27 de jul. de 2020

Profissionais de saúde levam a Haia denúncia contra Bolsonaro por genocídio e crime contra a humanidade - El país




Coalizão de 60 entidades liderada pela Rede Sindical UniSaúde pede condenação do presidente pela condução de ações para conter o novo coronavírus no Brasil

Beatriz Jucá

Uma nova denúncia foi levada neste domingo (26) ao Tribunal Penal Internacional de Haia na tentativa de responsabilizar o presidente Jair Bolsonaro por ignorar orientações técnicas nas ações relacionadas à pandemia do coronavírus no Brasil. Dessa vez, uma coalizão de mais de 60 sindicatos e movimentos sociais ―a maioria deles de profissionais de saúde, sob a liderança da Rede Sindical UniSaúde― pede a condenação do presidente por genocídio. Na denúncia, argumenta-se que o presidente praticou crime contra a humanidade tanto por incentivar ações que aumentam o risco de proliferação do vírus quanto ao se recusar a implementar políticas de proteção para minorias. Um documento de 64 páginas, que representa mais de um milhão de profissionais de saúde, aponta “falhas graves e mortais” na resposta brasileira à crise sanitária capitaneada por Bolsonaro. O país soma, até o momento mais de 86.000 mortos e quase 2,4 milhões casos confirmados da covid-19.

Segundo o documento, o presidente nunca atendeu as recomendações técnicas de seu próprio Ministério da Saúde para frear o contágio no Brasil. Desde o início da crise, várias vezes provocou aglomerações e apareceu sem máscara, além de fazer declarações que minimizavam a gravidade da covid-19, que ele chamou de “gripezinha”. “Essa atitude de menosprezo, descaso, negacionismo, trouxe consequências desastrosas, com consequente crescimento da disseminação, total estrangulamento dos serviços de saúde, que se viu sem as mínimas condições de prestar assistência às populações, advindo disso, mortes sem mais controles, afirma o documento.

A denúncia ainda cita a insistência do presidente em defender o uso da cloroquina no tratamento da covid-19 mesmo sem que haja comprovação científica de sua eficácia, além do veto de leis aprovadas pelo Congresso Nacional para conter a epidemia no país (como o uso obrigatório de máscaras em locais fechados, comércio e tempos religiosos) e para proteger populações em situação de maior vulnerabilidade, como os povos indígenas e quilombolas. No início de julho, Bolsonaro vetou a obrigatoriedade do Governo Federal em garantir até água potável a essa população durante a pandemia. “[Os vetos] mostram uma política de exclusão de minorias, colocando a margem de toda e qualquer política pública os referidos povos, considera a denúncia.

O presidente Jair Bolsonaro já foi denunciado pelo risco de genocídio relacionado aos povos indígenas anteriormente. Ao menos três ações pedem investigação de sua atuação frente à pandemia do coronavírus em Haia. Apesar das acusações contra ele, não há garantia ainda que o Tribunal as acate. Em entrevista ao EL PAÍS, o advogado argentino Luís Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, avaliou que seria preciso demonstrar que houve um plano de usar o coronavírus como ferramenta para exterminar toda ou parte da população para que o presidente do Brasil seja investigado e julgado pela Corte. Já a jurista Deisy Ventura, especialista na relação entre pandemias e direito internacional, afirmou ao jornal que vê todos os elementos necessários à tipificação de crimes contra a humanidade na resposta do Governo brasileiro à covid-19: intenção, plano e ataque sistemático. Seja como for, o tribunal internacional pode levar meses até analisar as queixas e decidir se abrirá ou não uma investigação formal contra Bolsonaro.

“Já haviam três denúncias no tribunal. A gente entende que elas são importantes e não estamos competindo. Estamos agora tentando contribuir com evidências técnicas. Representamos sindicatos de diferentes setores, a maioria de profissionais de saúde, e trazemos um conjunto de informações que demonstram que existe um crime, seja por ação ou por omissão”, explica Márcio Monzane, secretário regional da UNI Americas, uma das entidades que organizaram a denúncia. Ele comenta que quem atua na linha de frente reclama da falta de equipamentos de proteção e testes. E que cerca de 500 desses profissionais já morreram pela covid-19 no país.

O documento tenta refazer a história da pandemia no país. Cita as ações do Congresso Nacional no sentido de desburocratizar as regras para o gasto público, abrindo espaço para que o Governo pudesse adotar ações emergenciais efetivas no enfrentamento à covid-19. Aborda ainda toda a crise política que tomou o Ministério da Saúde durante a pandemia, com a troca de dois ministros da saúde por divergências com o presidente ―que mantinha a postura errática de criticar o isolamento social e defender o uso da cloroquina. Também destaca que o país enfrenta a pior crise sanitária do século sem um titular na pasta. Além disso, a denúncia afirma que cargos estratégicos passaram a ser ocupados por militares sem experiência em Saúde. “Com a interinidade no Ministério da Saúde, o controle ao combate ao avanço da pandemia, se mostra totalmente abandonado, exigindo de governadores e prefeitos a tomada de medidas que necessariamente deveriam estar capitaneada pelo Poder Executivo”, afirma.

As entidades ainda citam a declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que associou diretamente “genocídio” à pandemia no Brasil neste mês de julho. “Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, afirmou o magistrado.

Para os sindicatos dos profissionais de saúde que assinam o documento, os atos do presidente Bolsonaro durante a pandemia do coronavírus “expõem a vida de uma população a alto risco de saúde e morte. Eles ainda consideram que existe “dolo” e “intenção na postura do presidente, quando adota medidas que ferem os direitos humanos e desprotegem a população, colocando-a em situação de risco em larga escala, especialmente os grupos étnicos vulneráveis”.

Fonte: El país, 26 de julho de 2020.

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