24 de out. de 2022

Declarações de Bolsonaro e Damares reforçam cultura do estupro e da pedofilia, segundo psicóloga - Cida Alves à Agência Pulsar Brasil

 
Narrar práticas sexuais para crianças também é uma violência sexual (Foto: Alexa / Pixabay)

Em entrevista à Pulsar, profissional com mais de 25 de experiência comenta sobre os recentes escândalos envolvendo casos de violência sexual contra crianças e adolescentes


Além disso ele, ele comete uma violência simbólica em relação à classe social e à nacionalidade. Ele estigmatiza as meninas pobres e estrangeiras como meninas que estão sempre aptas para a exploração sexual. Isso é muito sério! Nós brasileiras que vamos para o exterior, a gente vive isso o tempo todo independente da idade. Quando se cria um estigma sobre um determinado tipo, esse estigma vai nos acompanhar em qualquer lugar e onde a gente for. E o que Bolsonaro coloca e reforça nessas meninas é esse estigma de que meninas pobres estão sempre aptas e tirando vantagem em relação ao sexo.

Uma das consignas que a gente trabalha na educação sexual é que a gente deve respeito às pessoas que são respeitáveis. Quem nos oprime, quem nos machuca, quem quer fazer de nós um objeto, a gente não tem que respeitar, a gente tem que buscar a nossa autodefesa. E o que tem sido reforçado por esse governo no processo de socialização dos meninos e das meninas é a lógica da obediência e do domínio. Essa cultura da violência que Bolsonaro e a extrema-direita trazem atinge diretamente a criança. E eles têm o objetivo de atingir a criança porque o projeto deles é a longo prazo. Eles querem construir sujeitos que servirão ao projeto deles.

Todo o projeto de dominação da extrema-direita vai estar relacionado à socialização da criança com o objetivo de desenvolver processos de manipulação em que se consiga um sujeito robotizado, que obedece cegamente a ordem. A isto se deve a grande adesão dos nazistas. Não eram todos cruéis e perversos. Mas aquelas pessoas tinham como ideal máximo a ordem e obediência sem fazer nenhum processo de reflexão. 


Pulsar: Como é possível reverter esse quadro de violência no país? Que medidas são urgentes para avançarmos no enfrentamento às violências contra crianças e adolescentes no Brasil?


Eu acho que a primeira coisa é nós enfrentarmos a construção da mentira. Essa lógica que coloca como igual um conhecimento aprofundado com a opinião.


Isso tem sido feito de forma planejada e não é à toa que hoje nós temos pessoas que acreditam que a terra é plana. À medida que a pessoa está nesse processo que a gente chama na Psicologia de “autoengano” e de “dissociação cognitiva”, ela começa a aceitar outras e outras inverdades. Veja o que aconteceu na Covid. Eu sou profissional da saúde. Eu nunca imaginei na minha vida – e são 25 anos de carreira – que o rumor e o boato seriam os principais impedimento da proteção da saúde das pessoas. A gente precisa fazer um investimento muito profundo para reconstruir a lógica da verdade e do conhecimento. Isso é crucial.


Em segundo lugar, a gente vai precisar passar por um processo de “desfascistização” – porque nós estamos vivendo um período neofascista no nosso país. Tudo o que nós vemos aqui de manifestações tem o signo do fascismo. A ideia do extermínio, a lógica do não-pensamento, do “ultra masculino”, a misoginia, o culto às armas, é como se fosse um checklist de tudo que é ser fascista.


Neste sentido, nós precisamos entender como essa luta contra o fascismo ocorreu em outros países. Eu acho que a Alemanha nos dá o principal exemplo ao valorizar a memória. Eles não esconderam nem ocultaram nenhum tipo de violência e foram até o limite da responsabilização dos culpados pela violência.


No Brasil nós fracassamos na virada da ditadura para a democracia ao não conseguirmos, como outros países latino-americanos, responsabilizar os crimes da ditadura. Agora nós vamos precisar agir muito firmemente para responsabilizar os autores de violências no país. Como diz a linguagem popular, “não dá pra passar pano”.

Um outro fator que eu acho muito importante é ampliar os espaços de convivência. Como a gente cindiu a nossa sociedade em dois polos, os pontos de contatos comuns estão muito reduzidos. Precisamos, portanto, reforçar os pontos de contatos que integram a nossa sociedade, e o investimento na cultura é fundamental para isso.


Eu sempre fui uma defensora apaixonada pelo processo da educação. Eu acho que a educação, sendo transformadora, pode mudar a história de uma nação, mas eu hoje tenho convicção de que é necessário reconstruirmos a nossa identidade nacional. Compreender qual vai ser o nosso elo enquanto identidade nacional para que a gente consiga estabelecer um princípio básico de nação. E, nesse ponto, nós teremos que enfrentar de frente o racismo, a extrema de desigualdade e outros temas como a cultura do estupro, da pedofilia, a violência contra a mulher, contra as comunidades LGBTs e todas as diferenças que nos constituem.


Edição: Jaqueline Deister

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