27 de jan. de 2013

Em defesa dos lobos

 

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Estimado Leitor do blog EDUCAR SEM VIOLÊNCIA nesse domingo trago a voz de Ashey Montagu e a história real de uma criança para fazer a minha defensa dos lobos.

 

FILHOTE DE LOBOS

 

“O homem é o lobo do homem”, aqui jaz uma injustiça história que precisamos reparar. Injustiça que é fruto do antropomorfismo de certos cientistas que insistem em atribuir emoções humanas aos outros animais. É um grande equívoco responsabilizar a natureza, ou seja, a nossa herança animal pelas violências cometidas por nos humanos. A VIOLÊNCIA é uma construção humana, como também são a ÉTICA e a ESTÉTICA.

Em acordo com o pensamento do antropólogo Ashey Montagu (1978), eu acredito que os seres humanos possuem a capacidade de manifestar qualquer tipo de comportamento, não só o agressivo, “mas também bondade, crueldade, sensibilidade, egoísmo, nobreza, covardia, alegria etc. O comportamento agressivo é apenas mais um da longa lista (…)” (MONTAGU, 1978, p.11).

 

“Darwin o fez, Freud também, em The Origin of Species (A Origem das Espécies), menciona ‘a guerra da natureza’, e já que o homem era parte da natureza seria de se esperar que também fosse uma criatura belicosa. Freud, em Das Ubenhagen in der Kultur (O Mal-Estar na Cultura, 1930) referiu-se ao homem como o lobo do homem, cuja agressividade ‘se manifesta espontaneamente e revela os homens como feras selvagens para as quais o pensamento de poupar sua própria espécie é estranho’. Em cada ponto, em sua visão hobbesiana da natureza, quanto aos lobos, quanto à espontaneidade da agressividade, quanto aos selvagens e quanto às feras Freud está equivocado, profunda e abissalmente equivocado. Não existe guerra da natureza. Se existe uma lei da natureza, é a do equilíbrio entre a cooperação e o conflito, que leva a sociedades cooperativas estáveis” (MONTAGU, 1978, p.265).

 

Uma história real: o menino Marcos Rodrigues Pantoja (Espanha 1946) foi abandonado pelo pai e adotado por uma matilha de lobos

 

 

“Contrariamente ao que creem Freud e os leigos, os lobos não acatam outros lobos. A agressividade no homem e nos outros animais não é espontânea, mas necessita de algum estímulo externo para ser ativado. As feras não são selvagens, e os ‘selvagens’ raramente são tão selvagens quanto os acusam de ser. Numa época de escaladas da violência, tornou-se moda culpar nossos parentes animais por muitas coisas terríveis que nos fazemos mutuamente” (MONTAGU, 1978, p.266).

 

 


Trailer do filme "Entre lobos". Entre Lobos conta a história real de Marcos Rodrigues Pantoja, um garoto de 6 anos que foi vendido pelo seu pai por causa de umas cabras. Sua única alegria até esse momento era a amizade que tinha com seu irmão e seu maior sofrimento foi ser separado dele (Chorei feito uma louca). Ele vive um tempo em Sierra Morena acompanhado de um pastor idoso que lhe ensina a caçar e ter uma boa convivência com os animais que o cercam. Marcos é um garoto meigo e carente a ponto de achar se sentir melhor agora que vive com o pastor numa caverna do que no tempo em que conviveu com seus pais. O menino dizia que não passou um dia em que não apanhou da mãe, então era mais feliz vivendo com ele.

 


 

 

“O professor Adriaan Kortland, do Departamento de Zoologia da Universidade de Amsterdã, afirma sucintamente: ‘O objetivo da luta em muitas espécies não é tanto a luta em si, mas o estabelecimento de uma organização social que torne a luta supérflua’. Resumindo os fatos, o professor J. L. Cloudsley-Thompson afirma: ‘Os gestos ameaçadores e a exibição ritual quase sempre substituem a luta real. Desse modo, o conflito tende a se tornar ritualizado e adaptado, de forma que possa ser exercido sem danos para os rivais’. Finalmente, como o afirmam os professores Ueli Nagel e Hans Kummer, da Universidade de Zurique. ‘A agressividade nos animais é basicamente uma forma de competição e não de destruição’. O resultado fundamental do comportamento agressivo nos animais não é a morte, mas a cooperação, e seu valor principal de sobrevivência reside nisso’” (MONTAGU, 1978, p.79).

 

Uma ficção: a menina Misha, de sete anos de idade, começa uma viagem desesperada, para escapar dos nazistas e encontrar seus pais. Sozinha, traumatizada, terrivelmente vulnerável, sua salvação chega na forma de uma família de lobos, que a adotam.

 

 

A concepção de homem que adotamos influência diretamente nossas escolhas e decisões, afetando assim o futuro de nossas crianças e de nosso mundo (Cida Alves). Veja abaixo o que Ashey Montagu tem a dizer sobre isso:

“A ideia do homem-matador é um estado mental mais confortável que o ponto de vista oposto. Se realmente acreditamos que procedemos como procedemos por termo nascidos assim, e que nada podemos fazer para mudar, então nada podemos fazer para mudar, não é mesmo? E cada vez que traímos um amigo, falhamos, ferimos alguém, trapaceamos ou mentimos para seguir adiante, podemos culpar a natureza humana. ‘Sou apenas um ser humano’, dizemos, dando de ombros, e com isso queremos dizer: ‘Sou naturalmente perverso’, ou ‘Sou naturalmente fraco’.

‘Errar é humano, perdoar é divino’, Esta é uma versão particularmente interessante deste tema. O fato é que o erro e o perdão são atos da mesma criatura humana, mas por minhas próprias razões quero evitar assumir a responsabilidade por qualquer dos dois atos. O erro decorre de minha inevitável natureza básica, o perdão é obra de Deus, eu sou apenas um espectador.

