26 de abr. de 2015

Pai de jovem morta por Champinha é contra redução da maioridade penal



O advogado Ari Friedenbach, pai da jovem Liana, assassinada pelo então adolescente Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, em novembro de 2003, na Grande São Paulo, já foi um defensor da redução da maioridade penal. Logo depois da morte da filha, fez campanha pela antecipação da responsabilização como adulto. Friedenbach diz que estava em "estado de choque" e no "calor da tragédia" que sua família viveu.
Hoje, no entanto, se opõe à proposta aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Em sua opinião, ela é inconstitucional. "Não podemos aceitar a redução da maioridade penal em hipótese nenhuma. Acho isso uma calamidade para a nossa sociedade", afirmou em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo na última sexta-feira (17) .
Nesta quinta-feira (23), disse ao UOL que mudou de posição depois de "estudar com profundidade o tema dos jovens infratores" e os "riscos à sociedade" que a redução representaria.
"A gente vai deslocar esse drama do jovem que hoje é cooptado com 16, 17 anos. Vão começar a cooptar jovens de 14, 15 anos para cometer os mesmos crimes ou assumir os crimes", diz o advogado.
"A gente vai colocar o jovem que comete um pequeno ato infracional numa cadeia, que não está recuperando ninguém, muito pelo contrário. Ou seja, tira qualquer possibilidade de ressocialização desse jovem."

Outra proposta
Tendo como bandeira a segurança pública, Friedenbach já se candidatou a deputado federal e em 2012 foi eleito vereador em São Paulo. Entrou na Câmara pelo PPS e depois migrou para o Pros.
Apesar de se opor à redução da maioridade, ele defende a responsabilização criminal de adolescentes que cometem homicídio, latrocínio, estupro, sequestro e roubo.
"Para esses casos e somente para esses casos, defendo que eles respondam dentro do Código Penal, da mesma maneira que respondem os maiores de idade, mas obviamente não os colocando num presídio comum."
Pela proposta, o menor condenado por um dos crimes acima deveria ficar internado até os 18 anos em uma instituição de ressocialização de infratores, como a Fundação Casa de São Paulo. Aos 18, seria transferido para o sistema prisional. O fato de o crime ter sido cometido na adolescência poderia servir como atenuante e reduzir a pena.
O tratamento dado a adolescentes que cometem outros atos infracionais não mudaria: eles ficariam sujeitos às normas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescência) e poderiam cumprir medidas socioeducativas em unidades destinadas a adolescentes.
Segundo Friedenbach, a proposta tem a simpatia dos senadores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Magno Malta (PR-ES).
Seu próprio partido, o Pros, ainda não encampou a ideia. Nesta semana, a legenda veiculou uma campanha na mídia estimulando a população a participar de uma enquete sobre o tema: "Redução da maioridade penal – você é a favor ou contra?".
A iniciativa irritou o vereador de São Paulo. Ele enviou uma carta à direção do Pros para reclamar de não ter sido consultado e afirmou que considera um "grande erro estratégico" o partido não ter uma posição a respeito do assunto.

Liana e Felipe
Liana Friedenbach tinha 16 anos quando foi acampar com o namorado, Felipe Caffé, que tinha 19 anos, em Embu Guaçu, na Grande São Paulo, em novembro de 2003. O casal foi sequestrado por Champinha e quatro adultos. Caffé foi morto a tiros por Paulo César da Silva Marques, o Pernambuco. Liana foi estuprada e morta por Champinha. Todos foram condenados. A pena mais alta chegou a 124 anos de prisão.
Champinha ficou três anos internado na antiga Febem e na Fundação Casa, punição máxima prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sem ter outra pena para cumprir, ele está internado desde 2007 na UES (Unidade Experimental de Saúde), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
A Justiça resolveu interditá-lo civilmente depois de uma avaliação psiquiátrica. O laudo apontou que Champinha tem problemas mentais e não possui condições de viver em sociedade.

