"Sofrer e cuidar do sofrimento talvez seja o único caminho, a única possibilidade de elaborar barbáries como essa. Esse mergulho para o nosso interior nos permite entrar em contato com as nossas vivencias mais significativas e verdadeiras e o cuidado de tudo isso traz grande chance de promover uma elaboração suficiente para resgatar a esperança na nossa capacidade e nas relações de cuidado. Num segundo momento, poderemos oferecer isso em casa, no trabalho, no encontro com um amigo, no cuidado com os nossos filhos. Ser continente para esse menino Henri, tão vulnerável, que habita todos nós, é como o alivio da volta à superfície no reencontro com um porto seguro."
Maysa Balduino
Para a minha surpresa, vômito era um
sintoma que o menino apresentava na presença do padrasto, segundo mensagens da mãe
divulgadas pela imprensa. Podemos pensar que a incapacidade do menino Henri de
processar e digerir a violência sofrida resultava na ânsia de vômito. Era uma
comunicação do seu pavor e sofrimento. Não é diferente da ânsia que muitos de
nós sentimos diante da barbárie que é uma criança ser espancada até a morte.
O resultado dessa violência brutal nos
comove tanto que nos identificamos com Henry. Nossa
impotência diante do caso é tão grande quanto a dele, pequeno e incapaz de se
defender e preservar a sua própria vida. Essa identificação com o menino Henry nos empurra a um estado de
intensa angústia e perturbação porque nos faz rememorar as necessidades da
criança que fomos. Necessidades de acolhimento, de cuidado, de amor.
Às vezes, na tentativa de aplacar nossa
ansiedade e alcançar um entendimento, nos embrenhamos na busca frenética por
mais e mais informações. Por não encontrarmos justificativas para tanta
crueldade, embarcamos em uma cruzada por justiça ou ficamos sedentos de
vingança, ansiando a destruição dos responsáveis. Nossa mente, procura
entender, elaborar, acomodar o destino dramático do pequeno Henry. São
tentativas legitimas, mas geralmente infrutíferas. A impotência e a
incompreensão prevalecem, a angústia não se dissipa.
Para superar essa agonia, me ocorre uma
possibilidade, que a psicanálise me ajuda a formular: trata-se de poder contar
com o adulto que cuida e que vive dentro de nós. Nosso mundo interno abriga ao
mesmo tempo uma criança e um adulto. Um adulto supostamente capaz de acolher o
sofrimento, de cuidar das feridas, consolar a criança desesperada que também
vive ali.
Quando esse acolhimento é possível
(pois sabemos que nem sempre o é), quando o adulto tem condições de cumprir
essa função consigo mesmo, de cuidar da sua criança aflita, ele pode superar o
que antes parecia impossível. Evocar
o adulto que cuida dentro de nós não impede a dor, mas auxilia a pensar, a
cuidar e proteger.
Sofrer e cuidar do sofrimento talvez
seja o único caminho, a única possibilidade de elaborar barbáries como essa. Esse mergulho para o nosso interior nos
permite entrar em contato com as nossas vivencias mais significativas e
verdadeiras e o cuidado de tudo isso traz grande chance de promover uma
elaboração suficiente para resgatar a esperança na nossa capacidade e nas
relações de cuidado. Num segundo momento, poderemos oferecer isso em casa, no
trabalho, no encontro com um amigo, no cuidado com os nossos filhos. Ser continente
para esse menino Henri, tão vulnerável, que habita todos nós, é como o alivio
da volta à superfície no reencontro com um porto seguro.
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