24 de nov. de 2019

“Só guardamos o que demos” por José Mário Branco



"A resposta do meu pai foi uma das maiores lições de humanidade que recebi na vida. Partilho agora com vocês uma parte desta mensagem. Façam bom uso dela! Por João Branco.

Um dia, há uns anos, em que estava especialmente triste, escrevi à pessoa mais sábia que conheço: o meu pai. Todo o meu texto tinha por base o 'eu'. 'Eu estou assim"' 'eu sinto-me desta forma', 'eu queria que'. A resposta dele foi uma das maiores lições de humanidade que recebi na vida. Partilho agora com vocês uma parte desta mensagem. Façam bom uso dela!


'Nunca te esqueças de uma coisa: os estados depressivos têm uma característica nuclear facilmente identificável, que é a de tudo passar a ser tendencialmente 'conjugado' na primeira pessoa do singular. Não sou psiquiatra nem psicólogo, mas a vida ensinou-me que quanto menos pensarmos/conjugarmos/nos preocuparmos com o ego, menos atreitos ficamos às depressões. Ao contrário, tentemos aplicar o verso de Pessoa (que é tão verdadeiro!): Só guardamos o que demos.'

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A cantiga é uma arma

a cantiga é uma arma
eu não sabia
tudo depende da bala
e da pontaria
tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
de pontaria
há quem cante por interesse
há quem cante por cantar
há quem faça profissão
de combater a cantar
e há quem cante de pantufas
para não perder o lugar
O faduncho choradinho
de tabernas e salões
semeia só desalento
misticismo e ilusões
canto mole em letra dura
nunca fez revoluções
a cantiga é uma arma
(contra quem?)
Contra a burguesia
tudo depende da bala
e da pontaria
tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
de pontaria
Se tu cantas a reboque
não vale a pena cantar
se vais à frente demais
bem te podes engasgar
a cantiga só é arma
quando a luta acompanhar
Uma arma eficiente
fabricada com cuidado
deve ter um mecanismo
bem perfeito e oleado
e o canto com uma arma
deve ser bem fabricado

José Mário Branco
 




 

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