Coalizão de 60 entidades liderada pela Rede
Sindical UniSaúde pede condenação do presidente pela condução de ações para
conter o novo coronavírus no Brasil
Beatriz Jucá
Uma nova denúncia foi levada neste
domingo (26) ao Tribunal Penal Internacional de Haia na tentativa de
responsabilizar o presidente Jair Bolsonaro por ignorar orientações
técnicas nas ações relacionadas à pandemia do
coronavírus no Brasil. Dessa vez, uma coalizão de mais de 60
sindicatos e movimentos sociais ―a maioria deles de profissionais de saúde, sob
a liderança da Rede Sindical UniSaúde― pede a condenação do presidente por
genocídio. Na denúncia, argumenta-se que o presidente praticou crime contra a
humanidade tanto por incentivar ações que aumentam o risco de proliferação do
vírus quanto ao se recusar a implementar políticas de proteção para minorias.
Um documento de 64 páginas, que representa mais de um milhão de profissionais
de saúde, aponta “falhas graves e mortais” na resposta brasileira à crise
sanitária capitaneada por Bolsonaro. O país soma, até o momento mais de 86.000 mortos e quase 2,4 milhões
casos confirmados da covid-19.
Segundo o
documento, o presidente nunca atendeu as recomendações técnicas de seu próprio
Ministério da Saúde para frear o contágio no Brasil. Desde o início da crise,
várias vezes provocou aglomerações e apareceu sem máscara, além de fazer
declarações que minimizavam a gravidade da covid-19, que ele chamou de
“gripezinha”. “Essa atitude de menosprezo, descaso, negacionismo, trouxe consequências desastrosas, com
consequente crescimento da disseminação,
total estrangulamento dos serviços
de saúde, que se viu sem as mínimas condições
de prestar assistência
às populações, advindo disso, mortes sem mais
controles”,
afirma o documento.
A denúncia ainda
cita a insistência do presidente em defender o uso da cloroquina no tratamento
da covid-19 mesmo sem que haja comprovação científica de sua eficácia, além do
veto de leis aprovadas pelo Congresso Nacional para conter a epidemia no país
(como o uso obrigatório de máscaras em locais fechados, comércio e tempos
religiosos) e para proteger populações em situação de maior vulnerabilidade,
como os povos indígenas e quilombolas. No início de julho, Bolsonaro vetou a obrigatoriedade do Governo Federal em garantir até água potável a
essa população durante a pandemia. “[Os vetos] mostram uma política de
exclusão de minorias, colocando a margem de toda e qualquer política pública os referidos povos”, considera a denúncia.
O presidente Jair
Bolsonaro já foi denunciado pelo risco de genocídio relacionado aos povos
indígenas anteriormente. Ao menos três ações pedem investigação de sua atuação
frente à pandemia do coronavírus em Haia. Apesar das acusações contra ele, não
há garantia ainda que o Tribunal as acate. Em entrevista ao EL PAÍS, o advogado
argentino Luís Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do Tribunal Penal
Internacional, avaliou que seria preciso demonstrar que houve um plano de usar o coronavírus como
ferramenta para exterminar toda ou parte da população para que o presidente do
Brasil seja investigado e julgado pela Corte. Já a jurista Deisy Ventura,
especialista na relação entre pandemias e direito internacional, afirmou ao jornal que vê todos os elementos necessários à tipificação de
crimes contra a humanidade na resposta do Governo brasileiro à covid-19:
intenção, plano e ataque sistemático. Seja como for, o tribunal internacional
pode levar meses até analisar as queixas e decidir se abrirá ou não uma
investigação formal contra Bolsonaro.
“Já haviam três
denúncias no tribunal. A gente entende que elas são importantes e não estamos
competindo. Estamos agora tentando contribuir com evidências técnicas.
Representamos sindicatos de diferentes setores, a maioria de profissionais de
saúde, e trazemos um conjunto de informações que demonstram que existe um
crime, seja por ação ou por omissão”, explica Márcio Monzane, secretário
regional da UNI Americas, uma das entidades que organizaram a denúncia. Ele
comenta que quem atua na linha de frente reclama da falta de equipamentos de proteção e testes. E que cerca
de 500 desses profissionais já morreram pela covid-19 no país.
O documento tenta
refazer a história da pandemia no país. Cita as ações do Congresso Nacional no
sentido de desburocratizar as regras para o gasto público, abrindo espaço para
que o Governo pudesse adotar ações emergenciais efetivas no enfrentamento à
covid-19. Aborda ainda toda a crise política que tomou o Ministério da Saúde
durante a pandemia, com a troca de dois ministros da saúde por divergências com
o presidente ―que mantinha a postura errática de criticar o isolamento social
e defender o uso da cloroquina. Também destaca que o país
enfrenta a pior crise sanitária do século sem um titular na pasta. Além disso,
a denúncia afirma que cargos estratégicos passaram a ser ocupados por militares
sem experiência em Saúde. “Com a interinidade no Ministério da Saúde, o
controle ao combate ao avanço da pandemia, se
mostra totalmente abandonado, exigindo de governadores e prefeitos a tomada de
medidas que necessariamente deveriam estar capitaneada pelo Poder Executivo”,
afirma.
As entidades ainda
citam a declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que associou diretamente “genocídio” à pandemia
no Brasil neste mês de julho. “Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito
clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É
preciso pôr fim a isso”, afirmou o magistrado.
Para os sindicatos
dos profissionais de saúde que assinam o documento, os atos do presidente
Bolsonaro durante a pandemia do coronavírus “expõem a vida de uma população a alto risco de saúde e morte”. Eles ainda consideram que existe
“dolo” e “intenção na postura do presidente, quando adota medidas que ferem os
direitos humanos e desprotegem a população, colocando-a em situação de risco em
larga escala, especialmente os grupos étnicos vulneráveis”.
Fonte: El país, 26 de julho de 2020.
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