29 de ago. de 2016

Carta ao senador Renan Calheiros - Dom Orvandil


Renan

Senhor senador Renan

O senhor preside o Senado Federal da República e não apenas a facção que apoia o golpe e o governo interino usurpador.

Antes de me dirigir ao senhor escrevi a dois senadores. Um deles parece ser meramente parte do senso comum de torcedores, que se emocionam e até brigam por suas opções esportivas e por seus times, mas não mudam o mundo. Suas lágrimas e gritos passam e o mundo continua do mesmo jeito, injusto e socialmente cruel. 

O aludido senador era bom jogador de futebol e até jogou pela Seleção Brasileira de Futebol. Fez muitos gols que o consagraram. Não sei se fez algum gol contra.

No entanto, no Senado da República optou por fazer o gol do golpe. Suas razões são as mesmas dos mais reacionários e golpistas, que não pensam e não amam o Brasil. Pensam em si e amam-se a si, tão somente. 

Pessoas como esse senador até são bem votadas e conduzidas ao poder, mas não pensam e não agem para intervir na realidade, com as naturais perdas momentâneas e vitórias para o povo. Flutuam sobre as ondas do momento e da opinião conjuntural, sem análise e sem compromisso. São consumidoras de claques, não militantes nem transformadoras do mundo. Buscam a posição que lhes renda mais e as pessoas que lhes dão vantagens e cargos no poder. Se forem os golpistas que mais lhes oferecem atrativos é ao seu lado que se postam, ainda que de costas para o povo e para a democracia, que nunca ajudaram a construir.

Pobre do senador e ex-jogador que gosta de torcidas e de aplausos. O futuro, com sua omissão e seu voto golpista, lhe dará lugar não nos campos de protagonismos, com torcidas delirantes, mas a sarjeta da história, que em muitos lugares é esgoto a céu aberto. 

Escrevi para outro senador com o objetivo de lhe pedir que votasse contra o golpe e a favor da democracia, absolvendo a Presidenta Dilma, uma mulher honesta e honrada.

Não somente eu lhe escrevi, mas muitos dos seus ex-alunos, ex-eleitores e até intelectuais brasileiros e de outras partes do mundo.

Nada. O senador, como burro atolado, a ninguém ouviu. Prefere negar seu passado como intelectual, como procedente da ala progressista da Igreja Católica Romana e como governador que deu ênfase à educação inclusiva e a programas sociais de alto valor humano.

A tudo jogou fora para seguir incólume rumo aos refugos da história. Mais lamentável, põe seus assessores a caçar críticos nas redes sociais e sites para ameaçá-los de processos. Rumar ao lixo como golpista não lhe é suficiente, interessa-lhe pavimentar a senda dos alienados, os que negam o intelectual pensante, para ser reconhecido como autoritário e antidemocrático. 

Agora me dirijo ao senhor. 

Numa seção desta sexta feira 26 de agosto, o senhor se mostrou um homem assustado motivado por algo não declarado, quando discursou como machista e indelicado com a senadora Gleisi Hoffman. Acostumado a presidir seções conturbadas no Congresso Nacional sem demonstrar irritação e sem perder a elegância e o sorriso gentil, nessa o senhor comportou-se como um homem contrariado com uma verdade dita pela senadora Gleisi de que o Senado não tem moral para julgar a Presidenta Dilma. No seu descontrole o senhor se esqueceu dos senadores investigados e muito próximos de serem condenados pela justiça e que a opinião pública, através de pesquisa, dá apenas 9 % de reconhecimento à casa que o senhor preside. O senhor mesmo já foi alvo de processos e agora é investigado, senador Renan Calheiros.

Apesar disso tudo, o senhor é presidente do Senado da República do Brasil.

Venho, portanto, pedir ao senhor que não se permita o futuro como traidor e golpista, trilhando os caminhos do jogador “Maria vai com as outras” e do ex-intelectual e ex-democrata, a quem escrevi.

O senhor terá a ampla opção que a vida e a história lhe dão de escolher entre o caminho do golpe, seguido pelos covardes, fisiologistas e oportunistas e o da coragem de ingressar na história como o senador presidente que soube ser exemplo de brilho democrático.

Inspire-se nos/nas brasileiros/as cidadãos/ãs que moram e lutam em vários lugares do mundo, que escreveram carta ao senhor e a todos/as os/as senadores e todas as senadoras a votar contra o golpe. 

Motive-se com essa ideia da carta dos/as signatários/as que valorizam e respeitam o Senado como suporte e defesa da democracia: “Nós, brasileiras e brasileiros de todas as regiões do País, residentes no exterior, em pleno exercício da nossa cidadania, exigimos que o voto da maioria da população seja respeitado no julgamento final do processo de impeachment contra a presidenta eleita Dilma Rousseff. O Senado, como uma das instituições responsáveis pela estabilidade democrática do País, tem o dever de fazer valer as regras da democracia, que tão arduamente foi conquistada pelo povo – o soberano nas decisões e rumos do nosso país” (releia aqui). 

