15 de nov. de 2019

O mito de Aracne - mortal que ousou denunciar as violências dos deuses contra as mulheres - Cida Alves




O mito de Aracne - mortal que ousou denunciar as violências dos deuses contra as mulheres 


“Atena, deusa da sabedoria, nascida da cabeça de Zeus, era a guardiã das Artes, protetora das mulheres e mestre nas artes da tecelagem. Em algumas versões da mitologia grega, Aracne – jovem mortal filha de um tintureiro, é apresentada como uma aluna brilhante de Atena, que se igualava em habilidades a mestra da tecelagem. Aracne tecia maravilhas em seu tear! Informada pelas Ninfas das habilidades de Aracne, Atena desceu do Olimpo para conferir a proeza da mortal.


Aracne, aluna altiva e consciente de seus talentos, ao saber do interesse da deusa por seu trabalho, diz que seria capaz de superar Atena na habilidade de tecelagem. Sabendo do audacioso desafio da reles mortal, Atena se transmuta em ovelha e vai ao encontro de Aracne para dissuadi-la a ser mais humilde. Aracne não se intimida e mantém o desafio. Então, Atena se revela e as duas iniciam um duelo para tentar decidir quem era melhor.


Atena teceu as conquistas dos deuses, as maravilhas feitas por Zeus. Aracne, ao contrário, teceu as violências perpetradas por Zeus contras as deusas e os mortais. Atena admira o precioso trabalho de sua adversária, mas fica furiosa ante as denuncias tecidas por Aracne das violências cometidas por seu pai, Zeus e pelos outros deuses do Olimpo.


Em suas tapeçarias Aracne não apenas mostrava os crimes de Zeus, mas também ilustrava o sofrido lamento das vítimas dos lascivos Apolo e Poscidon. O tema elegido por Aracne para estampar a sua tapeçaria decreta sua própria ruína. Atena defensora fiel do pai e do poder absoluto dos deuses puni Aracne por tornar público os arbítrios de Zeus e dos outros deuses. Indignada a deusa destrói as peças da mortal, e esta transtornada tenta se enforcar com um fio. Atena impede o suicídio e a condena a ser uma aranha pelo resto da vida” (SILVA, 2012, p. 38)*.



 Nós do #Bloconaoenao evocamos a força de todas as vidas que em sua passagem pela Mãe Terra não capitularam ante a opinião pública e levam suas convicções, fé e valores pessoais até as últimas consequências. Tonacacihuatl , Xochiquetzal, Virgem de Guadalupe, Oxum, Iansã, Pachamama, Aracne, Joana D’arc, Frida Kahlo, Dandara, Simone de Beauvoir, Nise da Silveira, Santa Dica, Cora Coralina, Margarida Alves, Marielle Franco e Aghata Felix – entidades femininas transcendentais e humanas que hoje referenciamos em nosso altar de AMOR e RESISTÊNCIA. São Francisco de Assis, Martin Luter King, Mandela, Chico Mendes, Paulo Freire, avós, pais, tios e amores, a todas e todos de espírito libertário pedimos bênção e força nesses dias de escuridão para que o medo não nos paralise. 





Como Atena, muitas outras mulheres antagonizaram com suas semelhantes. Por temor, comodidade, vaidade ou ambição elas se recusaram a ouvir os lamentos de suas irmãs, escolhendo ficar do lado dos que as violaram e oprimiram. 


Nós do #Bloconaoenao seguimos a escolha de Aracne, reles mortal que desafiou o Olimpo patriarcal. Aracne - valente, altiva e extraordinária tecelã, de suas mãos recolhemos o seu tear para continuar a trama que retirou das sombras a dor e o sofrimento das mulheres e acusou publicamente todos os seus opressores e violadores. 






Aracne, o destino de seu ato de coragem jamais será o esquecimento, por isso lutaremos para que nenhuma mulher que ouse desafiar o arbítrio dos patriarcas poderosos seja desumanizada. Não permitiremos que feitiços, pragas ou julgamentos retirem a humanidade da face das mulheres que encontraram força para denunciar. Em nossas tecelagens seus rostos e corpos reluziram sempre dignificados.
 



  


Fotos: Raissa Guadalupe - Festa do dia dos Mortos do #Bloconaoenao, Circo Laheto, Goiânia, 1 de novembro de 2019.

Altar de oferendas: criação da artesã sacra Socorro de Deus


Narrativa de Cida Alves adaptada para a Trupe "Marias à flor da Palavra - mulheres leitoras”.

* síntese da narrativa "Uma lenda grega" de Edla Eddert -
EGGERT, Edla. Narrar processos: tramas da violência doméstica e possibilidades para a educação. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2009.

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