7 de mai. de 2021

REFLEXÕES SOBRE O CASO HENRI - Maysa Balduino



"Sofrer e cuidar do sofrimento talvez seja o único caminho, a única possibilidade de elaborar barbáries como essa.  Esse mergulho para o nosso interior nos permite entrar em contato com as nossas vivencias mais significativas e verdadeiras e o cuidado de tudo isso traz grande chance de promover uma elaboração suficiente para resgatar a esperança na nossa capacidade e nas relações de cuidado. Num segundo momento, poderemos oferecer isso em casa, no trabalho, no encontro com um amigo, no cuidado com os nossos filhos. Ser continente para esse menino Henri, tão vulnerável, que habita todos nós, é como o alivio da volta à superfície no reencontro com um porto seguro."

Maysa Balduino              



 

 Nas últimas semanas, fomos atravessados pela terrível notícia da morte do menino Henry, mais uma vítima de violência doméstica. Para muitos, acompanhar o noticiário desse caso é impossível. Outros já se envolvem com as notícias e buscam ativamente mais e mais informações sobre o caso. Algumas pessoas se informam e ficam muito mobilizadas. Ouvi adultos relatarem ter sintomas físicos diante das notícias: “tenho vontade de vomitar”.

Para a minha surpresa, vômito era um sintoma que o menino apresentava na presença do padrasto, segundo mensagens da mãe divulgadas pela imprensa. Podemos pensar que a incapacidade do menino Henri de processar e digerir a violência sofrida resultava na ânsia de vômito. Era uma comunicação do seu pavor e sofrimento. Não é diferente da ânsia que muitos de nós sentimos diante da barbárie que é uma criança ser espancada até a morte.

O resultado dessa violência brutal nos comove tanto que nos identificamos com Henry. Nossa impotência diante do caso é tão grande quanto a dele, pequeno e incapaz de se defender e preservar a sua própria vida. Essa identificação com o menino Henry nos empurra a um estado de intensa angústia e perturbação porque nos faz rememorar as necessidades da criança que fomos. Necessidades de acolhimento, de cuidado, de amor.

Às vezes, na tentativa de aplacar nossa ansiedade e alcançar um entendimento, nos embrenhamos na busca frenética por mais e mais informações. Por não encontrarmos justificativas para tanta crueldade, embarcamos em uma cruzada por justiça ou ficamos sedentos de vingança, ansiando a destruição dos responsáveis. Nossa mente, procura entender, elaborar, acomodar o destino dramático do pequeno Henry. São tentativas legitimas, mas geralmente infrutíferas. A impotência e a incompreensão prevalecem, a angústia não se dissipa.

Para superar essa agonia, me ocorre uma possibilidade, que a psicanálise me ajuda a formular: trata-se de poder contar com o adulto que cuida e que vive dentro de nós. Nosso mundo interno abriga ao mesmo tempo uma criança e um adulto. Um adulto supostamente capaz de acolher o sofrimento, de cuidar das feridas, consolar a criança desesperada que também vive ali.

Quando esse acolhimento é possível (pois sabemos que nem sempre o é), quando o adulto tem condições de cumprir essa função consigo mesmo, de cuidar da sua criança aflita, ele pode superar o que antes parecia impossível. Evocar o adulto que cuida dentro de nós não impede a dor, mas auxilia a pensar, a cuidar e proteger.

Sofrer e cuidar do sofrimento talvez seja o único caminho, a única possibilidade de elaborar barbáries como essa.  Esse mergulho para o nosso interior nos permite entrar em contato com as nossas vivencias mais significativas e verdadeiras e o cuidado de tudo isso traz grande chance de promover uma elaboração suficiente para resgatar a esperança na nossa capacidade e nas relações de cuidado. Num segundo momento, poderemos oferecer isso em casa, no trabalho, no encontro com um amigo, no cuidado com os nossos filhos. Ser continente para esse menino Henri, tão vulnerável, que habita todos nós, é como o alivio da volta à superfície no reencontro com um porto seguro.








Maysa Balduino
 - psicanalista, membro do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Goiânia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participe! Adoraria ver publicado seu comentário, sua opinião, sua crítica. No entanto, para que o comentário seja postado é necessário a correta identificação do autor, com nome completo e endereço eletrônico confiável. O debate sempre será livre quando houver responsabilização pela autoria do texto (Cida Alves)