Por Renata Penna
Eu não gosto da palavra ‘birra’. Confesso. Tenho uma certa ‘birra’ com ela (rá!). Porque acho que ela já carrega consigo uma imensa carga de preconceito, como se a criança fosse culpada por comportar-se de uma maneira que a sociedade desaprova, envergonhando seus pais e cuidadores. Como se crianças que fazem ‘birra’ merecessem o rótulo imediato de monstrinhos mimados, mal educados, desobedientes, reinadores e todos os outros nomes que as pessoas acham de inventar para nomear a criança que faz uma, digamos, ‘birra’.
Mas para além das implicâncias semânticas, vamos aos fatos: podemos chamar como quisermos – birra, manha, chilique, ataque, crise, descontrole, mas arrisco dizer sem medo de estar equivocada que toda criança protagoniza uma cena dessas de vez em quando. Ao menos uma vez na vida? Se disser que não, que nunca, que de jeito algum, das duas uma: ou a lógica que impera na família é a da disciplina militar, ou esse serzinho deve ter vindo mesmo de outro planeta.
Os choros, os gritos e tudo mais que faz parte do pacote costuma colocar pais e cuidadores em maus lençóis. Como lidar com a criança que, totalmente descontrolada, se desfaz em lágrimas e escândalos aos seus pés? É nessa hora que o registro cultural da violência, passado de geração em geração, aparece com força total: o impulso é o de reprimir com agressividade (física ou verbal), e num piscar de olhos esse impulso pode ganhar força e ficar bem difícil de controlar.
Para nós, como família, agredir nossas filhas, seja verbal ou fisicamente, é algo que está totalmente fora de cogitação. Simplesmente não é uma opção, não é aceitável e não pode fazer parte do nosso repertório de soluções para as situações difíceis. Uma educação não violenta, aqui, não é optativa – faz parte do mínimo que acreditamos que devemos proporcionar a elas, como pai e mãe. Por isso, fomos forçosamente aprendendo ao longo do tempo a lidar com essas situações delicadas lançando mão de artifícios que tivessem como base o acolhimento, a amorosidade e o respeito pelos sentimentos da criança.
Não, nem sempre é fácil. Eu desafiaria um monge budista a manter a calma e a serenidade absolutas durante todo o tempo, diante de uma criança em um ataque de ‘birra’. É exaustivo, muitas vezes. Exige uma grande dose de auto observação, um outro tanto de autocontrole e ainda um bocado de autocrítica. É um processo, um aprendizado. Mas é possível.
Como mãe de três, fui aprendendo algumas estratégias que dão certo, e costumam ajudar nestes momentos. E como a gente abre picada pra quem vir atrás passar mais fácil pela trilha, seguem aí algumas regrinhas bacanas para essas horas de conflito, que costumam funcionar por aqui:
1. Ter em mente quem é a criança, e quem é o adulto
Muitas vezes, diante de uma ‘birra’ de nossos filhos, agimos com tanta ou mais infantilidade do que eles. Nessas horas, é importante lembrar que nós somos os adultos da situação, e por isso podemos olhá-la com mais discernimento, e conseguimos controlar nossas atitudes com mais maturidade (ou pelo menos deveríamos). Na hora da birra, não entre em disputa com seu filho para descobrir quem consegue irritar quem com mais eficiência. As crianças ainda estão aprendendo a lidar com as situações difíceis da vida, e para isso precisam da ajuda de alguém com a cabeça no lugar.
2. Ajudar a criança a nomear seus sentimentos
A imaturidade emocional da criança, para quem lidar com o outro, com o mundo e com os próprios sentimentos, é um aprendizado diário (e para nós, adultos, tantas vezes ainda não é?), às vezes impede que ela compreenda com clareza as sensações que lhe bagunçam por dentro e lhe fazem reagir desta ou daquela maneira. Ajude seu filho a olhar para si e entender o que se passa. Dar nome aos sentimentos, fazendo perguntas e questionamentos sensíveis e delicados, e estimular a criança a nomear o que sente pode ajudá-la a organizar-se internamente, e tranquilizar-se como consequência.
