Esse texto a seguir apareceu no meu Facebook e me fez pensar muito em como é que certas coisas são aprovadas, publicadas e ainda tem gente que acha normal. O texto é da roteirista carioca Renata Corrêa.
“Muitas vezes, quando pensamos em pedofilia, imaginamos um tio pervertido ou um cara se escondendo atrás de um computador, ou de algo escondido, secreto. Mas a gente não fala de uma cultura de pedofilia, que está exposta diariamente, onde a imagem das crianças é explorada de uma forma sexualizada.
A Vogue trouxe um ensaio na sua edição kids com meninas extremamente jovens em poses sensuais. Alguns podem dizer que é exagero. Que é pelo em ovo. Eu digo que enquanto a gente continuar a tratar nossas crianças dessa maneira, pedofilia não será um problema individual de um ‘tarado’ hipotético, e sim um problema coletivo, de uma sociedade que comercializa sem pudor o corpo de nossas meninas e meninos.”
Hoje também recebi um spam por mensagem de Facebook dizendo que os maiores abusadores de crianças são os adolescentes – não sei de onde veio esse dado, juro - e por isso seria inteligente reduzir a maioridade penal. Bem, isso não faz sentido. Vamos entender o motivo?
Nosso desejo depende do olhar. E nosso olhar é treinado. Nós aprendemos a ver o bonito e o feio, a julgar e a encontrar o que nos agrada de acordo com o que nos é mostrado. Há imagens sedutoras, imagens poéticas, imagens sensuais. Cada uma delas desperta um sentido. Mas o que acontece quando você coloca crianças em imagens sensuais e mostra isso para quem está formando sua personalidade? Você deixa tudo confuso.
Para um menino de 16 anos, uma menina de 12 anos é só um pouco mais nova, assim como seria se ela tivesse 18 e ele 22. Seria um relacionamento normal, não? Mas no primeiro exemplo etário não é. E por que um rapaz olharia com olhos de desejo para uma menina assim mais nova? Porque ele sentiu esse ímpeto, olhou ao redor e não viu nada que indicava que era errado. Muito pelo contrário, ele encontrou diversas coisas que diziam, indiretamente, que meninas dessa idade são seres sexuais. Como essas fotos.
É mais fácil culpar o adolescente, por exemplo, do que questionar a mídia. É mais fácil pegar o elo mais fraco da corrente e forçar até que ele quebre, já que o elo forte vai permanecer intacto por mais tempo e talvez até machuque quem tenta quebrá-lo. Mas o mais lógico e com poder para mudar a realidade é, na verdade, combater a representação que fazem de nossas crianças na mídia.
Criança é criança. Não tem que usar sutiã, não tem que fazer pose sensual, não tem que usar salto alto ou maquiagem. Criança tem sexualidade, claro, mas do jeito delas. Elas têm que descobrir seu corpo, suas transformações e seus desejos no tempo delas. Crianças não são modelos e não devem ser tratadas como tal. Crianças podem posar para ensaios de moda, claro, desde que pareçam crianças.
Sexualizar meninas tão jovens faz do responsável por esse ensaio conivente com a cultura da pedofilia. Será que não está na hora de fotógrafos, editores, diretores e quem mais aprova o conteúdo se responsabilizar e tomar cuidado com o que publica? Se são essas as pessoas responsáveis por informar e inovar, treinar o olhar de maneiras diferentes não seria parte do trabalho? É claro que há uma distância muito grande entre ver uma foto dessas e tentar algo com uma criança, mas criar meios para que esse desejo nasça e sobreviva é perverso e deve ser culpabilizado.
Fonte: Preliminares, 11 de setembro de 2014.
SOBRE CAROL PATROCÍNIO
Jornalista, passou por revistas impressas e pelos maiores portais do país. O interesse por escrever sobre sexo, comportamento e relações surgiu ao notar que essas informações poderiam melhorar a autoestima das mulheres e a percepção de si mesmas. Acredita que, muito mais do que prazer, sexo é autoconhecimento. Carol escreve no Preliminares desde dezembro de 2011.
Observação: as fotos não foram publicadas nessa postagem para preservar a imagem das meninas que participaram do ensaio fotográfico da Revista Vougue.
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