Estátua da Justiça, em frente ao STF – Brasília, 29 de maio de
2016 (Foto: Rachel
Ribeiro)
Os juízes, como tudo na vida, não são neutros. Eles
espelham os valores e as práticas sociais de seu tempo. Respondem a compromissos
- dívidas encarnadas, com suas histórias e suas origens (classe, etnia, sexo,
religião, dentre outras). Nesse sentindo, uma pergunta que me atormenta todos os
dias em meu trabalho, quem vai proteger as meninas, os meninos, as mulheres das
violências cometidas pelas autoridades do poder judiciário?
Cida Alves
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Clarice
Maria de Andrade – Juíza responsável por manter a menor L.A.B. presa
por 26 dias numa cela masculina em Abaetetuba, no Pará
“Em 21 de outubro de 2007,
a menor L.A.B. foi presa em Abaetetuba, no Pará, sob a acusação de tentar
furtar um telefone celular. Tinha 15 anos, menos de 40 quilos e um metro e meio
de altura. Levada para a delegacia da cidade de 130 mil habitantes, a quase 100
quilômetros de Belém, passou os 26 dias seguintes numa cela ocupada por mais de
20 homens. Durante todo o tempo, o bando de machos serviu-se da única fêmea
disponível. Estuprada incontáveis vezes, teve cigarros apagados em seu corpo e
as plantas dos pés queimadas enquanto procurava dormir. Alguns detentos,
aflitos com as cenas repulsivas, apelaram aos carcereiros para que
interrompessem o calvário. Os policiais preferiram cortar o cabelo da
adolescente com uma faca para camuflar a aparência feminina. A rotina de cinco
ou seis relações sexuais diárias foi suspensa apenas nos três domingos
reservados a visitas conjugais. O tormento só acabou com a intervenção do
conselho tutelar, alertado por uma denúncia anônima”.
Eduardo Luiz de Abreu Costa – Juiz que absolveu Moacir
Rodrigues Mendonça - delegado da Polícia Civil de São Paulo, acusado de estupro
contra a própria a neta, que tinha 16 anos na época da denúncia.
Sentença do magistrado:
“A não anuência à
vontade do agente, para a configuração do crime de estupro, deve ser séria,
efetiva, sincera e indicativa de que o sujeito passivo se opôs,
inequivocadamente, ao ato sexual, não bastando a simples relutância, as
negativas tímidas ou a resistência inerte. Não há prova segura e indene de que
o acusado empregou força física suficientemente capaz de impedir a vítima de
reagir. A violência material não foi asseverada, nem esclarecida. A violência
moral, igualmente, não é clarividente, penso”, escreveu o juiz Luiz de Abreu Costa.
Informações do processo:
“O delegado teria
levado a neta, então com 16 anos, para um quarto do hotel Thermas dos
Laranjais, em Olímpia, e abusado sexualmente dela, em setembro de 2014.
Conforme relatou durante a investigação pela Corregedoria da Polícia Civil,
inicialmente a adolescente ficou sem reação, perplexa com a investida do avô.
Consumado o ato,
segundo ela, o familiar ainda advertiu que ‘isso fica entre nós’. A suposta
violência veio à tona vinte dias depois, quando a adolescente foi flagrada no
quarto com um revólver do pai, policial militar, tentando o suicídio”.
Theodoro Alexandre da Silva Silveira – promotor que humilhou
e ofendeu adolescente vítima de estupro cometido pelo próprio pai.
Palavras do promotor
"(...) Tu fez eu e a juíza
autorizar um aborto e agora tu te arrependeu assim? Tu pode pra abrir as pernas
(...) pra um cara tu tem maturidade (....) e pra assumir uma criança tu não
tem?"
“sabe que tu é uma pessoa de sorte,
porque tu é menor de 18, se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva
agora”.
“Vamo. Tu
teve coragem de fazer o pior, matou uma criança, agora fica com essa carinha de
anjo” (se referindo ao aborto feito com autorização da Justiça pela vítima).
O caso ocorreu em fevereiro de 2014, na
cidade de Júlio de Castilhos, na região central gaúcha. O pedido de
investigação foi feito por um desembargador da 7ª Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do estado. A menina, à época com 13 anos, teria
engravidado depois de anos de abuso. Ela denunciou o pai, que foi preso. Mas,
após um ano, a vítima negou que ele seria o estuprador. Segundo a
desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, relatora do processo, a adolescente
teria sido pressionada pela família.
Juiz
pergunta a uma mulher em julgamento por estupro: “Por que simplesmente não
deixou as pernas fechadas?”
Magistrado canadense humilhou jovem
que denunciou agressão sexual e acaba renunciando
Era uma audiência
por estupro e o juiz
canadense Robin Camp se dirigiu à suposta vítima, de 19 anos, e lhe disse em
voz alta: “E por que simplesmente não manteve as pernas fechadas?”. Depois,
após se referir à jovem como “acusada”, afirmou: “As mulheres jovens gostam de
fazer sexo, especialmente se estão bêbadas; mas o sexo e a dor às vezes
caminham juntos, e não é necessariamente algo ruim”.
Isso aconteceu há três anos em um tribunal de
Calgary (Canadá).
Na quinta-feira o magistrado Camp, de 64 anos, apresentou sua renúncia após um
comitê recomendar sua destituição imediata por considerar sua conduta “profunda
e manifestadamente destrutiva com o conceito de imparcialidade, integralidade e
independência”. “Estamos com as vítimas e não estamos dispostos a aceitar de
nenhum modo a violência de gênero”, enfatizou a ministra da Justiça, Jody
Wilson-Raybould.
O
julgamento que pôs um fim à carreira de Camp, recentemente promovido à Corte
Federal de Alberta, ocorreu em junho de 2014. A jovem denunciou ter sido
estuprada por um homem de 29 anos durante uma festa na casa de amigos. O
suposto agressor a encurralou no banheiro e a estuprou prensando-a contra a
pia. Na audiência, o juiz se mostrou ostensivamente desconfiado em relação à
mulher e a humilhou verbalmente. Não só a recriminou publicamente, como
insistiu que poderia ter evitado o ataque “simplesmente movendo a pélvis ou
colocando suas nádegas na pia”.
A vítima
ficou em choque. “Fez com que eu me odiasse e me sentisse como se fosse uma
prostituta”, disse. Após a audiência, o acusado foi absolvido e, mesmo tendo
recorrido, em janeiro uma corte confirmou a
primeira sentença.
Mas o
caso, a essa altura, já havia superado os limites de uma sala de tribunal. A
vítima tentou se suicidar e os comentários de Camp desataram tamanha espiral de
queixas e reclamações que o Conselho Judicial
Canadense se viu forçado a abrir uma investigação. Em suas
declarações ao comitê, Camp reconheceu que era um homem preconceituoso e que
pensava que “todas as mulheres se comportavam da mesma forma e deveriam sofrer
as consequências”. Para demonstrar seu arrependimento e boa vontade, participou
de cursos de reeducação e até mesmo levou sua filha, vítima de um estupro, para
depor a seu favor.
Após 15
meses de trabalho, o comitê concluiu que o juiz era incapaz para o cargo e que
deveria ser destituído. Suas desculpas não bastaram. O dano causado era maior.
J.M.
Ahrens - El país, em 10 de março de 2017
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Fontes: