A onda de ódio não passará!
A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares vem, através desta nota, prestar solidariedade à estudante de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ana Luiza Lima, que recentemente comoveu todo o país com seu discurso na comemoração dos dois anos do Programa Mais Médicos. Seu discurso emocionado, por meio do qual agradece as recentes políticas educacionais que permitiram “a neta de um agricultor sonhar em ser doutora” (nas próprias palavras dela) inspirou milhões, mas provocou a ira de um setor reacionário e conservador, que encontra em parte da nossa categoria uma das suas mais perversas formas de expressão.
A onda conservadora dentro da categoria mostrou sua face logo após o anúncio da vinda de médicas e médicos cubanos para atender áreas de difícil provimento destes profissionais por parte do governo federal. Erigiu funerais da Presidenta Dilma e do Ministro Alexandre Padilha e perpassou por cenas nefastas como o “corredor polonês” contra os médicos cubanos no Ceará, com direito a ovos arremessados e xingamentos que não merecem mais ser repetidos. Vários colegas foram perseguidos pelos conselhos regionais de Medicina (CRMs) Brasil afora por se posicionarem favoráveis ao Programa Mais Médicos e não se alinharem com o discurso corporativista, permanecendo as ameaças dos CRMs sobre os médicos que contribuem com o programa (supervisores e tutores) até hoje.
Agora a vítima é uma estudante de Medicina que cometeu o pecado de falar a verdade. Uma estudante oriunda de família humilde que ousou entender que seu sucesso hoje foi fruto de uma política pública e ousou agradecer à Presidenta Dilma pelo esforço de manter políticas voltadas aos mais pobres deste país. O ódio contra Ana Luiza manifestou-se não apenas sob a forma de machismo – numa das regiões do país onde as mulheres mais sofrem com violência e onde o patriarcado se mantém firme e forte – mas, fundamentalmente, como ódio de classe, ódio ao que representou o seu discurso, ódio ao agradecimento à Presidenta, ódio de quem não suporta ver seus privilégios ameaçados.
Por tudo isto e muito mais, a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares denuncia a ofensiva conservadora que se materializa no ódio à Ana Luiza e presta irrestrita solidariedade à nossa futura colega. Saiba, Ana Luiza, que assim como você, existem médicas e médicos que se preocupam com o povo brasileiro, que respeitam sua diversidade étnica, sexual, religiosa e ideológica, que se preocupam com a conformação do SUS como sistema de direitos sociais, público, gratuito, integral e de qualidade. Assim como você, existem médicas e médicos que sonham e que fundamentalmente lutam por um futuro onde este tipo de agressão à você fique num passado distante.
Todo apoio à Ana Luiza Lima
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
“Fui chamada de vadia, de MÉDICA VAGABUNDA DE POBRE, ignorante, não merecedora de cursar medicina. Me foi dito que iam fazer de TUDO pra que eu não conseguisse emprego depois de formada. De que eu não sabia com QUEM estava lidando. Que eu merecia LEVAR UMA SURRA pra aprender a deixar de ser corrupta. Me mandaram CALAR MINHA BOCA NOJENTA DE POBRE E DE VADIA. De novo. Está tudo guardado, não para dar respostas. Mas porque aprendi desde cedo a não responder ódio com violência. Não. Eu NÃO tenho a SUA sede de sangue”.
Leia o relato de Ana Luiza na página pessoal dela no Facebook:
QUEM QUER A CABEÇA DA ESTUDANTE DE MEDICINA?
“Me pergunta, que tipo de sentimento é o medo? Te respondo — dos outros! O meu é o mesmo há várias luas…Deixa os verme falar pelos cotovelos eu ainda falo pelas ruas!!!!” – Emicida.