Beba e se fortaleça na história do Brasil para ser exemplo na decisão justa de votar contra o golpe covarde. Recolho do grande brasileiro e ex-deputado federal, o engenheiro Haroldo Lima, a lembrança da grandeza do gesto de um senador presidente da mesma casa que o senhor preside, que tinha tudo para trair o Brasil e sua classe trabalhadora, mas que teve sensibilidade e grandeza para perceber o lado certo a seguir. “Representando Pernambuco, eleito pela Arena, o senador Nilo Coelho presidia o Senado em 1983. O governo ditatorial havia editado o Decreto Lei 2024/83, por imposição do FMI, arrochando os salários. A 22 de setembro do mesmo ano, uma sessão do Congresso preparava-se para derrubar o dito decreto. Seria a primeira vez na história da ditadura que isto aconteceria. Nilo Coelho, que era o presidente do PDS, sucedâneo da Arena, e que presidia a sessão do Congresso, começou a receber pressões para virar o jogo. De repente, anunciou que queria fazer um pronunciamento e foi à tribuna, donde, enfático, declarou: “eu não estou aqui como presidente do Congresso do PDS, mas sim como presidente do Congresso do Brasil”. ‘Foi aclamado. E o Dec. 2014 foi rejeitado’ (leia todo o artigo aqui). 

Convido-o, senador Renan, a ser aclamado pelo povo brasileiro e a ser respeitado historicamente como o presidente do Senado que em 2016 soube ser corajoso, sensível com a verdade e honesto com a democracia. Vote contra o impeachment e o golpe. Some-se à democracia.

Solicite para votar primeiro para dar o exemplo que influenciará a todos/as e emocionará o Brasil. Daí em diante prepare-se para os novos desafios que o futuro lhe garantirá. Do contrário nada espere se não a tristeza e o desprezo do povo brasileiro.

Alimente-se na profecia de mais um brasileiro e intelectual que a libertação nacional resgatou das prisões  para ajudar o Brasil nessa hora difícil. Hamilton Pereira da Silva, o Pedro Tierra, poeta, militante e sobrevivente da furiosa ditadura civil-militar, numa entrevista na qual analisa a cruzada tenebrosa que todos fazemos, foi direto ao ponto da crise massificada pelo golpe contra a democracia, quando disse: “Temos que preparar a sociedade brasileira para grandes campanhas de desobediência civil. Acho que nós temos que começar a fazer isso…” (aqui). 

Hamilton se refere ao caso de passar o impeachment, que culpa a Presidenta Dilma de crimes que ela não cometeu.

A desobediência civil em todos os setores somente crescerá. À medida que a sociedade se conscientizar de que foi enganada e usada como massa de manobra por um grupo sem votos e sem democracia, para dar um golpe de Estado, a onda de inconformidade e desobediência civil crescerá. 

Descobrirá que não haverá nenhuma razão para obedecer um falso presidente que emergiria da traição e da desonestidade política. 

Senadores e senadoras que votarem no impeachment optarão pela desobediência civil, pelos choques e conflitos sem proporções, com perdas para todo o País. 

A prudência e a sabedoria pedem que o senhor vote pela democracia e contra o golpe. O bom senso grita para que o senhor faça a sua voz ecoar por todo o Brasil abençoando a Constituição e defendendo o direito dos cidadãos e cidadãs, respeitando os cinquenta e quatro e meio milhões de brasileiros que votaram em Dilma Rousseff para que ela executasse  um programa inclusivo e socialmente mais justo do que o que o golpismo apresenta ao Brasil. 

Diante do senhor, na hora de optar entre o impeachment e a democracia, se postarão, um de cada lado, dois ex-presidentes do Senado. Um será o senador Auro de Moura Andrade, notório mentiroso, golpista e assassino da democracia, que na madrugada de 2 de abril de 1964 declarou que o cargo de presidente da República estava vago, dando inicio oficial, a partir desta casa do povo, ao golpe militar que sangrou e cuspiu na Constituição  e matou milhares de brasileiros, abrindo caminhos para o terror e para entrega do Brasil aos interesses imperialistas.

Com diferença de sua trajetória democrática, estará de seu outro lado, em sua consciência, outro ex-presidente do Senado, já mencionado acima. Nilo Coelho, por momentos, desamarrou-se das correntes da ditadura e votou a favor do Brasil, derrotando o projeto de lei do Fundo Monetário Internacional, cujo receituário apresentava o cardápio do arrocho, do desemprego e de miséria para os trabalhadores. 

Eu e milhões de brasileiros/as nos postaremos, muitos de nós à frente do Senado, e diante da TV Senado com áudio e imagens para todo o território nacional para chorarmos de emoção com sua honradez por votar na democracia ou nos decepcionarmos com mais um traidor que será parte da escumalha do universo. 

Venha para a democracia, senador Renan Calheiros. Nós o esperamos de braços abertos para que o senhor seja para sempre nosso irmão prestigiado e honrado!
  • Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.
  • Dom Orvandil, OSF: bispo cabano, farrapo e republicano, presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário, trabalhando duro sem explorar ninguém.

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