As memórias de experiências amorosos e de grandes contentamentos são como asas de anjos, são elas que verdadeiramente nos protegem nos momentos de desespero.
Cida Alves
Vinte anos atuando como psicóloga de crianças e de adolescentes. Quatro anos como mãe. Já vi e ouvi muitas coisas…
Mesmo assim, tenho ficado intrigada com um frequente comentário que muitas mães e pais de crianças pequenas têm feito atualmente.
“Meu filho precisa sentir desde cedo que a vida é difícil”.
De fato a vida é difícil. Para alguns mais… Para outros menos.
Todos nós, em algum momento da vida, seremos arremessados em um oceano de problemas e de situações sofridas.
E serão nestas situações que precisaremos acessar dentro de nós algo precioso e muito poderoso: experiências positivas vividas na infância.
Lembranças impossíveis de serem lembradas. Mas possíveis de serem sentidas.
Bebês e crianças precisam vivenciar com regularidade momentos gostosos. Momentos que nutrem a alma em níveis profundos.
E que ficarão registrados para sempre. Como tatuagens na alma.
Eles serão as chaves para acionar a garra de viver necessária para superar as dores da vida.
Você deve estar se perguntando: Mas, que tipo de momentos são estes?
São os momentos em que a criança é atendida adequadamente nas suas necessidades. Sem muitas faltas nem grandes excessos.
Ser aquecida no momento certo. Ser alimentada sempre que necessário. Ser confortada com a voz calma da pessoa que cuida. Sentir o toque gostoso de quem a ama. Ser compreendida. Ser protegida. Ser corrigida. Sentir os limites do que é certo e errado. Ser respeitada nas suas diferentes emoções. Poder se encantar. Brincar livremente. Se divertir. Aprender brincando. Ver seus pais se divertindo também. Sentir o tempo sem tanta pressa.
Muitos pais e mães podem pensar: “Mas essa vida é muito boa! Desse jeito meu filho não estará preparado para enfrentar as dificuldades da vida quando ele crescer!”
Calma.
Você já parou para pensar que mesmo vivenciando todos estes momentos gostosos, ainda assim o seu filho já passa por algumas dores profundas?
Quando ele ganha um irmãozinho e perde a atenção exclusiva por ser filho único, quando ele se dá conta de que os seus pais não estão disponíveis para ele o tempo todo, quando um amiguinho prefere brincar com outro amigo, quando morre o seu bichinho de estimação, quando ele muda de escola ou ainda quando a sua avó preferida se vai… E junto se vão as comidinhas deliciosas, o colo aconchegante e a sensação de que na casa da vovó tudo pode….
Em tempos de profundas transformações no mundo, nossas crianças não precisam de tantas aulas de inglês, de tantos esportes, de tantos deveres de casa, de tanto conteúdo escolar, de tantas manhãs de sono interrompidas por horários escolares prematuros, de alfabetização precoce e nem de tantas expectativas por parte de nós, adultos.
Nossas crianças precisam, mais do que nunca, de momentos gostosos que possam nutrir as suas almas.
Precisam rechear seus bancos de dados internos com muitas experiências positivas de vida.
São estas experiências que darão à criança a capacidade de acreditar.
Acreditar que a dor vai passar, que ela pode confiar nas pessoas, que pode receber ajuda, que o mundo pode ser melhor e que um pouco de magia ainda existe…
Aí sim, quando a vida desafiar o seu filho de verdade, ele terá de onde tirar forças para enfrentar, resistir e se reinventar.
Eu, aos 40 anos de idade, já tinha perdido o meu irmão ainda na minha adolescência, todos os meus avós por diferentes razões, meu pai por uma doença brutal, meu sogro por um infarto fatal e minha mãe pela deterioração causada pela doença de Parkinson.
Ao longo desta jornada inominável fui buscar nas minhas vivências e brincadeiras de criança a força necessária para cuidar do meu filho ainda bebê e para me recriar profissionalmente.
A dureza da vida pode sim nos fortalecer. Mas são os momentos gostosos armazenados nos nossos poros que nos permitem enxergar esperança na dor.
É disso que as nossas crianças precisam de verdade.
Fernanda Furia
Colaboração: Izabela Severo Garcia, em 24 de setembro de 2015.
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