8 de set. de 2018

Vermelhos de Guernica - Cida Alves

 

Décimas para El Guernica

“La sangre gris en el lienzo
Clava su lanza y salpica
No hay rojo más intenso
Que los grises del Guernica”
André Romero

Décimas para Guernica
O sangue cinza na tela
Clava a lança e salpica
Não há vermelho mais intenso
Que os cinzas de Guernica
André Romero

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Vermelhos de Guernica

Por Cida Alves

“Não sou hipócrita, não desejo ao fascista pronto reestabelecimento. Sou justo, desejo a ele exatamente o que ele deseja a negros, índios, militantes de esquerda, do movimento sem-terra, aos transexuais, aos homossexuais e aos que dele divergem. Desejo exatamente o mesmo. Em gênero, número e grau” (Fernando Horta).

“A farsa do atentado do Bolsonaro” é mais um dos brilhantes artigos de Fernando Horta. Sem reparos em seus apontamentos sobre as verdades do atentando ao senhor messias e a farsas das narrativas construídas depois do ato criminoso. Entretanto, não concordo com o desfecho final. Não sou hipócrita, compreendo a indignação e até mesmo o ódio em casos como o do candidato a presidente - político que foi eleito o “mais repulsivo do mundo” pelo site australiano News

Ódio, raiva, medo são sentimentos legítimos, como todos os demais. Sentimentos e desejos não são regidos pela ordem moral. Eles aparecem em nossa psique e pronto. O problema não é o sentimento de ódio em si, mas sim a sua não elaboração. Não tenho dúvida que a obra “Guernica”, foi pinta por Picasso com um ódio retumbante aos senhores da Guerra. Acredito que havia vestígios de ódio aos racistas estadunidenses no magistral discurso “Eu tenho um sonho” de Martin Luther King. Alias, semelhante a Jean Paul Sarte, eu “odeio as vítimas que respeitam os seus carrascos”.

O messias - minúsculo mesmo, é uma figura abjeta, grotesca, abominável, mas não desejo o que ele deseja. Não desejo pra ninguém o que ele deseja para mim. Como mulher de esquerda, feminista e com ancestralidade negra e índia, sei que estou na linha de tiro de seu ódio, todavia não desejo sua eliminação. O fascismo é traiçoeiro, ele sabe capturar pela emoção e a irreflexão. Não tolerar a existência do outro, que valoro como diferente ou meu oponente, é um dos princípios do fascismo. Combater o fascismo é matar sua semente, impedido que ele nasça em mim também.

Talvez seja presunção de minha parte, soberba não sei, mas não me sinto igual às pessoas como o messias, pois jamais desejei que:

- A Ditadura matasse e não apenas torturasse seus opositores;
- A PM matasse 1.000 e não 111 presos, referindo se a Chacina do Carandiru, pois “bandido bom é bandido morto”;
- Que um filho morresse num acidente para que nunca aparecesse com um bigodudo por aí;
- Que a Dilma Rousseff, então presidenta do Brasil, morresse de câncer ou infarto;
- Que a mesma Dilma, revivesse o trauma da tortura, ao exaltar a memória do cruel torturador Brilhante Ustra no momento do voto no golpe jurídico parlamentar de 2016;
- Que mulher ganhasse menos que homem por que engravida;
- Que índios e quilombolas não tivessem seus territórios respeitados e demarcados;
- Que o médico que acompanhava a Dona Marisa realizasse um procedimento letal para matá-la;
- Que o ex-presidente Lula sofresse a perda da mulher a amada sem direito a pranto, revolta ou luto;
- Que mulheres como Mariela nunca ocupassem espaços de poder e prestígio;
- Que pretos e pobres não frequentassem os espaço de distinção e prestígio social. Essa gentalha em aeroportos, shopping centers, universidades, isso já é muito desaforo;
- Que pretos e pobres sigam tendo seus direitos negados sistematicamente, para que eles sirvam de mão de obra barata, “carvão para queimar”, mantendo assim o histórico privilégio da elite de alma escravocrata. 

Meus desejos, mesmo os mais sombrios, não se assemelham aos do messias, nem tão pouco dos de seus seguidores ou dos que se alinham com suas ideias. O que desejo de verdade para abominável messias é o ostracismo, que ele e seus filhos percam todas as eleições e nunca mais ganhem a vida e se enriqueçam a custo dos recursos públicos. O mundo público – ação política e riquezas coletivas, deve estar a serviço da construção do bem comum, que está indubitavelmente alicerçado nos princípios da IGUALDADE, da JUSTIÇA e da LIBERDADE. 






Foto: Clara Alves - Alvorecer no Morro do além, Goiânia, 27 de agosto de 2018.
 

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