Por outro lado, acreditar que sou responsável por meus atos é viver uma vida desconfortável. Significa que devo pensar sobre o que faço, avaliar as alternativas segundo um certo padrão, julgar, escolher e aguentar as consequências. Quantos de nós passam por esse processo? Não muitos, e o número ainda diminui substancialmente quando um caminho mais fácil nos é apontado por um grupo de ilustres cientistas que são, como todos sabem, mais brilhantes que qualquer outra pessoa” (MONTAGU, 1978, p.35).

Profecia auto realizável

“Aqui, devemos assinalar que, para fins de previsão ou de qualquer outro tipo, a pretensão de que o homem é inatamente agressivo assume a natureza de uma profecia que se realiza por si mesma. Se estamos convencidos de que somos inatamente agressivos, começaremos a ver-nos como tal, e começaremos a atuar da forma que se espera que atuemos. É verdade que devemos tentar controlar nossa agressividade, mas sempre podemos desculpar as reincidências com base em teorias tais como ‘espontaneidade’ e ‘instinto’. Nossa tendência a aceitar a violência como uma forma normal nos dizem que ser violento faz parte da natureza do homem, é um legado de seus antepassados pré-históricos” (MONTAGU, 1978, p.257).

 


Veja ainda algumas pesquisas citadas por Montagu (1978) sobre o tema da agressividade e a aducação de crianças: 

Com exceção do breve interlúdio do século XVIII conhecido como Iluminismo, quando não somente Luz, mas também ar fresco foram introduzidos na questão do que era a natureza humana, o conceito de pecado original e depravação natural predominou. Por exemplo, as crianças eram consideradas ‘criaturas naturalmente depravadas’ por Hannah More, a sabichona inglesa que morreu em 1833; e recentemente, em 1922, o Dr. Edward Glover, decano dos psicanalistas ingleses, falava das crianças nestes cativantes termos ‘A criança perfeitamente normal é quase completamente egocêntrica, gulosa, suja, violenta, profundamente sexual em seus objetivos, exageradas em suas atitudes, dotada, apenas do sentido de realidade primitivo, sem consciência ou sentimentos morais, e sua atitude para com a sociedade (representada pela família) é oportunista, desconsiderada, dominadora e sádica’. Na verdade, julgado pelos padrões sociais dos adultos, o bebê normal é praticamente um ‘criminoso nato’. A conferência do Dr. Glover foi republicada num volume de suas obras escolhidas em 1970” (MONTAGU, 1978, p.37).

“Sabemos também que as características do comportamento humano não são determinados exclusivamente pela hereditariedade ou pelo meio ambiente. O conceito de oposição entre natureza e educação é falaz, e responsável por mais afirmações enganosas do que qualquer outro, até mesmo do que as afirmações de Lorenz e Ardrey aplicadas aos seres humanos. Na realidade, o desenvolvimento de praticamente qualquer tipo de comportamento humano é resultado da interação entre fatores genéticos e ambientais” (MONTAGU, 1978, p.21).

“Esse mesmo princípio se aplica a qualquer tipo de comportamento, inclusive ao agressivo. Muitos estudiosos e observadores de crianças, concluíram que o comportamento agressivo se aprende e é adquirido, ou seja, uma criança cujo comportamento agressivo é recompensado por vencer, por exemplo, ou pela aprovação dos adultos, ou por qualquer tipo de melhora de sua posição – será possivelmente uma criança mais agressiva do que aquela cujo comportamento agressivo é desencorajado por constantes derrotas ou pela desaprovação” (MONTAGU, 1978, p.24).

“Nas famílias de classe média, Bandura, e Bandura, e Walters descobriram que um dos pais de meninos agressivos, ou ambos, encorajavam seus filhos a serem agressivos com amigos e professores, e outros adultos fora da família. Os meninos não agressivos provêm de famílias em que os pais encorajam os filhos a defenderem firmemente seus princípios, mas que desprezam a agressão física como forma de resolver disputas. Além disso, as crianças geralmente tomam como modelo a agressão que sofrem dos pais, tendendo a imitá-la em seu próprio comportamento com os demais. Hoffman descobriu que as mães que empregam agressão verbal ou física para obrigarem seus filhos a cumprirem suas ordens criam crianças que utilizam um comportamento semelhante como seus companheiros” (MONTAGU, 1978, p.25).

“O falecido Professor Abraham Maslow, psicólogo humanista, num artigo intitulado ‘Nossa Natureza Animal Maligna’, publicado em 1949, escreveu: ‘Acho que as crianças, até serem estragados e nivelados pela cultura, são seres humanos mais bonitos, melhores e mais atraentes que seus pais, ainda que sejam mais ‘primitivos’ que eles. A ‘domesticação e transformação’ que sofrem parece atrapalhar mais que ajudar’. Não foi sem razão que o um famoso psicólogo definiu os adultos como ‘crianças deterioradas’. Poderia ser possível, perguntou Maslow, ‘que o que necessitamos seja um pouco mais de primitivismo e um pouco menos de domesticação?’

Similarmente, a Professora Katherine Banhma, que durante vinte anos estudou 900 crianças desde quatro semanas até quatro anos de idade, concluiu que as crianças nascem com impulsos afetuosos expansivos, e que ‘só se tornam preocupados consigo mesmo, retraídas ou hostis, como reação secundária, quando são repelidas, sufocadas com cuidados indesejados, ignoradas ou negligenciadas’’(MONTAGU, 1978, p.90-91).

 


REFERÊNCIA: MONTAGU, Ashey. A natureza da agressividade humana. Tradução de Maurício Mower. Editora: Zahar, Rio de Janeiro 1978.

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