Carta aberta do Grupo de
Estudos e Pesquisas Paulo Freire (GEPPF) da Universidade Federal do Espírito
Santo
Prezados(as),
Vimos à presença de vocês
pedindo licença para nos posicionarmos, primeiramente enquanto educadores(as)
capixabas e brasileiros, e depois como estudiosos/pesquisadores da educação,
frente a algumas manifestações particulares no interior das manifestações do
último domingo, dia 15/03/2015.
As declarações de ódio
explícito a Paulo Freire e sua suposta “pedagogia de doutrinação comunista” foi
uma das marcas dos protestos ocorridos no último domingo em vários lugares do
Brasil.
Certamente, quem estendeu
cartazes desse tipo atacando, senão o maior, um dos maiores educadores
brasileiros de todos os tempos, reconhecido internacionalmente como autor de
uma obra magnífica e também como símbolo de uma práxis pedagógica a serviço da
construção de uma sociedade mais humana, justa e democrática, desconhece a sua
história, não leu a sua obra ou, se leu, não a compreendeu.
Qualquer leitor atento da
obra de Freire é obrigado a reconhecer que a sua Pedagogia é atravessada pelo
princípio do diálogo como método essencial de construção do conhecimento. Não
conseguimos entender como é possível que alguém que afirma e reafirma
reiteradamente o diálogo como o caminho necessário para uma educação que
respeita a autonomia dos educandos, pode ser rotulado de doutrinador.
A educação é por princípio
uma atividade de difusão de valores políticos, axiológicos, estéticos, ideológicos
etc. Freire insistia em nos alertar: NÃO EXISTE EDUCAÇÃO NEUTRA.
Transmitir conteúdos prontos
sem problematizar os diferentes usos que se faz e que se pode fazer deles na
vida concreta da sociedade tem sido a prática dominante da educação escolar brasileira
há séculos. Tal processo tem ocorrido de modo dogmático, autoritário,
antidialógico e antidemocrático. Ou seja, promovendo (aí sim) uma doutrinação
política em favor de uma ordem autoritária, hierárquica, injusta, formadora de
sujeitos submissos, incapazes de compreender o uso social do conhecimento que é
sempre subordinado a algum interesse.
Freire explicitou que não
existe conhecimento e professor que pairam acima das circunstâncias sociais. A
educação não é neutra, ao contrário, é sempre a favor ou contra algo, a favor
ou contra alguém, a favor ou contra uma dada realidade.
Assumindo-se o caráter
eminentemente político de qualquer ato educativo, o educador, de fato, não é
aquele que se diz neutro, e sim aquele que abre o diálogo com os educandos a
respeito das suas visões de mundo, problematizando-as e buscando seus
fundamentos. Freire nos ensinou a fazer isso, ou seja, ensinou-nos a fazer uma
educação adequada a uma sociedade democrática.
Tempos difíceis esses em que
vivemos. Pessoas que não se importam de marchar junto com outras que pedem
intervenção militar acusam Paulo Freire, um dos maiores símbolos da luta
democrática do Brasil, de defender a doutrinação na educação.
Se tivéssemos certeza de que
esse tipo de deturpação e inversão da realidade não passasse de mera provocação
sem maiores danos, nem precisaríamos nos dar ao trabalho de responder e
comentar. Porém, infelizmente, não é assim. A história nos ensina que um povo
movido por ódio, ignorância, irracionalidade e manipulação midiática pode
provocar muitos estragos.
Pode, inclusive, manchar uma
obra reconhecida mundialmente, independentemente do sistema político adotado,
pois se trata de uma obra moderna, humanista, democrática e defensora do
respeito aos seres humanos e seus direitos. Inclusive os que com honestidade
intelectual e política discordam, reconhecem que é uma obra eminentemente
dialógica.
O Brasil, com suas condições
objetivas, produziu no decorrer do século XX este educador e pensador da
educação reconhecido pelo mundo, que não sejamos nós, neste início de século
XXI a desfazer esta lição de diálogo e democracia.
Freire nos ensinou a fazer da
educação um instrumento de luta a favor dos mais vulneráveis da sociedade e
revelou que a educação hegemônica tem servido aos poderosos. Seja por
desonestidade, seja por ignorância, seja por manipulação, seja por cumplicidade
com a ordem social vigente no planeta, os que levantam cartazes contra Paulo
Freire fazem um desfavor à educação do Brasil e do mundo.
Diante de tudo o que dissemos
anteriormente resta-nos concluir dizendo e conclamando a todos(as)
educadores(as) deste país a se indignar, dizendo:
OBRIGADO PAULO FREIRE: por
ter aberto os nossos olhos sobre o potencial da educação.
OBRIGADO PAULO FREIRE: por
ter nos legado uma obra de tanto valor.
OBRIGADO PAULO FREIRE: por
nos deixar orgulhosos por saber que um brasileiro é tão lido e respeitado no
mundo inteiro, inspirando milhões de educadores e estudiosos, que veem em sua
vida e em sua obra uma inspiração para continuar lutando contra todas as formas
de opressão e para continuar desvendando as deturpações promovidas por aqueles
que se acham os únicos merecedores de uma vida digna.
Grupo de
Estudos e Pesquisas Paulo Freire (GEPPF) da Universidade Federal do Espírito
Santo