3. Demonstrar empatia
Não desvalorize os sentimentos do seu filho, nem diminua a importância que o motivo da crise tem para ele. Você pode não compreender seus porquês, mas deve respeitá-los, porque ele é uma pessoa diferente de você. Nunca tente tirar uma criança da crise dizendo que “não é nada” – se não fosse nada, a ‘birra’ não estaria acontecendo. O ‘chilique’, por si só, já é prova da importância que a situação tem para o seu filho, portanto demonstre que você respeita seus sentimentos e quer ajudá-lo a lidar com eles da melhor maneira possível.
4. Dê carinho
Quando passamos por uma situação desagradável, qualquer que seja ela, poucas coisas nos confortam tanto quanto o acolhimento das pessoas que nos querem bem. Um abraço apertado, um aperto de mão ou um cafuné fará a criança perceber que não está sozinha e, principalmente, que não deixou de ser amada por ter agido assim ou assado. Quando você acolhe seu filho nas horas mais delicadas, está ensinando a ele que o amor não é mercadoria que se dá e tira quando bem se entende, e que o amor não julga e não impõe condições. Algumas crianças recusam o acolhimento físico em um primeiro momento – e só a sua experiência pessoal dirá se é a hora de insistir ou não -, mas faça-a sentir que o amor está presente, como sempre esteve.
5. Deixe que a criança se expresse e extravase o que sente
Guardar as coisas só para si, sem manifestar o que nos dói, entristece ou desagrada, acaba em somatizações e consequências negativas, tanto emocionais quanto físicas. Na hora da ‘birra’, permita que a criança coloque a raiva, a frustração, a tristeza, a indignação ou qualquer outro sentimento que tenha levado ao descontrole, para fora, onde ela pode ser trabalhada para se transformar em algo produtivo. Para algumas crianças, a expressão física do sentimento negativo ajuda bastante: socar travesseiros pode ser uma ótima forma de extravasar e descarregar a energia negativa que se acumulava do lado de dentro.
6. Peça ajuda
Se você notar que está a ponto de perder o controle e agir de um jeito que não gostaria diante da crise, não se acanhe em pedir ajuda. Quem está do lado de fora às vezes vê a situação com mais tranquilidade e clareza, e pode perceber detalhes e possibilidades que, no calor do momento, tenham passado despercebidas para você. Colocar outra pessoa no diálogo pode dispersar a energia acumulada e colaborar para que todos recuperem a calma e a capacidade de resolver o conflito.
7. Afaste-se
Às vezes, quando estamos perigosamente perto de uma explosão, a melhor pedida é uma saída estratégica. Com crianças de uma certa idade, já é possível avisar que você precisa de um tempo para se acalmar, porque a situação do jeito que está não vai caminhar para lugar nenhum. Vá para um banheiro ou um canto mais tranquilo, jogue uma água no rosto, respire fundo, conte até cem. Olhe para dentro de você para relembrar em que você acredita, e de que maneira gostaria de resolver aquele impasse. Parece incrível, mas muitas vezes alguns poucos minutos de afastamento podem ajudar você a recobrar as forças e retornar ao seu centro, e então voltar para lidar com a situação com as energias renovadas.
8. Dê o exemplo
Seja o espelho de que a criança precisa. Se você não quer que ela grite, não faz sentido gritar com ela. Se você quer que ela mantenha a calma, de nada adiante arrancar os cabelos e chorar em desespero (se for preciso, lance mão da dica 7, e faça isso em um canto tranquilo, para voltar depois). Mantenha a calma, fale baixo, use palavras carinhosas e aja com respeito, para que a criança possa compreender que com serenidade a situação se resolverá mais facilmente. Lembre-se: “children see, children do”.
9. Repita o velho mantra da maternidade: “isso passa”
Acredite: seu filho não estará tendo chiliques e ataques incontroláveis de ‘birra’ às vésperas do vestibular. A vida dos pequenos é feita de fases, esta é uma delas. E é muito importante para que ele aprenda a se conhecer, a lidar com seus sentimentos e a interagir com o mundo. Essa é uma caminhada para a vida toda, e seu filho não precisa de você como um inimigo nessa jornada, mas como seu melhor aliado.
Fonte: MAMÍFERAS em 28 de outubro de 2013
Colaboração do perfil de Márcia Oliveira em 02 de dezembro de 2013.