7 de abr. de 2019

Hombre preso que mira a su hijo - Mario Benedetti


"Cuando era como vos me enseñaron los viejos
y también las maestras bondadosas y miopes
que libertad o muerte era una redundancia
a quien se le ocurría en un país
donde los presidentes andaban sin capangas"


“Quando eu era como você me ensinaram meus pais
e também as professoras bondosas e míopes
que liberdade ou morte era uma redundância
quem podia imaginar em um país
onde os presidentes andavam sem capangas”

Mario Benedetti


  Hombre preso que mira a su hijo


Cuando era como vos me enseñaron los viejos
y también las maestras bondadosas y miopes
que libertad o muerte era una redundancia
a quien se le ocurría en un país
donde los presidentes andaban sin capangas.

Que la patria o la tumba era otro pleonasmo
ya que la patria funcionaba bien
en las canchas y en los pastoreos.

Realmente no sabían un corno
pobrecitos creían que libertad
era tan solo una palabra aguda
que muerte era tan solo grave o llana
y cárceles por suerte una palabra esdrújula.

Olvidaban poner el acento en el hombre.

La culpa no era exactamente de ellos
sino de otros más duros y siniestros
y estos sí
cómo nos ensartaron
en la limpia república verbal
cómo idealizaron
la vidurria de vacas y estancieros
y cómo nos vendieron un ejército
que tomaba su mate en los cuarteles.

Uno no siempre hace lo que quiere
uno no siempre puede
por eso estoy aquí
mirándote y echándote
de menos.

Por eso es que no puedo despeinarte el jopo
ni ayudarte con la tabla del nueve
ni acribillarte a pelotazos.

Vos ya sabés que tuve que elegir otros juegos
y que los jugué en serio.

Y jugué por ejemplo a los ladrones
y los ladrones eran policías.

Y jugué por ejemplo a la escondida
y si te descubrían te mataban
y jugué a la mancha
y era de sangre.

Botija aunque tengas pocos años
creo que hay que decirte la verdad
para que no la olvides.

Por eso no te oculto que me dieron picana
que casi me revientan los riñones
todas estas llagas, hinchazones y heridas
que tus ojos redondos
miran hipnotizados
son durísimos golpes
son botas en la cara
demasiado dolor para que te lo oculte
demasiado suplicio para que se me borre.

Pero también es bueno que conozcas
que tu viejo calló
o puteó como un loco
que es una linda forma de callar.

Que tu viejo olvidó todos los números
(por eso no podría ayudarte en las tablas)
y por lo tanto todos los teléfonos.

Y las calles y el color de los ojos
y los cabellos y las cicatrices
y en qué esquina
en qué bar
qué parada
qué casa.

Y acordarse de vos
de tu carita
lo ayudaba a callar.
Una cosa es morirse de dolor
y otra cosa es morirse de vergüenza.

Por eso ahora
me podés preguntar
y sobre todo
puedo yo responder.

Uno no siempre hace lo que quiere
pero tiene el derecho de no hacer
lo que no quiere.

Llora nomás botija
son macanas
que los hombres no lloran
aquí lloramos todos.

Gritamos, berreamos, moqueamos, chillamos, maldecimos
porque es mejor llorar que traicionar
porque es mejor llorar que traicionarse.

Llorá
pero no olvides.


Mario Benedetti






Homem preso que olha para seu filho
(Mario Benedetti – tradução livre por Lucas Bronzatto)

Quando eu era como você me ensinaram meus pais
e também as professoras bondosas e míopes
que liberdade ou morte era uma redundância
quem podia imaginar em um país
onde os presidentes andavam sem capangas

que a pátria ou a tumba era outro pleonasmo
já que a pátria funcionava bem
nos estádios e nos pastoreios

realmente meu filho eles não sabiam nada
pobrezinhos acreditavam que liberdade
era só uma palavra aguda
que morte era palavra grave
e cárceres por sorte uma palavra esdrúxula

esqueciam de por o acento no homem

a culpa não era exatamente deles
mas sim de outros mais duros e sinistros

e estes sim
como nos espetaram
na limpa república verbal
como idealizaram
a vidinha de vacas e estancieiros

e como nos venderam um exército
que tomava seu mate nos quartéis

a gente nem sempre faz o quer
a gente nem sempre pode
por isso estou aqui
olhando pra você e sentindo sua falta

por isso é que não posso te despentear o cabelo
nem te ajudar com a tabuada do nove
nem te golear numa pelada

você já sabe que tive que escolher outras brincadeiras
e que brinquei todas elas de verdade

e brinquei por exemplo de polícia e ladrão
e os ladrões eram policiais

e brinquei por exemplo de esconde-esconde
e se te descobriam te matavam
e brinquei de pega-pega
e escorria sangue de quem era pego

meu filho ainda que tenha poucos anos
acho que tenho que te dizer a verdade
para que não a esqueça

por isso não te escondo que me deram choques
que quase me arrebentam os rins

todas essas chagas inchaços e feridas
que seus olhos redondos
olham hipnotizados
são duríssimos golpes
são botas na cara
muita dor para que te esconda
muito suplício para eu apagar

mas também é bom que saiba
que teu pai calou
ou xingou como um louco
que é uma linda forma de calar

que teu pai esqueceu todos os números
(por isso não poderia te ajudar nas tabuadas)
e portanto todos os telefones

e as ruas e a cor dos olhos
e os cabelos e as cicatrizes
e em qual esquina
em que bar
que parada
que casa

e lembrar de você
da tua carinha
me ajudava a calar
uma coisa é morrer de dor

e outra coisa é morrer de vergonha



por isso agora

você pode me perguntar

e mais que tudo

eu posso responder

a gente nem sempre faz o que quer

mas tem o direito de não fazer

o que não quer



chore apenas meu filho

é mentira

que os homens não choram

aqui choramos todos

gritamos berramos assoamos esperneamos

porque é melhor chorar que trair

porque é melhor chorar que se trair



chore

mas não esqueça
 






Foto: Francisco Proner - Lula carregado nos braços dos militantes no dia de sua prisão. São Bernardo do Campo/SP, 07.04.2018.

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