Um histórico
beijo sem consentimento
Por ADELITA MONTEIRO
– artigo baseado no texto original de Michelle Dominique
Burk
Há uns 20
anos, especialmente antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, as
crianças brasileiras não tinham voz, não tinham vez, e “não tinham querer” como
diriam alguns de nossos avós. Porém, essa cultura de que a criança ‘não tem
querer’ e não tem direitos felizmente está mudando. Hoje, entendemos que é
importante ouvir e entender os desejos das crianças assim
como dar-lhes voz para que possam verbalizá-los.
Isso não
quer dizer que nos tornamos servos de nossos filhos fazendo todas as suas
vontades, mas sim que ao menos os escutamos e procuramos atender seus pedidos
se estes nos parecem plausíveis. É claro que sempre haverá situações em que não
poderemos atender aos desejos de nossos filhos, mas esse é o momento de
colocar o limite, de explicar as razões, de dialogar, de educar.
Alguns anos
atrás também começamos a entender o significado de bullying, e a
orientar crianças e adultos sobre certas brincadeiras que não são tão
inofensivas, e que todos merecem respeito. Agora nossa atenção se volta cada
vez mais para um outro termo: o consentimento.
Consentir
significa permitir, autorizar, aderir, aprovar, significa acima de tudo,
concordar. Com a lei Maria da Penha e a sanção da nova lei do
Feminicídio no Brasil, a atenção da mídia se volta cada vez mais às injustiças
sofridas pelas mulheres, e discussões sobre desigualdade de gênero, violência
doméstica e abuso sexual, começaram a ganhar mais espaço. Dessa forma,
começamos a questionar visões preconceituosas e típicas de uma cultura
machista, tal como o hábito de culpabilizar a vítima do abuso ou violência pela
roupa que ela vestia, ou por ela estar alcoolizada.
Grupos
sociais e feministas que lutam pela igualdade de gênero em todo o mundo
começaram então campanhas de conscientização sobre o consentimento. Não
importa a roupa que a vítima estava vestindo, não importa se ela estava
alcoolizada ou drogada, ela consentiu no ato sexual ou qualquer outra atividade
que pode ter levado à violência? Estes mesmos grupos acreditam que é mais
fácil prevenir a violência ensinando as pessoas a entender o consentimento do
que lidar com as consequências desses atos violentos, incluindo a atitude
sexista de culpar a vítima.
Por que é
importante ensinar o consentimento às crianças?
Uma
discussão polêmica que surgiu em 2014 foi sobre conteúdos do livro de memórias
de Lena
Dunham “Not That Kind of Girl” (Não sou uma dessas). Em algumas
passagens, ela relata sobre sua relação de infância com a irmã mais nova,
Grace. Dunham descreve subornar sua irmã por beijos, masturbar-se ao lado dela
na cama, abrir a vagina de sua irmã, enquanto ela brinca na entrada da garagem,
e faz, segundo suas próprias palavras “basicamente tudo que um predador
sexual faria para conquistar uma pequena menina”.
A polêmica
aconteceu em torno da seguinte questão: Lena abusou sexualmente de sua
irmã ou foram apenas brincadeiras sexuais e curiosidades naturais da infância?
É neste sentido que nossa atenção se volta para a questão do consentimento:
independente de considerarmos as ações de Lena abusivas ou não, permanece o
fato de que, em nenhum dos casos descritos ela teve o consentimento da irmã
mais nova para suas ações. Também não está claro se Lena enquanto criança
compreendia o significado de consentimento.
Portanto
podemos dizer que o ensino do consentimento e discussões sobre seu significado
é de extrema importância na educação infantil. A forma como ensinamos as crianças a dar, receber e compreender o
consentimento na infância definitivamente irá influenciar em sua interação com
outras crianças e adultos no futuro. O ensino do consentimento nem sempre tem
que ser através de uma longa discussão, pois ele é um processo contínuo e
que deve ser adaptado aos vários cenários e situações se colocarão diante
da criança.