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22 de abr. de 2015

Como o Uruguai impediu a redução da maioridade penal



Militante da comissão “No a La Baja”, Andrés Risso fala sobre as estratégias que impediram a tentativa de redução da maioridade penal no país, levada a cabo por meio de um plebiscito; “Se a população tem acesso à informação, muda de opinião, porque é uma proposta muito primitiva”, afirma 
Por Anna Beatriz Anjos
Em 26 de outubro de 2014, o Uruguai foi às urnas para decidir se reduziria ou não a maioridade penal de 18 para 16 anos. Em 2011, quando os setores mais conservadores levaram adiante a proposta do plebiscito, cerca de 70% da população apoiava a redução. Três anos depois, 53% dos uruguaios disseram “não” à medida e impediram o retrocesso. A grande virada se deu principalmente graças ao trabalho da comissão “No a La Baja”, que uniu diversos movimentos sociais em torno da causa.
No Brasil, a direita também quer reduzir a inimputabilidade penal. Aqui, no entanto, a tentativa se dá por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e agora é analisada em comissão especial.
Andrés Risso, do ProDerechos, um dos coletivos que encabeçaram a campanha contra a redução no Uruguai, conversou com à Fórum sobre as estratégias de resistência adotadas. Para ele, a união entre sociedade civil e classe política, além das constantes mobilizações nas ruas, foram fundamentais para a mudança da opinião pública. Confira:
Fórum – Como foi possível montar a rede de mobilização de vários movimentos para que a redução da maioridade penal não fosse aprovada?
Andrés Risso – Já no começo, a maioria dos movimentos sociais do país se posicionou contra a redução da maioridade penal e iniciou a construção de um debate com a opinião pública, já que no Uruguai se tentou reduzir a maioridade penal pelas urnas, por meio de um plebiscito. Nosso trabalho foi o de levar às pessoas argumentos e informações para que pudessem tomar a decisão. Sabíamos que a redução da maioridade penal não traria os resultados propostos, era ruim em termos de direitos e pior para a segurança pública. Historicamente, quando há problemas de segurança pública, o caminho escolhido é o da exclusão e repressão, o que não melhora os índices de criminalidade. Além disso, colocar o foco do problema nos adolescentes era errado, porque eles, no Uruguai, são responsáveis por uma porcentagem muito pequena dos delitos – 6%. Pensávamos que para acabar com a sensação de insegurança eram necessárias oportunidades, trabalho, educação, cultura, tentar outros caminhos. Também entendemos que, nessa etapa da vida, é importante que a pessoa não esteja presa, porque é o momento em que está aprendendo, formando sua identidade, sua personalidade. Colocar adolescentes na cadeia é muito contraproducente do ponto de vista da reinserção. Por isso, nessa etapa é muito importante que as experiências sejam positivas e alentadoras, e que se dê ferramentas para que a pessoa possa ter um futuro, levar uma vida normal.
“O mais importante foi a articulação dos movimentos sociais e a mobilização, sobretudo dos jovens, que constituíram o principal motor da campanha”, afirma Risso

Fórum – No início do processo de discussão, cerca de 70% dos uruguaios eram favoráveis à redução. Qual foi a estratégia utilizada pelos movimentos sociais para inverter esse quadro?
Risso – Nossa estratégia foi ligada à comunicação, baseada em um triângulo: tratamos das razões pelas quais a proposta não servia, porque era ruim por si só e porque, na verdade, poderia piorar a situação. Como dizia antes, os argumentos favoráveis colocavam o cárcere como solução, não atendiam nem às vítimas. Era ruim de uma forma geral. A estratégia de comunicação, então, foi, por um lado, utilizar o fator racional, com os argumentos que já citei, e também o emocional, porque houve uma mobilização muito grande de jovens em todo o país [contra a redução], que saíam às ruas, organizavam apresentações musicais, debates etc, em defesa de seus pares. Foi fundamental a mobilização juvenil, que culminou em uma marcha de 50 mil pessoas – algo que no Uruguai é muito significativo. Foi muito importante também ter todas os movimentos sociais – os sindicatos, estudantes e também muitas das igrejas – do nosso lado. Nos ajudou muito com a opinião pública. Jovens de todos os partidos políticos se posicionaram em defesa de seus pares, da juventude. 
Fórum – Vocês conseguiram fazer com que parlamentares importantes se manifestassem contrários à redução da maioridade penal? 
Risso – Sim. Nos últimos meses de campanha, quem defendia a redução eram somente os impulsionadores da medida, que representavam um número mínimo – seu porta-voz era Pedro Bordaberry [filho do ditador uruguaio Juan María Bordaberry], integrante dos setores mais conservadores. No nível político, começaram a falar muitos deputados e legisladores, por exemplo, o então ex-presidente Tabaré Vazquez [reeleito para o cargo nas últimas eleições, em 2014] e José Mujica. Além dos dois presidentes nos últimos dez anos se posicionando conta a redução da inimputabilidade, tivemos também o arcebispo de Montevidéu, muitos ícones culturais e lideranças sociais. A Universidade da República e a Central Única dos Trabalhadores tiveram um papel importante no sentido de pensar propostas para os adolescentes que haviam cometido delitos e propostas de debates sobre segurança pública e adolescência.
Fórum – Considera que o apoio dessas pessoas com maior notoriedade foi importante para a virada da opinião pública?
Risso – Sem dúvidas. Isso, somado à mobilização juvenil ativas nas ruas, foi muito importante para a mudança da opinião pública. Mostrava que o Uruguai mobilizado e organizado não queria a redução. Era um retrocesso muito grande. Compreendemos que pode sim existir um problema de segurança pública – no Uruguai, 40% das pessoas pensam que esse é o principal problema do país –, mas, para além disso, sabia-se que essa proposta era muito primitiva e partia da mesma metodologia excludente, depressora e punitiva.
Fórum – Aqui no Brasil, a mídia tradicional contribui muito para a existência desse sentimento de insegurança que fortalece o apoio a medidas punitivas, como a redução da maioridade penal. Isso acontecia no Uruguai?
Risso – Sim, sobretudo no começo. Mais no final da campanha, a um mês do plebiscito, quando o contingente favorável à redução já era menor do que 50%, talvez a mídia tradicional e mais conservadora tenha parado de fazer tanta campanha. Mas, no início, quando a medida foi levada adiante por meio do recolhimento de assinaturas, a mídia duplicou ou triplicou o tempo dedicado aos crimes cometidos por adolescentes. Isso se deu de forma muito clara. Acho que isso acontece em todo o mundo, é sempre mais fácil atacar o setor mais vulnerável. Ao menos no Uruguai, faltam estímulos para que os jovens continuem estudando; dos 10% de pobres, até 20% são jovens; no trabalho, o mesmo: as maiores taxas de desemprego ocorrem na juventude. Esse é o setor mais debilitado e, no entanto, queremos castigá-lo pelos problemas que há no país. Expusemos essa contradição durante a campanha. O mais importante, na verdade, foi desvincular a sensação de insegurança da adolescência. E os meios de comunicação atuaram muito para conectar a insegurança aos adolescentes. A partir de um amplo processo de debate com a população, essa relação foi ficando cada vez mais debilitada.
Fórum – Em relação à estratégia de comunicação, que meios utilizavam mais?
Risso – Por um lado, investimos na via pública; por outro, produzimos spots radiofônicos – pois a população ouve muito rádio – e também na televisão, porém menos, porque o tempo de TV é muito caro. Foi fundamental sair por todos os bairros e cidades para levar informações às pessoas. Além disso, realizamos muitos eventos massivos e culturais.
Fórum – As redes foram importantes no processo?
Risso – Também. Tínhamos Facebook, Twitter e outras redes, e principalmente no fim da campanha as utilizamos muito para chegar em todos os lugares do país. Mas, em relação à estratégia de comunicação, talvez o mais importante tenha sido dialogar com as pessoas que não estavam convencidas – esse era o desafio maior. Para isso, realizamos grupos de discussões para os quais convidávamos quem não estava de acordo com a proposta. Pedíamos para que explicassem porque apoiavam a redução da inimputabilidade, e também apresentávamos nossos argumentos. Com essas informações nas mãos, consultamos publicitários altamente qualificados para saber quais seriam as mensagens mais potentes, conhecendo o perfil das pessoas favoráveis à redução. A partir disso, produzimos peças a nível nacional. Descobrimos que cerca de 50% dos indecisos eram sensíveis aos argumentos que utilizávamos, e que mais de 30% mudavam de posição depois de ouvir as peças, que duravam 15 minutos. Não achamos que podemos transferir nossa experiência a um país como o Brasil, que tem uma realidade tão diferente. Mas tivemos a possibilidade, durante três anos, de realizar uma campanha muito intensa, e há alguns dados que são importantes. Se a população tem acesso à informação, muda de opinião, porque [a redução] é uma proposta muito primitiva.

