Por Jarid Arraes
No último dia 28, quando houve o jogo entre Brasil e Chile, a torcida estremeceu com medo da seleção brasileira não passar para a próxima etapa. As sensações de temor, insegurança e ansiedade, tão comuns diante de um jogo onde quem perde é desclassificado, acabam revelando os valores e opiniões que as pessoas carregam. No calor do momento, quando não há filtros e moderação da própria fala, ficam evidentes os preconceitos de cada indivíduo.
Os jogadores foram reprovados pela mídia e pela crítica porque se emocionaram e choraram, desde o toque do hino nacional até a tensão dos pênaltis. Parece que não há qualquer empatia com relação à pressão exercida sobre o time, a responsabilidade que levam nas costas por jogarem em casa e o medo de decepcionar a tão exigente torcida brasileira. Além, claro, da própria ponderação individual de cada jogador sobre suas conquistas pessoais. Ao final do jogo, o goleiro Julio César deu uma entrevista sentida, de quem tenta há muito tempo superar cobranças e supostos fracassos; é, afinal de contas, apenas um homem tentando provar seu trabalho e dar a volta por cima.
O problema é que, machistas como são, muitos torcedores exigem que os jogadores sejam “machos”, “masculinos” e “viris”, que sejam verdadeiros blocos de concreto que jamais demonstram insegurança e sensibilidade. Para eles, demonstrar sentimento daquele modo é coisa de gente “desequilibrada emocionalmente” ou “coisa de mulher”. Muita gente acha que os homens da seleção brasileira precisam aparentar frieza, pois assim vão provar segurança. Outras pessoas acham que há a necessidade de mais “agressividade”, para que os adversários acabem intimidados. Felizmente para os jogadores, não é preciso sair empurrando, xingando e mordendo o outro time para provar dignidade ou para erguer a taça ao final. Nenhum homem – e, portanto, nenhum jogador – tem obrigação de se transformar em uma pessoa que ele não é para provar sua força. Há muitas maneiras de ser forte – e ser machista não é uma delas.
Quem acredita que frieza e agressividade são equivalentes a masculinidade está apenas reproduzindo a cultura da brutidão, da competitividade violenta e da falta de empatia pelo outro, uma exigência social que acaba machucando também os próprios homens. A seleção brasileira não está fraquejando somente porque os jogadores derrubaram lágrimas (alguém está contando qual a média “normal” de gotas?), e apenas alguém com pouca inteligência emocional poderia pensar o contrário. Em pleno ano de 2014, é muito preocupante que tantas pessoas se sintam tão desconfortáveis e incomodadas ao verem homens chorando. Achar que homem não deve chorar, afinal, é um dos maiores e mais milenares clichês da nossa cultura misógina.
Já passou da hora de acabar com essa fiscalização da masculinidade no futebol. Demonstrar sensibilidade não é demérito e chorar não é instabilidade. Desequilibrados são aqueles que engolem os próprios sentimentos e prendem o choro, tornando-se pessoas amarguradas e reprimidas. Há uma beleza profunda nas cenas de abraços emocionados e carinhos trocados entre os jogadores brasileiros, que choram do estádio enquanto quem torce chora de casa. Na vitória ou na derrota.
Fonte: Forum na Copa, em 30 de junho de 2014.
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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