Então
baseado no texto de Michele Dominique Burk, apresento aqui 5 passos simples
para ensinar algumas regras do consentimento para crianças e dessa forma
ajudá-las a reagir adequadamente quando confrontadas com determinadas
situações.
1. Ensine-as a pedir Consentimento
Até pouco
tempo nós não éramos ensinados a dar e pedir consentimento em nossas interações
em casa ou na escola. E por isso também não passamos esse ensinamento às
crianças. As crianças não agem de má fé intencionalmente, elas simplesmente
ainda não aprenderam a pedir permissão para interagir com as outras.
É muito importante
que a criança seja orientada no exato momento em que uma situação ocorre, por
exemplo, se ela pegou um brinquedo da mão de outra criança, e a outra reagiu
chorando, ficando emburrada, ou não disse nada, precisamos dizer à criança que
tomou o brinquedo que ela precisa pedir a autorização da outra ANTES de
interagir, fazendo questões do tipo: “Posso pegar… ?” ou “Está tudo bem se
eu…?”. E da mesma forma, devemos orientar a segunda criança a reagir com
segurança e ser enfática em sua resposta, dizendo, por exemplo: “Sim, tudo bem”
ou ‘Não, eu não quero que você faça isso”.
Burk também
ressalta que ao ensinarmos as crianças a pedirem permissão, “cria-se um passo
extra em seu processo de pensamento: em vez de ir do impulso de “querer agarrar
o braço de alguém” para imediatamente fazê-lo, eles se vêem obrigados a parar
para pensar antes de ter a reação”.
2. Explique que o consentimento pode ser dado ou retirado a qualquer
momento
Essa é uma
outra questão que causa muita polêmica em nossa cultura machista. Se uma mulher
casada sofre violência ou é estuprada, por exemplo, muitos acreditam que a
culpa é dela mesma, que escolheu um parceiro abusivo, e que consentiu nesse
tipo de relacionamento. Porém ao escolher seu parceiro e se casar com o mesmo
não significa que ela consentiu com a violência ou até mesmo que ela sabia que
este se tornaria violento.
O mesmo
ocorre nos casos de “date rape” (‘estupro de encontro’ – quando o agressor
marca um encontro com a vítima, via internet ou outros meios). Muitas vítimas desse
tipo e violência não se sentem à vontade para denunciar o agressor, por se
sentirem culpadas, e por achar que ao permitirem certo tipo de contato com o
agressor, que este tinha o direito de ‘avançar’ para contatos mais íntimos.
Portanto é importante esclarecer para as crianças que o consentimento uma vez
dado, não vale por tempo indeterminado. O consentimento pode ser retirado a
qualquer momento durante qualquer interação.
Da mesma
forma, devemos esclarecer às crianças que o consentimento a um determinado
tipo de contato físico não significa automaticamente que se tenha consentido
a qualquer forma de contato físico. Consentir a um abraço, por exemplo,
não significa que a pessoa também tenha consentido a um beijo ou outro contato
mais íntimo, e familiaridade com uma pessoa também não significa consentimento.
“Quando discutimos isso com as crianças, é fundamental explicar a importância
de verificar frequentemente – com quem quer seja que estão interagindo – para
ter a certeza de que o que estão fazendo está OK”, afirma Burk.
3. Discuta a importância do “não”
É muito
importante que os adultos também compreendam que devem pedir consentimento em
suas interações com as crianças e aceitar quando essas demonstram que não
desejam certo tipo de contato. Muitas vezes, nós forçamos as crianças a abraçar
ou beijar um adulto no rosto, mesmo que ela não queira, essa atitude as ensina
que o “não” não é uma resposta aceitável. E dessa forma ela passa a não se
sentir segura para dizer não às outras pessoas. Uma criança nunca deve ser
forçada a interagir fisicamente com um adulto. Mesmo que esse adulto seja um
parente, amigo da família, professor, etc.
