O mito de Aracne - mortal que
ousou denunciar as violências dos deuses contra as mulheres
“Atena, deusa da sabedoria,
nascida da cabeça de Zeus, era a guardiã das Artes, protetora das mulheres e
mestre nas artes da tecelagem. Em algumas versões da mitologia grega, Aracne –
jovem mortal filha de um tintureiro, é apresentada como uma aluna brilhante de
Atena, que se igualava em habilidades a mestra da tecelagem. Aracne tecia
maravilhas em seu tear! Informada pelas Ninfas das habilidades de Aracne, Atena
desceu do Olimpo para conferir a proeza da mortal.
Aracne, aluna altiva e
consciente de seus talentos, ao saber do interesse da deusa por seu trabalho,
diz que seria capaz de superar Atena na habilidade de tecelagem. Sabendo do audacioso
desafio da reles mortal, Atena se transmuta em ovelha e vai ao encontro de
Aracne para dissuadi-la a ser mais humilde. Aracne não se intimida e mantém o
desafio. Então, Atena se revela e as duas iniciam um duelo para tentar decidir
quem era melhor.
Atena teceu as conquistas dos
deuses, as maravilhas feitas por Zeus. Aracne, ao contrário, teceu as
violências perpetradas por Zeus contras as deusas e os mortais. Atena admira o
precioso trabalho de sua adversária, mas fica furiosa ante as denuncias tecidas
por Aracne das violências cometidas por seu pai, Zeus e pelos outros deuses do
Olimpo.
Em suas tapeçarias Aracne não
apenas mostrava os crimes de Zeus, mas também ilustrava o sofrido lamento das
vítimas dos lascivos Apolo e Poscidon. O tema elegido por Aracne para estampar
a sua tapeçaria decreta sua própria ruína. Atena defensora fiel do pai e do
poder absoluto dos deuses puni Aracne por tornar público os arbítrios de Zeus e
dos outros deuses. Indignada a deusa destrói as peças da mortal, e esta transtornada
tenta se enforcar com um fio. Atena impede o suicídio e a condena a ser uma
aranha pelo resto da vida” (SILVA, 2012, p. 38)*.
Como Atena, muitas outras
mulheres antagonizaram com suas semelhantes. Por temor, comodidade, vaidade ou ambição elas
se recusaram a ouvir os lamentos de suas irmãs, escolhendo
ficar do lado dos que as violaram e oprimiram.
Nós do #Bloconaoenao seguimos a escolha de Aracne, reles mortal que desafiou o Olimpo patriarcal. Aracne - valente,
altiva e extraordinária tecelã, de suas mãos recolhemos o seu tear para continuar a trama que retirou das sombras a dor e o sofrimento das mulheres e acusou
publicamente todos os seus opressores e violadores.
Aracne, o destino de seu ato de coragem jamais será o esquecimento, por isso lutaremos para que nenhuma mulher que ouse desafiar
o arbítrio dos patriarcas poderosos seja desumanizada. Não permitiremos que
feitiços, pragas ou julgamentos retirem a humanidade da face das mulheres que
encontraram força para denunciar. Em nossas tecelagens seus rostos e corpos reluziram
sempre dignificados.
Fotos: Raissa Guadalupe - Festa do dia dos Mortos
do #Bloconaoenao, Circo Laheto, Goiânia, 1 de novembro de 2019.
Altar de oferendas: criação da artesã sacra Socorro
de Deus
Narrativa de Cida Alves adaptada para a Trupe
"Marias à flor da Palavra - mulheres leitoras”.
* síntese da narrativa "Uma lenda grega" de
Edla Eddert -
EGGERT, Edla. Narrar processos: tramas da violência doméstica e possibilidades para a educação. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2009.
EGGERT, Edla. Narrar processos: tramas da violência doméstica e possibilidades para a educação. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2009.
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