Apresento a você leitor do Blog Educar Sem Violência parte da metanarrativa* feita por Jorge Larrosa de fragmentos das “CONFISSÕES DE ROUSSEAU”. Acredito que a releitura que Larrosa faz do texto de Rousseau dá uma grande força no nosso movimento de erradicação dos castigos físicos e humilhantes na educação e no cuidado de crianças e adolescentes.
“(...) A EXPULSÃO DO PARAÍSO.
Um dia, o menino Jean Jaques Rousseau, que na época tinha 10 anos e passava uma temporada no campo, na casa de uns parentes, foi acusado e castigado injustamente. Acusaram-no de ter quebrado os pentes da senhorita Lambercier que uma empregada havia posto para secar na estufa do quarto onde ele estudava sozinho suas lições. Jean Jaques jurava que não havia tocado os pentes, mas esses estavam quebrados e ninguém mais que ele tinha entrado no quarto. Os protestos do menino, que persistia teimosamente em sua negativa, foram tomados como obstinação no engano. O pequeno Jean Jaques, inocente não confessava. E, naturalmente, foi duramente castigado, não só pela travessura de ter quebrado os pentes, se não, sobre tudo, por ter sido teimoso, arrogante e mentiroso. Um episódio trivial. Algo que, seguramente, deve ter ocorrido com todo mundo. Mas o importante é como Rousseau o conta. E como o leva a categoria de um trauma inicial, de uma verdadeira expulsão do Paraíso.
O que aí viu Jean Jaques – não o menino Jean Jaques, que então não via nada, o pobre menino somente sentia indignação e raiva, sentia a arbitrariedade, ou seja lá o que sente um menino de dez anos em um caso assim. Para o Jean Jaques adulto - o que escreve as Confissões e que já estava armado de uma linguagem bastante consolidada, foi o final da infância, da felicidade, da inocência e da pura presença em si da imediatez dos sentimentos. Até o momento do castigo havia confiança, intimidade e transparência entre os corações: era possível para uns ler diretamente o que sucedia nas almas dos outros e era possível também que uma pessoa lesse o que ocorria em sua própria alma. Mas a injustiça fez nascer uma distância entre a verdade (o fato de que o menino não tinha quebrado os pentes) e as aparências (o fato de que parecia que tinha quebrado) e deu a Jean Jaques a consciência da separação: um véu cobria a verdade dos sentimentos, a realidade das almas humanas. Sobre o que cada um é se estendia já irremediavelmente o véu das aparências. E abriu, por tanto, a possibilidade de jogar com o véu, por tanto a possibilidade da mentira, da dissimulação e da hipocrisia. A moral era de que se uma pessoa pode parecer culpada sem ser, também pode parecer inocente sem ser. Segundo nos conta Jean Jaques o jogo das aparências lhe ensinou a mentir. E quando uma pessoa aprende a mentir, aprende também, em seguida, a mentir-se.
E assim foi como nossa inocente criatura se fez uma pessoa adulta. Porque as pessoas adultas são adultas por que esqueceram que foram crianças, por que sepultarão em algum lugar remoto de sua consciência a violência que os fizeram adultos. E porque se esquecerão inclusive do esquecimento, desse gesto que os fizeram enterrar o que são. Para ser adulto confortavelmente, as pessoas adultas tem que pensar que as aparências são a realidade, que o deserto é o paraíso, que a mentira é a verdade“ (LARROSA, 1995, 207 – 209).
Sugestão de Leitura:
ROUSSEAU E SUA PROPOSTA DE EDUCAR AS CRIANÇAS SEM VIOLÊNCIA
Maria Aparecida Alves da Silva
Resumo
Esta monografia tem como objetivo estabelecer uma relação entre a concepção de mundo e de homem desenvolvida por Rousseau e sua proposta de educação não coercitiva, ou seja, sem métodos disciplinares violentos. Duas idéias desenvolvidas no Discurso sobre as desigualdades são destacadas, a da bondade e da igualdade original inscrita na natureza humana. A conservação de si mesmo, a piedade natural, a liberdade, a perfectibilidade são conceitos eleitos como chaves para a compreensão da educação negativa, do qual Rousseau propõe na obra ‘Emílio ou Da Educação’. Fragmentos de textos desta obra são recortados com a finalidade de ressaltar o entendimento de Rousseau sobre a educação e a infância. Alguns episódios do Emílio são evidenciados para demonstrar por que, na visão de Rousseau, os métodos coercitivos, como as punições violentas, não devem ser aplicados em sua proposta educativa.
Palavras-chave: mundo; homem; infância; educação; violência.
Acesse a monografia AQUI
Sobre Jorge Larrosa
Nació en 1951. Es licenciado en Pedagogía y Filosofía, doctor en Pedagogía, y catedrático de Filosofía de la Educación en la Universidad de Barcelona. En su trabajo ha desarrollado una importante reflexión sobre la lectura: su gravitación en la cultura, su incidencia en los planes de formación, los complejos vínculos entre escritor y lector, su impacto en la filosofía y la pedagogía.
Algunos de sus libros son: La experiencia de la lectura. Estudios sobre literatura y formación (1996), Pedagogía profana. Ensayos sobre lenguaje, subjetividad y educación (2000), Entre las lenguas. Lenguaje y educación después de Babel (2003) y La experiencia de la lectura (2004).
REFERÊNCIA:
*LARROSA, Jorge. Las paradojas de la autoconciencia. In: LARROSA, Jorge; ARNAUS, Remei et al. Déjame que te cuento. Ensayos sobre narrativas y educaión. Barcelona: Laertes, 1995.
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