MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE
DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL Nós, intelectuais, professores,
estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar
nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e
policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do
campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e
administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de
2017.
O Brasil, nos últimos anos, vivencia
a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de
realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções
coercitivas ao arrepio do código penal tem se tornado rotina no país.
Neste momento amplia-se a
excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo
legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos
artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.
É inadmissível que a sociedade
brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras
penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular
que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado
unicamente no campo da opinião pública.
Nos últimos meses, essas ações
passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui
que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema
político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas
legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e
procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a
ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
A universidade pública brasileira tem
dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da
pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos
países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão
entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de
acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses
rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de
pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63
cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se
destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
Nesse sentido, intelectuais e membros
da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e
tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem
necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam
conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente
em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações
policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva
insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes
sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é
corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições
que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar
criticamente a vida nacional.
Não por acaso o alvo dessa violência
contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta
recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados
durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O
Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários
perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que
as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
Nesse sentido, intelectuais,
professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a
repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de
direito e à memória desse país.
Assinam:
Paulo Sérgio Pinheiro (ex ministro da
secretaria de estado de direitos humanos)
Boaventura de Sousa Santos (professor
catedrático da Universidade de Coimbra)
André Singer (professor titular de
ciência política usp e ex-secretário de imprensa da presidência)
Ennio Candotti (ex-presidente e
presidente de honra da SBPC)
Newton Bignotto (professor do
Departamento de Filosofia da UFMG)
Leonardo Avritzer (ex-presidente da
Associação Brasileira de Ciência Política)
Fabiano Guilherme dos Santos
(presidente da ANPOCS)
Maria Victória Benevides (professora
titular da Faculdade de Educação da USP)
Roberto Schwarz (professor titular de
Literatura da Unicamp)
Renato Perissinoto (presidente
Associação Brasileira de Ciência Política)
Fábio Wanderley Reis. (Professor
Emérito da UFMG)
Cícero Araújo (Professor do Departamento
de Ciência Política da USP)
Sérgio Cardoso (Professor do
Departamento de Filosofia da USP)
Marilena de Souza Chauí (Professora
titular do Departamento de Filosofia da USP)
Fábio Konder Comparato (Professor
Emérito da Faculdade de Direito da USP)
Ângela Alonso (professora do
Departamento de Sociologia da USP)
Juarez Guimarães (professor do
Departamento de Ciência Política da UFMG)
Michel Löwy. (Pesquisador do CNRS,
França)
Adauto Novaes (Arte e Pensamento)
Maria Rita Kehl (psicanalista)
Thomás Bustamante (Professor da
Faculdade de Direito da UFMG)
Lilia Moritz Schwarcz (Professora do
Departamento de Antropologia da USP)
Gabriel Cohn (ex-diretor da Faculdade
de Filosofia da USP)
Marcelo Cattoni (professor da
Faculdade de Direito da UFMG)
Amélia Cohn (professora do
Departamento de Medicina Preventiva da USP)
Dulce Pandolfi (Historiadores pela
Democracia)
Oscar Vilhena Vieira (Diretor e
professor a Faculdade de Direito da FGV-SP)
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