"Mulher é
consolada após passageiro em ônibus na avenida Paulista ejacular sobre o pescoço
dela; homem foi solto por juiz que não viu crime de estupro."
(foto e legenda UolNotícias)
“Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:”
Sentença do Juiz José Eugenio do Amaral
"Na espécie, entendo que não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco do ônibus quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado."
Fala da vítima sobre a sentença
"É um absurdo. Estou me sentindo um lixo. Porque eu não fui constrangida… para a Justiça eu não fui constrangida" (depoimento da vítimaa Rádio Jovem Pan).
Críticas de conceituadas juristas à sentença
"[...] lei é muito clara sobre o que é estupro. [...]O que
aconteceu com aquela mulher foi muito mais grave; acredito que essa decisão foi
um erro muito grande, um escárnio à Justiça. Além de esse sujeito ter praticado
estupro, não foi a primeira vez que fez isso, basta ver a quantidade antecedentes
criminais dele. [...] Estupro é crime hediondo, e é inaceitável minimizar uma
conduta completamente reprovada pelo Código de Processo Penal não por um erro
de decisão, mas de interpretação –não se pode desculpar uma agressão sexual,
sob pena de se jogarem por terra todos os avanços conquistados em termos de
legislação sobre esse tema. [...] Estamos falando possivelmente de um
compulsivo, psicopata, com problemas muito graves e que, por isso, teria que
estar preso ou internado, pois ele, solto, significa um risco para as mulheres.
Considerar esse quadro digno de um contraventor é injustificável".
Luiza Nagib Eluf - autora de sete livros sobre crimes sexuais, advogada
criminalista, procuradora de Justiça aposentada que atuou 33 anos no MP
paulista (Fonte Uol Notícias).
"Houve um estupro naquele ônibus. Esse
crime abrange não só a conjunção carnal, mas qualquer ato libidinoso. A questão
é que o Código Penal coloca uma variabilidade de condutas quanto à sua
gravidade. É menos grave ejacular sobre uma pessoa que um estupro coletivo, por
exemplo. [...] Não acredito em prisão como a solução mais adequada para este caso; o
problema, a meu ver, é dizer que esse ato não foi violência e que não houve
constrangimento. [No direito penal] constranger é o brigar alguém a fazer algo. [...] A vítima estava
completamente indefesa. Difícil dizer que ela não foi obrigada a receber aquela
agressão nas condições em que estava –era, portanto, um caso clássico para se
decretar a prisão preventiva".
Maíra Zapater - advogada e professora de direito penal e doutora em direitos humanos das mulheres
Professora de direito
penal e doutora em direitos humanos das mulheres... - Veja mais em
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/09/01/libertar-acusado-de-estupro-em-onibus-foi-erro-injustificavel-e-escarnio-dizem-especialistas.htm?cmpid=copiaecola
Professora de direito
penal e doutora em direitos humanos das mulheres... - Veja mais em
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/09/01/libertar-acusado-de-estupro-em-onibus-foi-erro-injustificavel-e-escarnio-dizem-especialistas.htm?cmpid=copiaecola
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Violências contra mulheres, uma tragédia diária!
- A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil.
- A cada 1 hora e meia uma mulher é assassinada por um homem no Brasil.
- 2 em cada 3 mulheres sofrem violências físicas ou sexuais no mundo.
- 1 em cada 5 sofrem assédio moral no trabalho.
- 4,8 para cada 100 mil mulheres, a taxa de feminicídio no Brasil é a 5ª maior do mundo (OMS).
- Goiás é o 2º Estado brasileiro em feminicídio.
- Estima-se que uma mulher que sofre violências de seu parceiro perde 8 anos em seu desenvolvimento pessoal e profissional.
- 2013 a 2016 o número de registros de ocorrência de violências (estupro, estupro de vulnerável, ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor) no transporte público de SP aumentou 850.
Antes as estatísticas não nos peçam moderação, é desumano. Há muito sabemos a dimensão de nossa dor.
