"Em nota pública divulgada nesta sexta-feira, 26 de abril, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) contesta proposição do presidente da República de cortar investimentos federais para faculdades de Filosofia e Sociologia e defende que essas disciplinas oferecem contribuições 'imprescindíveis' para o desenvolvimento de pesquisas e políticas públicas"
NOTA PÚBLICA DA SBPC EM DEFESA DAS CIÊNCIAS
HUMANAS E SOCIAIS
A Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem a público manifestar
sua discordância em relação à proposição feita nesta sexta-feira (26) pelo
Exmo. Sr. Presidente da República de que não haveria mais investimentos
federais para faculdades de Filosofia e Sociologia. Diante desta afirmação e de
outras críticas recentes e pouco fundamentadas que as Ciências Humanas e
Sociais vêm sofrendo, enfatizamos que é grande a importância dessas ciências
para a sociedade brasileira, assim como a das outras áreas do conhecimento.
Elas podem não proporcionar, como ocorre com muitos avanços científicos, um
retorno econômico imediato para a sociedade, mas podem contribuir fortemente
para o desenvolvimento científico e tecnológico do País e para a melhoria das
condições de vida de sua população.
A SBPC, uma
entidade que congrega todas as ciências e que luta pela melhoria da educação e
por políticas públicas que conduzam a um desenvolvimento sustentável do País,
escorado na ciência, tecnologia e inovação, se contrapõe a essas proposições,
afirmando o caráter científico das Ciências Humanas e Sociais e demonstrando
sua importância para as políticas públicas. É essencial para o País, e as
entidades cientificas têm defendido isto por décadas, que formemos mais
profissionais qualificados nas áreas de engenharia, de ciências naturais e de
ciências aplicadas, e que estes encontrem condições adequadas para exercerem
suas profissões; mas isto de nenhum modo deve estar associado a um desmonte das
áreas de ciências sociais e humanas. Alertamos para o risco da utilização, sem
o devido cuidado, de comparações internacionais muitas vezes falsas, imprecisas
ou distorcidas para embasar a definição de políticas internas relativas à
ciência e à tecnologia.
Cabe lembrar
que as Ciências Humanas e Sociais não são ideologias, como tem sido afirmado frequentemente.
Elas trabalham com metodologias científicas específicas, que incluem o
levantamento cuidadoso de dados com o uso de questionários, entrevistas,
análise de documentos e observações no campo de estudo, e suas conclusões estão
baseadas em evidências. Elas se utilizam frequentemente de dados estatísticos
para chegar a determinados resultados ou conclusões, o que atesta, ainda, a
importância de instrumentos de conhecimento, como o Censo Demográfico, a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Censo Educacional e a
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que estão também sendo motivo de
questionamento por gestores do atual governo.
Além de
possibilitar o avanço do próprio conhecimento da área social, cabe tornar
explícita a principal contribuição dessas ciências. Por meio das suas teorias,
modelos e metodologias, elas procuram fornecer subsídios para a formulação,
implementação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas elaboradas
pelo governo e pela sociedade, visando à melhoria do bem estar social, que é
aferido qualitativa e quantitativamente por meio de indicadores apropriados.
A sua
contribuição é, portanto, imprescindível tanto na produção de pesquisas que dão
suporte às políticas e aos serviços públicos, como na formação de recursos
humanos necessários à operação desses serviços. Podem ser citados muitos
exemplos de pesquisas, por exemplo aquelas realizadas por universidades,
instituições de pesquisa ou por Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
(INCTs), que contribuíram para a política cultural, educacional, ambiental, de
segurança, saúde e habitação do país ou de regiões determinadas.
Por outro lado,
as Ciências Humanas e Sociais podem exercer o papel de produzir, de forma
permanente, uma reflexão crítica sobre a sociedade e seu funcionamento, que é
um elemento fundamental no processo democrático e que é necessário para o
controle social e político sobre os processos e as finalidades do
desenvolvimento. Elas são essenciais, ainda, em sua contribuição ao processo de
formação de cidadãos com a capacidade crítica que a sociedade moderna exige.
Ressalte-se,
ainda, que muitas carreiras e desenvolvimentos bem sucedidos nas áreas
tecnológicas não resultam simplesmente de conhecimento técnico. Eles requerem
habilidades de liderança, inteligência emocional, compreensão da cultura, em
outras palavras, um entendimento do contexto econômico e social que as Ciências
Humanas e Sociais podem prover. A integração entre as diferentes áreas de
conhecimento é mais fecunda e produtiva socialmente do que a separação entre
elas ou a exclusão de algumas delas.
Finalmente,
registramos que críticas orquestradas dirigidas às Ciências Humanas e Sociais
constituem parte de uma estratégia mais geral que ameaça toda a pesquisa
científica do País. Pretende-se restringir a formação universitária à mera
aplicação de técnicas importadas e reduzir fortemente os investimentos em
ciência, tecnologia e inovação, o que afetará profundamente as universidades e
instituições públicas de pesquisa responsáveis por grande parte da produção
científica e tecnológica do Brasil e colocará em risco a sobrevivência do
sistema nacional de CT&I e a própria soberania nacional. O domínio da
cadeia de conhecimentos científicos e tecnológicos, como evidenciado pela
história de todos os países desenvolvidos, é imprescindível para a superação da
crise atual do País e para seu desenvolvimento econômico e social.
Fonte: Portal da SBPC, em 26 de abril de 2019.
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