Burk alerta:
“em alguns casos, a aversão de uma criança para ser tocada por uma pessoa em
particular pode até ser motivo para alarme”. Caso você perceba que uma criança
não se sente confortável sendo tocada por alguém, é importante ter uma conversa com ela para entender os motivos, e acima
de tudo, demonstrar respeito por seus sentimentos.
Em outras
palavras, ensine a criança a dizer NÃO e respeite sempre o não de uma criança.
Deixe claro a ela: “você não tem que deixar ninguém tocá-la, se você não
quer”.
4. Ajude-a compreender a diferença entre “não responder” e o “consentir
entusiasticamente”
A ideia de
‘consentimento entusiástico’ é um conceito novo, porém de suma importância. Sua
definição é esta: “um ativo, visível, inegável ‘sim'”. Muitas vezes quando uma
criança interage com a outra solicitando, por exemplo, um abraço ou um
brinquedo emprestado, a outra pode não responder. Isso não quer dizer que ela
consentiu ou concordou com o ato.
É importante
esclarecer para as crianças que uma não-resposta não é a mesma coisa que dizer
“sim”. “Uma inabilidade de vocalizar um “não” pode acontecer por uma série de
razões: medo de repercussões, sentimentos de desconforto, uma deficiência, e
assim por diante”, afirma Burk.
Em relação
ao toque especificamente, as crianças devem entender que precisam pedir
permissão para tocar uma outra criança, e também precisam ter claro que a outra
deve responder SIM. De acordo com Burk é assim que se ensina consentimento
entusiástico.
“Não importa a circunstância, se a pessoa não responder com um
“sim”, então você não pode tocá-la”.
5. Siga suas próprias regras de Consentimento
Os adultos
são o modelo de comportamento para as crianças. Portanto a forma como nós
agimos e nos relacionamos com outras pessoas vai influenciá-las em suas
interações futuras. Se não pedimos consentimento, se ignoramos a palavra “não”,
ou se forçamos consentimento sobre a outra pessoa, não importa o quê digamos a
uma criança, nossas ações acabarão por invalidar as regras estabelecidas.
Você nunca
deve forçar uma criança a interagir fisicamente com você sem antes pedir o seu
consentimento. Além disso, as regras para o consentimento que você acordou com
uma criança devem ser aplicadas em todas as situações. As crianças devem
entender que não importa se eles estão em casa, na casa de um amigo, na escola,
ou no parque infantil – as regras sobre o consentimento se aplicam em todo e
qualquer lugar.
Permissão ao
invés de Perdão
Não é fácil
nem simples conversar e discutir consentimento com crianças. Entretanto essas
conversas tornam-se cada vez mais necessárias nos dias de hoje em que a
violência aumenta e é naturalizada pela TV e meios de comunicação. É importante
que tanto as crianças quanto os adultos compreendam o significado de consentir,
de aceitar e concordar com algo, e que por outro lado também aprendam a aceitar
o ‘não’ como resposta, a respeitar o desejo do outro e a entender que a falta
do ‘não’ não significa um ‘sim’. É muito melhor pedir permissão, do que ter que
pedir perdão após ter ferido ou chateado alguém.
Sugestão de
leitura: Não sou uma dessas, de Lena Dunhan
Fonte: Conti Outra, 23 de agosto de 2015
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Ao que tudo indicava o fotógrafo Alfted Eisenstaedt tinha apenas capturado a cena de um marinheiro e sua amada enfermeira, um casal de apaixonados, comemorando com amor o fim dos tempos de guerra. Ledo engano.
O marinheiro foi chamado de “bêbado atrevido”, já que seu beijo apaixonado foi na verdade um beijo forçado. O rapaz puxou pelo braço a primeira moça que viu a sua frente para “comemorar” com um beijo roubado o anúncio da rendição do Japão e o consequente fim da Segunda Guerra Mundial.
A identidade do casal que protagonizou o famoso beijo ficou oculta por muitos anos. Aos 90 anos de idade, George Mendonsa e Greta Zimmer Friedman revelaram serem os modelos da fotografia de Eisenstaedt.
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