Vim aqui pra deixar coisas claras. Vim falar porquê a minha garganta não aguenta o nó que se formou. E eu NUNCA fui de calar. Fui convidada a falar sobre a transformação que a educação causou na minha vida e sobre a alegria de cursar medicina. E assim escrevi um texto, de coração e de peito aberto. E hoje penso em tudo que eu disse e tudo que eu queria ter dito mas não foi ouvido. Minhas palavras ecoaram. Porém nunca foram direcionadas à NENHUM partido político. Foi o reconhecimento de um acerto e uma reafirmação do que eu acredito e luto. Fui atacada em minha página pessoal brutalmente por MÉDICOS E FUTUROS MÉDICOS, além de outras pessoas. O machismo e a elite mostraram sua cara. Fui chamada de vadia, de MÉDICA VAGABUNDA DE POBRE, ignorante, não merecedora de cursar medicina. Me foi dito que iam fazer de TUDO pra que eu não conseguisse emprego depois de formada. De que eu não sabia com QUEM estava lidando. Que eu merecia LEVAR UMA SURRA pra aprender a deixar de ser corrupta. Me mandaram CALAR MINHA BOCA NOJENTA DE POBRE E DE VADIA. De novo. Está tudo guardado, não para dar respostas. Mas porque aprendi desde cedo a não responder ódio com violência. Não. Eu NÃO tenho a SUA sede de sangue.
Mas eu tenho uma novidadinha pra essa classe COVARDE de profissionais. A mesma classe que eu já vi combinando entre si no MESMO grupo, de “tratar mal os negros, as feministas e os gays que chegassem nos consultórios médicos, pra que esse povinho aprendesse seu devido lugar”. A novidade é que minhas palavras não foram em nenhum momento pra vocês. Vocês que ignoram a realidade cruel vivida todos os dias nos hospitais públicos. Minhas palavras foram pros profissionais de saúde que dão o sangue todo dia, mesmo com condições péssimas de trabalho, com salários atrasados, numa saúde abandonada e caótica. Eles sim, são verdadeiros heróis. Minhas palavras foram direcionadas àqueles que acreditam e lutam por um mundo transformado a partir da educação e do amor. Minhas palavras foram um agradecimento aos professores, a classe Trabalhadora com T maiúsculo!! Que têm seu serviço desvalorizado ao máximo, mas toma a linha de frente na luta pela transformação diária do futuro de milhões de jovens sem oportunidade no país.
Eu não fui nenhuma heroína, e eu conheço mil médicos que são verdadeiros heróis. Que não precisaram de mais NADA além de força de vontade pra vencer na vida. Mas me desculpa, é que eu penso além. Eu sonho com o dia em que vamos cobrar das nossas crianças, apenas COMPETÊNCIA pra vencer, e não mais heroísmo.
Eu tô falando com aqueles meninos que você tem medo quando para no sinal, tô falando daqueles com fuzil na mão vigiando um fio de vida nos morros das grandes cidades. Tô falando daquela menina que mora na rua e cata latinha, daquele nos campos com enxada na mão cortando cana. Daquela que perde a infância nas esquinas da prostituição. Tô falando daqueles que você insiste em dizer que não existem. Por quê quando você percebe que ELES EXISTEM, coça em você uma ferida podre de 515 anos. Te dá um medo na espinha quando aparece alguém pra defender uma educação por eles e para eles. Te gela a alma a chegada do dia em que o povo não vai mais esquecer seus Amarildos e suas Cláudias Silvas….
Eu já consigo imaginar muitos de vocês rindo, pensando na reeleição garantida, enquanto veem no jornal o povo gritando por mais prisões e menos escolas. E apesar de me doer, eu entendo esse grito.
Eu engoli meu medo porque sei que toda luta pode ser desmerecida. Eu dei minha cabeça à prêmio, e voltei pra casa com a esperança real de um hospital universitário pra minha região onde muita gente tem sorte de ter a esperança de ter um prato de comida.
Eu recebi um agradecimento da prefeita de uma das maiores cidades do país, dizendo que graças às minhas palavras, um novo plano pra educação pública vai ser pensado, e que ela se encheu de esperança e disposição para lutar com unhas e dentes pelos professores da rede pública e pelos jovens em situação de risco. Isso já me curou de todos os medos e de todo o ódio que me foi jogado.
Esperança. Vontade de mudar. EMPODERAMENTO de um povo PELO seu povo.
Eu sei que eu não sou nada nesse sistema corrompido e intricado. Eu sei que não sou ninguém diante dos poderosos desse país. Mas eu tenho outra novidade, eu não estou sozinha, e gente como eu, é quem te causa os piores pesadelos à noite.
E eu vou seguir, mesmo frágil, mesmo com medo, mas sempre acreditando.
“Então serra os punhos, sorria. E jamais volte pra sua quebrada de mão e mente vazia.”
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