“Esse [juventude] é o setor mais debilitado e, no entanto, queremos castigá-lo pelos problemas que há no país. Expusemos essa contradição durante a campanha”, conta o militante

Fórum – Em entrevista anterior à Fórum, você comentou que caso aprovada, a redução da maioridade penal poderia colocar em risco outras conquistas progressistas, como a legalização da maconha e do aborto. Poderia explicar isso melhor, por favor?
Risso – O que pensávamos, principalmente nós do ProDerechos, era que estávamos avançando muito em nossa democracia, principalmente em relação aos nossos direitos e à ampliação das liberdades das pessoas. Se a população decidisse por reduzir a maioridade penal, poderia ser o início de um retrocesso. Retrocesso esse levado adiante pela mão dos setores políticos conservadores, já que quem impulsionou a medida foram os setores mais fortes dos partidos tradicionais e conservadores. Na campanha, atuaram organizações de todos os tipos, e também estavam presentes aquelas responsáveis pelas outras conquistas [legalização da maconha e do aborto, por exemplo]. Participaram do princípio até o fim, porque sabiam que aquilo fazia parte da luta contra o Uruguai conservador.
Fórum – Levando em consideração todas as diferenças existentes entre Brasil e Uruguai, o que diria aos movimentos brasileiros que formam a frente de resistência contra a redução da maioridade penal?
Risso – Acredito que o mais importante foi a articulação dos movimentos sociais e a mobilização, sobretudo dos jovens, que constituíram o principal motor da campanha – a comissão “No a La Baja” no Uruguai é integrada quase todas por pessoas com menos de 30 anos. É uma boa causa para que os jovens comecem a militar, mas também fortaleçam a militância que já existe. Por outro lado, foi fundamental também a incidência sobre a opinião pública. Seria muito bom que o Brasil pudesse debater essa proposta em todos níveis, e que os movimentos possam fazer parte disso. Sinceramente, é um conselho de uma pessoa de fora, mas tomara que a sociedade brasileira se informe sobre esse assunto. Seguramente, pensará duas vezes se é isso que quer para resolver os problemas de segurança ou se é melhor tomar outro caminho. Rejeitar essa medida não quer dizer que não se pense em melhorar a segurança no país.
(Fotos: Carlos Lebrato/Frente Ampla)