Considerações sobre a tipificação das violências e a responsabilização
dos autores
Uma violência deve ser sempre nominada como tal, não considero adequado
usar o termo abuso, ou outra palavra que no sentido ameniza a ação violadora. A
tipificação de uma violência não pode ser relativizada por nenhuma razão, muito
menos pelas características do autor ou da vítima de violência.
Um autor de violência deve ser responsabilizado, seja ele pai, mãe, professor,
padre, pastor, irmão, criança, adolescente, ou pessoa com transtornos
mentais. O que deve ser avaliado caso a caso não é a tipificação da violência,
nem tão pouco se o autor de violência será responsabilizado ou não. Uma
violência é uma violência, sua definição não pode ser variável dependendo do
perfil do autor de violência. Todavia, é importante salientar que as
penalidades podem variar de acordo com os autores de violências, caso envolvam
situações especiais de vulnerabilidades, exemplos: fases peculiares de desenvolvimento, transtornos mentais,
deficiências cognitivas, dentre outros. Em todos os casos, o ideal é integrar
ações de responsabilização com medidas de acompanhamento e suporte
psicossocial.
Responsabilizar não é sinônimo de encarcerar. Existem inúmeras
penalidades e/ou sanções que não envolvem privação de liberdade. Duas décadas
de trabalho com pessoas que vivem situações de violências me possibilitaram uma compreensão
longitudinal da dinâmica dos autores de violência, destaco a seguir algumas
constatações pertinentes a tal dinâmica:
- É baixíssima a adesão dos autores de violências a projetos de acompanhamento psicossociais ou psicoterapêuticos quando não existe uma obrigação legal.
- O autor de violência tende a reincidir na ação violenta, seja por crenças e desejos socialmente construídos ou por ter um transtorno associado. Nesse sentido, todas as providências possíveis devem ser tomadas para que não existam novas vítimas. Se o autor de violência tem algum transtorno, mesmo aquele que está determinado a se tratar, ele pode ter recaídas. Recaídas nestes casos são novas violências sexuais, o que exige ações e intervenções para além das psicoterapêuticas ou atenções psicossociais.
Importante:
Em casos que envolvam compulsões sexuais, é urgente a
vinculação do autor de violência a um serviço especializado. Caberá a equipe
de profissionais deste serviço, em parceria com o sistema de justiça, avaliar
se é necessário inclusive uma internação. A não observância destas medidas
representa uma grave negligência institucional, haja vista que expõem a vulnerabilidades e riscos outras
mulheres e o próprio autor de violência sexual.
Em acordo com o pensamento de Furniss (1993)*, considero inadequados os
tratamentos de autores de violências sexuais que desprezam os aspectos legais. Estupro é crime hediondo e não é
tolerável nenhuma violação a mais. #NenhumaVítimaaMais. A responsabilização e a
atenção aos autores de violências não são ações excludentes entre si,
entretanto não aposto na resolutividade de tratamentos de autores de violências
que não se sustentam em uma intervenção multiprofissional e intersetorial, bem como, em uma
ação articulada e integrada entre saúde, assistência social, educação,
segurança pública, sistema de justiça dentre outros serviços.
Vale lembrar!
A esmagadora maioria dos autores de violências sexuais não apresentam
transtornos mentais associados, nem tão pouco apresentam quadros de parafilias
(mais conhecidos como pedofilia).
Nenhuma violência é justificável.
Nenhuma violência deve ser naturalizada.
Nenhuma violência deve ser psicopatologizada.
Não são os transtornos a causa da violência contra a mulher, não são
loucos ou monstros os autores de violência. Não coloque na loucura essa culpa!
O homem não é violento por que tem um transtorno mental. Nem toda pessoa que tem
transtorno mental é violenta, mas algumas pessoas que são violentas têm transtorno. A violência é uma construção cultural,
os aspectos biológicos podem influenciá-la, mas jamais determiná-la. Por fim, a violência contra a mulher não é episódica ou restrita a ação individual, mas sim estrutural e estruturante das sociedades patriarcais.
Cida Alves
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FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisciplinar. Manejo, Terapia e Intervenção Legal Integrados. Trad. de Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
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