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O amor romântico pode causar a morte do corpo
(feminicídio) e a morte da alma (consequências de violências psicológicas) da
mulher.
O amor romântico mata. Li essa frase esses dias em uma parede na faculdade e
isso me alertou para o fato de que sim, passei grande parte da minha vida
fantasiando um tipo de relacionamento que, se tivesse se materializado algum
dia, seria muito tóxico e me anularia completamente como sujeito.
Por quê?
O amor romântico é a primeira ideia que nos chega sobre o ideal de um relacionamento monogâmico e heterossexual. Desde muito novas, somos ensinadas sobre os passos a se seguir para nos tornarmos uma “boa mulher” no futuro. Essa mulher presume ter, como características natas, a fragilidade, a docilidade, a submissão e a dependência excessiva em relação a outrem.
Não é verdade que desde meninas escutamos que quando um garoto nos maltrata é “porque no fundo ele gosta da gente, só não sabe demonstrar…”; ou que temos que ser “conquistadas”, dizer sempre não, quando na verdade “queremos dizer sim”? Essas mentiras apenas contribuem para que desde cedo naturalizemos a violência e a violação de nossos corpos e que passemos a acreditar que o amor deve ser sofrido, difícil, ao mesmo tempo em que teremos que relegar nossas individualidades e até mesmo nosso bem-estar para que o mantenhamos.
Foto: Igualamos.wordpress
Nunca seremos completas sozinhas, muitos dizem.
Precisamos nos entregar loucamente a alguém, e nós aprendemos muito bem como
amar, doar sentimentos sem esperar nada em troca. A princípio, não faremos
tanto esforço para a existência de uma reciprocidade: o príncipe no cavalo
branco corresponderá exatamente a todo o estereótipo Disney ao qual fomos
apresentadas desde pequeninas. Depois, ficará fácil naturalizar violências,
dependências, humilhações e inclusive aceitar migalhas de sentimentos e
atenção. Tudo para que o amor não se esfacele e cumpra com o dever do “felizes
para sempre”.
Posse e domínio, que culminam em violência e
agressão, sempre foram incessantemente confundidos como meros “ciúmes”. Ciúmes
sempre foram confundidos com uma das características inatas do amor. E o amor
romântico sempre pediu provas as quais nenhum verdadeiro amor é capaz de pedir.
“Eu faço isso porque te amo, então você deve fazer o que quero; você deve aceitar o que eu digo; você me deve obediência, pois possuo desde o seu corpo até a sua alma; você precisa provar que me ama; então não me denuncie quando eu bato em você; não ache ruim quando mando você trocar essa roupa que está muito curta; não me pergunte o porquê de eu proibir que você converse com determinadas pessoas; não me julgue quando ameaço tirar a guarda de seus filhos se você se divorciar de mim; não duvide do que eu sou capaz, e, se algum dia eu tirar a sua vida, será simplesmente por amor e porque motivos você me deu para que isso acontecesse”.
Mitos do amor romântico. Foto: Mujeres sin
fronteras
O amor romântico ganha respaldo na assimetria de poder
que existe entre os gêneros e que se transmite para a relação micro. Sofremos
com inúmeras dependências em relação ao nosso parceiro, como a econômica e a
psicológica. Somos pressionadas para manter o status social de senhora e, se o
relacionamento fracassou, a culpa sempre será nossa, pois não fomos boas o
suficiente para segurar o homem ou para que ele nunca nos encostasse a mão.
Para cumprir o preceito do eterno que o amor romântico anuncia, anulamo-nos
completamente como sujeitas autônomas e passamos a nos encontrar na prisão de
um relacionamento abusivo, cujas consequências podem culminar em feminicídio.
Afinal, para aquele homem tão bom que me dava flores e chocolates no início do relacionamento ter se tornado esse monstro, alguma coisa de errado deve ter comigo, não é mesmo?
Passamos a não enxergar toda a nocividade que permeia esse tipo de relacionamento, de repente estamos em uma teia da qual não conseguimos sair, voluntaria ou mesmo involuntariamente. Todos os abusos, todas as agressões, todas as violências serão cometidas e sofridas em “nome do amor”.
Porém
O amor encontra sua completude dentro de nós mesmas, e se materializa no amor-próprio. Só com o amor-próprio em alta, seremos capazes de então amar outrem. O amor não deve renunciar a nada, pois ele deve se manter íntegro para então ser compartilhado. O amor necessita de equilíbrio, e ele funcionará muito bem em um relacionamento quando não há relações de dominação/submissão, violência/passividade, exigências/renúncias, comandos/obediência, independência/dependência.
Duas pessoas independentes e emancipadas são capazes de manter um relacionamento de forma harmoniosa e essas pessoas podem, da mesma
forma, saber que, se a relação não está legal, ela não tem que se arrastar para
mantê-la, e nem choramingar as dores do mundo porque chegou ao fim.
Ou, sou a mulher da minha vida. 😉 Foto:
Pikara Magazine
Podemos ser senhoras de nossas vidas casando-se unicamente com a nossa autoestima, o nosso amor-próprio. Devemos afastar qualquer tipo de relacionamento tóxico, abusivo, que antes permeou o romantismo excessivo, a entrega exagerada e admiração descomedida, a dependência excessiva, a abnegação de si, a violência, a posse e o domínio como forma de amor e “proteção”.
Fonte: Desconstrução Diária em 31 de março de 2017.
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