito importante, que é muito pouco visto, [...] essa
pequena ascensão que houve entre nós, o que eu acho um fato chocante, uma
pequena ascensão, já despertou ódios, já despertou ressentimentos e já despertou
medo. Ou seja, essa classe média, ela
está se sentindo incomodada por que agora ela estava tendo que dividir espaços,
shopping centers, aeroportos, etc. (Jessé Souza)
- Recentemente se soube que a maioria dos estudantes hoje das universidades
públicas provem de negros e pobres. É um dado atual estudado pela associação
das Universidades Federais, segundo o depoimento do presidente desta associação
que é o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. (Paulo Henrique
Amorim)
- Que é um dado extremamente relevante e importante que mostra
que estávamos construindo, estávamos no caminho de construir uma nova forma de
sociedade, que isso que implica. Não é só acesso ao consumo, mas o acesso ao
verdadeiro capital que habilitam as pessoas a terem uma vida digna e poderem
sonhar com uma vida melhor. [...] essa classe média portanto, foi fantasiada,
foi travestida. [...] Essa classe média, desculpa, que estava incomodada com a
invasão dos espaços, mas a política também é feita disso, isso é um medo
racional [...] e a política é feita de medos irracionais e as vezes eles são os
mais importantes. Esse medo irracional da classe média, e inclusive a gente
está estudando agora em termos de pesquisas empíricas, refletiu então no medo
dessa classe média não só em dividir os espaços, mas também de começar a perde
privilégios, ou seja, essa espécie de pessoal já está dividindo espaços conosco
pode ser uma ameaça para o que verdadeiramente importa, empregos, prestígios,
salários e etc. (Jessé Souza)
- Renda! (Paulo Henrique Amorim)
- Esse incomodo, que foi efetivo, que foi real e extremamente
importante. Por que isso no fundo a gente sempre pensa o fascismo como o
nazismo, são forma radicais do fascismo, mas a estrutura do fascismo é
exatamente essa. É uma forma de você manipular medos irracionais a partir de um
bode expiatório, como se esse bode expiatório, a ascensão dos pobres pudesse
ser uma ameaça real. São os mexicanos lá nos Estados Unidos, são os
estrangeiros e nós são os nossos pobres. O que é um absurdo. (Jessé Souza)
-Mas Jessé você diz que o jornal nacional a partir de junho de
2013, quando federaliza as manifestações, os golpistas passam então
efetivamente a se articular. É nesse ponto que é o estalo da articulação. (Paulo
Henrique Amorim)
- Exatamente, esse ponto é nevrálgico, e é possível da gente
ver empiricamente, analisando a forma como o jornal começa de um modo muito
refinado, satanicamente refinado, perceber e se comunicar com o seu público,
construir o seu público ali. Porque no fundo essa classe que tinha medo e que
antes apenas reclamava a boca pequena, e é uma reclamação ilegítima por que
você não pode ser contra no espaço público, igualdade, ele ganha o quê? Ele
ganha essa legitimação pseudoracional, ou seja, eu sempre odiei esse governo,
esse presidente, por que no fundo não é o ódio ao Lula, é o ódio que Lula
representa. E Lula representa a ascensão dessas classes que foram percebidas
como ameaças. Essa classe média ganhou com o discurso do moralizador que começa
em 2013, ainda de modo abstrato e quem vai torna-lo concreto é a “Lavajato”,
com sua forma seletiva. (Jessé Souza)
- Mas antes da gente entrar nesse tema da corrupção, você toca
num ponto ainda ao definir essa classe média, que ela é tão escravista quanto a
elite. (Paulo Henrique Amorim)
- Exatamente! (Jessé Souza)
É possível que a classe média seja tão escravista quanto a elite?
(Paulo Henrique Amorim)
- Eu acho que ela é pior, por que isso tem a ver com o fato de
nós sermos uma sociedade escravocrata por que nunca se criticou, nunca se
criticou enquanto tal, inclusive quis esquecer. (Jessé Souza)
[...]
- O Brasil não quer saber que foi escravocrata, a escravidão
mais longa e que escravizou mais gente. (Paulo Henrique Amorim)
-Exatamente isso, e a que mais mantém os seus efeitos por consequência
sobre uma forma pseudodemocrática. A herança dessa escravidão a gente pode
perceber exatamente na ação como as classes dirigentes reagem as classes da
própria sociedade. A elite reage ao meu ver como uma espécie de desprendimento blasé,
de que pouco se importa. Pensa na rapina a curto prazo, não tem um projeto de
longo prazo. Por que o projeto de longo prazo implica em... (Jessé Souza)
- Como diria o Cazuza “instalar o puteiro para ganhar mais
dinheiro”. (Paulo Henrique Amorim)
- Pronto, é exatamente isso. Se você não põe, não traça
objetivos políticos de longo prazo, significa que você não tem relação afetiva
com as outras classes, você não monta um acordo duradouro com elas. A classe
média é pior ainda, por que não é só blasé, ela tem o ódio, não é isso. E o
discurso, isso é extremamente importante, por que para a classe média
desempenhar esse novo orgulho de ser direita, orgulho de ser protofascista desenvolvido
entre nós, ela precisa de uma narrativa e de um líder. A Narrativa foi o quê? A
corrupção seletiva, que hoje se desvenda como uma fraude. Foi tudo montado. (Jessé
Souza)
- Você chama de um combate a corrupção pornograficamente
seletivo. Esse é o discurso do Golpe. (Paulo Henrique Amorim)
- Exatamente, por que foi assustador como isso foi feito, ao
arrepio da lei inclusive. (Jessé Souza)
- Os únicos corruptos são os petistas. (Paulo Henrique Amorim)
- Exatamente isso, o que hoje dia mostra-se que isso é uma
mentira. Mas o time foi montado dessa articulação entre, por que aí a imprensa
vai a ajudar a construir, o exemplo do jornal nacional é muito bom nisso, por
que essa transmutação de uma classe média que odeia os pobres, mas que não pode
odiar em público, e dá o discurso público para esse ódio. É o tema do fascismo,
ou seja, dá-se uma legitimação pseudoracional, qual é a pseudoracionalidade aí:
você não é o canalha fascista, ao contrário. Você transmuta, você é o herói
guardião da moralidade, você pode botar sua camisa amarela, com orgulho, cantar
o hino nacional por que agora você tem um discurso legítimo. (Jessé Souza)
- Você usa inclusive a expressão de que se cria uma nova
estética do uso da camisa amarela. (Paulo Henrique Amorim)
- Exatamente isso! (Jessé Souza)
- Então você quer dizer que o combate a corrupção é que deu o
a cobertura para o exercício de uma atitude fascista. (Paulo Henrique Amorim)
Exatamente isso! (Jessé Souza)
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