Crianças retornaram para casa depois de 1 ano e 6 meses.
Parece, e é, título de filme. Mas, no caso das cinco crianças vitimas de tentativa ilegal de adoção em Monte Santo, é a pura e cotidiana realidade. Há três anos, três longos anos, em junho de 2011, viveram a grande ruptura com a vida normal, como a vida de qualquer criança sertaneja pobre. O que aconteceu naquele fim de tarde, quando foram tirados de casa e entregues a desconhecidos, com os quais viveriam por 18 meses, já se sabe. Do que se seguiu na primeira noite, nos primeiros dias e noites, semanas, meses, certamente, o pior era compreender o incompreensível. Continuavam irmãos, era o que lhes diziam, mas agora tinham novos pais. Por que? Por que? Os mais velhos, então com seis e cinco anos, queriam saber. E souberam. Sua mãe deu vocês porque era pobre, papai do céu mandou, vocês não tinham as coisas e agora vocês vão ter tudo, sua mãe não cuidava de vocês, sua mãe bebe, papai do céu não gosta. Lavagem cerebral cruel, com gosto de chocolate kopenhagen.
A revogação das guardas, em novembro de 2012 e o conseqüente retorno das crianças, em dezembro, deram início a implacável perseguição à família, pelos ex-guardiões e seus advogados. Restava-lhes provar que as crianças estariam sofrendo maus-tratos, já que “pobreza não é motivo”. Era preciso mostrar a incapacidade dos pais para cuidar dos filhos, a partir da desqualificação da mãe como guardiã e mulher. Assim foi feito.
O processo de desestabilização da família foi evidente e violento nos primeiros quatro meses, com a possível participação da polícia civil de Monte Santo e a omissão do Ministério Público. Abordados na rua, fotografados, apontados, as crianças não tiveram paz até que mãe e filhos mudaram-se às pressas para outra cidade, onde vivem hoje longe dos avós, dos primos, em novo exílio, sob estrita vigilância do MP.
Explica-se. Maus-tratos comprovados são a única chance de impedir a mãe biológica, ou qualquer outra mãe, de conviver com os filhos e, em busca de tais maus-tratos salvadores, as quatro famílias paulistas têm recebido muitos, veementes e surpreendentes apoios.
A deputada Lilian Sá do PROS/ RJ, por exemplo, requereu que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal vá à casa das crianças verificar como estão e como vivem. Não, não é uma piada de mau-gosto. É isso mesmo. Para que pobre quer privacidade, respeito? E o que move a deputada? Solidariedade com a “dor” das famílias ex-guardiães?
Mas, afinal, por que tanto interesse no destino dessas crianças e no desfecho processual do caso? Por que essa reação tão forte de grupos e associações à sentença judicial? Por que esses mesmos grupos e pessoas ainda defendem a concessão dessas guardas, após o CNJ tê-las considerado ilegais e afastado o juiz que as concedeu? Essas perguntas podem ser respondidas por outras perguntas.
Por que não aconteceram processos de adoção ou guarda provisória em Monte Santo e região nos últimos dois anos? Por que a escrivã da comarca já não busca crianças para “salvar da miséria”? Por que tantas e atabalhoadas tentativas de alterar leis que regulamentam a adoção? Porque os abrigos da cidade de Gaspar/SC, que, em 2012 reuniam mais de cem crianças, tem atualmente menos de quinze? Não existem mais crianças pobres em risco que precisem ser adotadas com urgência? Por que tanta movimentação em Brasilia – CNJ, OAB, SDH, IBDFAM,AMB e agora a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que, parece, continua contaminada pela desastrosa passagem por lá do tal Marcos Feliciano?
Afinal, quais são os reais objetivos dessa Associação de Apoio aos Grupos de Adoção, além de fraternalmente ajudar aqueles que querem adotar crianças, pelo jeito, crianças que não estão disponíveis, porque não é preciso ajuda para adotar as que superlotam os abrigos em todo o Brasil. Só em São Paulo, são mais de duas mil.
Seja o que for que está por trás de toda essa preocupação com o “instituto da adoção”, conseguiu roubar a infância de cinco crianças, que há três anos atrás cresciam pobres mas felizes no sertão da Bahia.
Eleonora Ramos – Jornalista, Salvador\Bahia
Foto: capturada no jornal A TARDE
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