A educação do Não!
Contrapondo-se à divulgação das violências sexuais que vinham sendo praticadas há mais de quatro anos contra uma menina de 10 anos, do Espírito Santo, que resultaram na sua gravidez; e cobrando da Justiça a garantia do acesso dessa criança aos procedimentos médicos para a realização de um aborto legal, há muitas décadas previstos em lei, o Bloco Não é Não, de Goiânia, Goiás, produziu e publicou às pressas nas redes sociais um vídeo com a participação de algumas integrantes, mostrando sua indignação e exigindo um fim ao sofrimento daquela menina: "Parem de fazer essa menina sofrer!"
Nas redes sociais apareceram muitos comentários de mulheres e homens indignados
com o sofrimento da criança que foi estuprada pelo tio, dos 6 aos 10 anos.
Algumas dessas mulheres e mesmo alguns homens propuseram até a castração dos
autores de tais violências. Reconhecemos e acolhemos a indignação. Ela é justa!
Entretanto, é nosso dever esclarecer que essa medida não resolve.
Aproveitamos para convidar todos e todas que sentiram empatia autêntica pelo
sofrimento da criança capixaba que venham participar de nossa luta diária e sem
fim para que as meninas, meninos e mulheres vivam livres de violências sexuais.
A raiva, a indignação, a revolta e a tristeza são sentimentos que demonstram
que não somos indiferentes à dor de uma criança.
“O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença", há tempos diz Érico
Veríssimo. Nos afetarmos com o sofrimento do outro é o princípio, depois vem o
verbo, a palavra que nomeia e delata a todas as crueldades. Homens e mulheres
de afetos, palavras e atos, assim os queremos em nossa luta ancestral por
respeito, valorização, autonomia e felicidade. A palavra é a maior obra
civilizatória construída pela humanidade, mas são os atos que salvam o mundo.
E vocês - homens e mulheres, mas principalmente os homens que querem nos ajudar
a acabar com essa nódoa que lhes está sendo impregnada na história da
humanidade - sugerimos que comecem com atos simples e diários:
1. Fortaleçam a autoestima das crianças e das mulheres.
2. Encorajem as crianças e as mulheres a exercerem a autonomia de seus desejos,
respeitem-nas e as apoiem quando elas dizerem NÃO.
3. Reconheçam e valorizem, nas meninas e mulheres, qualidades que não se
restrinjam apenas a padrões de beleza.
4. Não reprimam a agressividade das crianças e das mulheres, agressividade é
uma potência que, bem desenvolvida, estará sempre a serviço da auto defesa
delas.
5. Não incentivem a obediência cega. É importante que as crianças e as mulheres
entendam que há ordens que necessitam serem desobedecidas. É amoral obedecer a
ordens que podem ferir a integridade física, psicológica e moral da própria
menina, mulher ou de outra pessoa. Não podemos obedecer a ordens injustas!
6. Ensinem, desde muito cedo, às crianças o conceito de consentimento. O corpo
do outro não pode ser tocado sem consentimento. E isso você faz no cuidado
diário de seus filhos, filhas, sobrinhos, sobrinhas, netos e netas. Expliquem
que toda criança só pode ser tocada nas suas partes íntimas quando é para a higiene
e cuidado em saúde.
7. Apoiem a educação sexual nas escolas e as iniciativas públicas
(governamentais ou não-governamentais) que democratizem conhecimentos sobre as
fases do desenvolvimento infantil e a saúde sexual. Existe uma correlação
significativa entre conhecimento sobre o próprio corpo e a capacidade de
autodefesa contra situações de violências sexuais.
8. Estimulem meninos e homens a expressarem seus sentimentos quando vivencia
situações de perdas ou frustrações.
9. Ensinem aos meninos que é natural um homem se sentir vulnerável. Que ele não
precisa ser forte o tempo todo e não tem que ganhar sempre!
10. Ensinem aos meninos e aos homens que as meninas e mulheres são donas de
seus corpos e desejos, que elas não são posses de ninguém e que é normal levar
um fora! Faz parte da vida.
11. Protejam os corpos e as mentes das crianças da erotização precoce. Criança
não namora.
12. Não atribua à condição masculina valores de supremacia e controle sobre o
outro.
13. Parem de tocar o pênis dos meninos e dizer palavras de conteúdo sexual ou
machistas, tais como “Deixa de ser mole! Você parece uma menininha!";
“Esse daí vai pegar todas!”; “Mostra quem manda!”, dentre outras.
14. A identidade masculina não deve ser associada a valores violentos.
15. Homem não é máquina de sexo. Como as mulheres, eles podem aprender a lidar
com a sua libido, sua potência sexual. A capacidade de expressão e autocontrole
da libido (desejo e energia sexual) é um bom indicador de saúde sexual.
16. Manifestem contra discursos ou práticas machistas e misóginas de outros
homens.
17. Parem de compartilhar e consumir imagens ou produtos que objetificam
crianças e mulheres!
18. Ofereçam ajuda a uma criança e a uma mulher que esteja sendo importunada ou
assediada sexualmente.
19. Acreditem na palavra das crianças e das mulheres!
20. Denunciem as violências sexuais contra crianças e mulheres. Não se omita!
21. Ensinem aos filhos que "não" é "não". Tem que se
respeitar a vontade da mulher. Se ela aceita um beijo, um abraço, uma transa,
tudo bem! Mas se ela diz "Não", é Não! E se isso não for respeitado,
é assédio sexual, violência, estupro! É crime!
22. Amem de verdade as crianças e as mulheres: mães, irmãs, sobrinhas, filhas e
netas. Amem porque são seres humanos e não porque possuem laços de sangue.
Assim, vocês compreenderão o sentido do amor para todas as mulheres!
Goiânia, 19 de agosto de 2020
BLOCO NÃO É NÃO
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